Kael havia passado os últimos dias imerso na complexidade da vida humana. Cada
interação, cada gesto, cada palavra era um dado a ser processado, uma nuance a ser compreendida. Ele havia conseguido um emprego temporário em uma biblioteca universitária, um local que lhe permitia observar a humanidade em seu estado mais natural: a busca por conhecimento. Era um disfarce perfeito, pois sua inteligência superior o permitia absorver e catalogar informações em uma velocidade assombrosa, tornando-o um funcionário exemplar, ainda que um tanto peculiar. Foi em uma tarde chuvosa, enquanto organizava uma seção de livros sobre astrofísica, que ele a viu novamente. Elara. Seus cabelos castanhos, agora soltos, emolduravam um rosto concentrado enquanto ela folheava um volume antigo. Havia algo nela que o atraía, uma energia sutil que ele havia detectado no observatório. Não era apenas a compatibilidade genética que seus sensores Xylos haviam confirmado, mas algo mais, uma ressonância que ele não conseguia decifrar. Ela era a chama que o Ancião Xylos havia mencionado? Ele se aproximou, sua mente calculando as melhores abordagens, as frases mais adequadas. "Posso ajudar?" A voz, embora perfeitamente humana, soou estranha para seus próprios ouvidos. Elara levantou a cabeça, seus olhos expressivos encontrando os dele. Por um instante, Kael sentiu um tremor, algo que ele não havia experimentado desde que deixou Xylos Prime. Era a proximidade da esperança, ou o prenúncio de um novo tipo de conflito? Elara sorriu, um sorriso que iluminou o ambiente, e Kael sentiu uma pontada de algo que ele identificou como... surpresa. "Ah, sim. Estou procurando um livro sobre buracos negros, mas este aqui parece estar fora do lugar." Ela apontou para o volume em suas mãos. Kael pegou o livro, seus dedos roçando os dela. Uma corrente elétrica, sutil, mas inegável, percorreu seu braço. Ele a observou, notando a forma como ela se encolheu ligeiramente, como se também tivesse sentido. Era a primeira vez que ele sentia uma conexão tão forte com um humano, algo que ia além da mera análise de dados. "Este é um excelente livro," Kael disse, sua voz mais firme agora. "Mas se você está interessada em buracos negros, eu recomendaria o trabalho da Dra. Anya Sharma. Ela tem uma teoria fascinante sobre a singularidade." Ele a guiou até a seção correta, seus movimentos fluidos e graciosos. Elara o seguiu, curiosa. "Você parece saber muito sobre o assunto para um bibliotecário." Ela sorriu novamente, e Kael sentiu a estranha sensação de calor se espalhar por seu peito. Era a atração, a emoção humana que ele havia estudado, mas nunca verdadeiramente compreendido. "Eu tenho um interesse... acadêmico," Kael respondeu, mantendo sua fachada. Ele a observou enquanto ela pegava o livro que ele havia recomendado, seus olhos brilhando com entusiasmo. Era fascinante como a paixão humana podia ser tão palpável, tão contagiante. Ele se viu querendo saber mais sobre ela, não apenas como um objeto de sua missão, mas como um ser individual, complexo e intrigante. De repente, o celular de Elara tocou, e ela atendeu com um sorriso. "Oi, meu amor! Sim, estou na biblioteca. Já estou indo para casa. O que você preparou para o jantar?" A voz de João, embora distante, era audível para os sentidos aguçados de Kael. O sorriso de Elara se tornou mais suave, mais íntimo, e Kael sentiu uma pontada de algo que ele identificou como... desapontamento. O casamento. A barreira. Ele havia esquecido, por um breve momento, a complexidade da vida de Elara. A missão seria mais difícil do que ele imaginava. Ele teria que navegar não apenas pela ciência da procriação, mas também pela intrincada teia das emoções humanas e dos laços já estabelecidos. O jogo havia começado, e Kael sabia que precisaria de mais do que lógica para vencer.