Angeline estava exausta da corrida; seus pés ainda latejavam. Embarcou no trem com as mãos trêmulas e o coração quase saindo pela boca, uma mistura de ansiedade, raiva e pura frustração.
Trazia apenas uma pequena mochila e um bilhete de trem que vibrava entre seus dedos suados. Quase não conseguira comprá-lo, logo depois de fugir da mansão dos Mancini.
Apesar do medo, sorria.
Achou a cabine, entrou… mas voltou no instante seguinte, arrancando o número da porta com um puxão apressado antes de fechá-la.
O trem deu o primeiro solavanco, fazendo-a cambalear. O coração batia em uma velocidade maior que a do próprio trem.
Ainda sorria, porque a lembrança era absurda demais.
Os homens que deixara para trás, os sapatos abandonados no jardim enquanto pulava os canteiros, a expressão estupidificada de Marco, seu noivo, e o falso horror nos olhos de Margaret, filha de sua madrasta, ao ser pega aos beijos com ele. Sem falar nos convidados, paralisados ao vê-la descer as escadas correndo, com Marco logo atrás ajeitando a gola da camisa.
Era uma cena digna de novela barata e mesmo assim conseguia lhe dar nojo.
Angeline sempre soubera que Margaret tinha uma quedinha por Marco. Na verdade, Margaret sempre quis tudo que fosse dela. Mas presenciar os dois aos beijos justo no dia em que anunciariam o noivado? Aí já era provocação demais.
Margaret, toda despenteada e ofegante, parecia implorar por atenção. E Marco, cafajeste nato, não desperdiçou a oportunidade. O erro dele? Imaginar que Angeline não apareceria na festa por vontade própria. Todas as outras vezes ele precisou arrastá-la quase à força e já se preparava para repetir a cena quando Margaret o agarrou.
Os passos apressados no corredor arrancaram Angeline das lembranças. Vozes masculinas se aproximavam, firmes, determinadas.
O sangue gelou.
E então a porta se abriu com violência. Um homem entrou, fechando-a atrás de si.
Calça social, colete cinza, camisa branca com as mangas dobradas revelando antebraços fortes e um relógio caro. A respiração pesada. O olhar escuro.
— Sabe gemer? Perguntou, ele, com voz grave, limpa, precisa.
— O quê? Ela piscou, confusa.
Ele puxou a colcha da cama e se aproximou de repente.
— Vamos. Geme. Repetiu, empurrando-a de leve sobre o colchão e cobrindo os dois com a colcha.
— Você é louco? Ela sussurrou, encarando-o, as mãos trêmulas no peito dele.
Ele não respondeu, apenas a beijou. Forte. Rápido. A pressão do corpo dele contra o dela arrancou um som involuntário de sua garganta. A colcha escorregou, revelando parte de sua perna.
Do lado de fora, alguém tentou forçar a porta. O barulho de chave ecoou.
Ele escondeu o rosto no pescoço dela, pressionando-a contra a cama com firmeza controlada. O calor subiu-lhe ao rosto, o coração disparando, ele a pressionou.
Um grunhido escapou dela, perfeito. Do corredor, um policial pediu desculpas ao vê-los e fechou a porta novamente.
O homem ainda sobre ela ergueu o rosto, um sorriso irônico nos lábios.
— Você até que geme bem. Provocou-a.
— Ora, seu…! Ela franziu o cenho, mas ele já se afastava, ajeitando a gola da camisa com a maior naturalidade do mundo.
Notou o coldre vazio à altura da cintura dele enquanto ele espiava o corredor e saia fechando a porta atrás de si.
Então ela sorriu, um sorriso pequeno, satisfeito, quase travesso.
Com toda a calma que não tinha dois minutos antes, puxou a arma que havia roubado dele no meio da “encenação”, girou-a nas mãos e a guardou em sua mochila, como quem esconde um troféu.
Poderia ser útil mais tarde.
Dante saiu da cabine, e antes de dar dois passos, sentiu uma presença atrás de si. Virou-se e, com um golpe preciso, lançou o homem contra a porta da cabine em frente.
Gritos.
Ageline ouviu o barulho, sentindo o coração quase explodir no peito.
O homem tentou se levantar, mas Dante o acertou novamente, a cabeça dele batendo na parede. Em seguida, correu para o outro vagão.
Dois homens vieram em sua direção; Dante se segurou na porta e, em um movimento rápido, os derrubou com os pés, fazendo-os rolar pelo corredor entre as poltronas. Passageiros se levantaram assustados. Gritos de mulheres ecoaram.
Ele voltou para o vagão das cabines, avançando até o fim do trem.
Angeline ouvia tudo, escondida atrás da porta, coração acelerado.
Aproximavam-se da estação. Os sons de portas sendo arrombadas ecoavam. Ela se encolheu debaixo da cama, prendendo a respiração.
Quando o trem reduziu a velocidade, ela saiu, desviando de um homem desmaiando encostado em uma parede, correu até o último vagão,
O trem quase parava quando ela viu o homem, o mesmo que havia invadido sua cabine, saltar para fora.
— Senhorita Conti, espere! Gritou um dos homens de Marco, ao vê-la, vinham em sua direção.
Ela nem pensou. Pulou.
E torceu o pé, ao cair na plataforma, se levantou, mas a alcançaram.
Dante, já à distância, viu a mulher da cabine saltando e sendo capturada por dois homens logo em seguida. Levou a mão ao coldre, vazio.
Ela havia furtado sua arma.
Ele suspirou, irritado. Pensou em intervir… mas hesitou. Que ficasse como punição pelo furto. entrou no carro, que o esperava.
Do carro, observou quando a colocaram em um Maybach preto. Fez sinal para o motorista e o Lincoln arrancou logo atrás. Pelo retrovisor, Dante viu agentes algemando alguns dos homens que o perseguiam.
— O senhor o pegou? Perguntou Oton, seu braço direito, atento ao retrovisor interno.
— Peguei. Dante respondeu baixo. — Mas isso está longe de acabar.
No Maybach, Angeline se debatia, e Marco a segurava pelos braços.
— Você faz ideia do quanto eu tive que correr para te alcançar? Ele disse, ofegante.
Angeline o encarou com ironia.
— E por que se deu ao trabalho? A Margaret não te satisfez?
— Angeline… Ele rosnou. — Eu não sei o que faço com você.
Ele abriu a gola da camisa, sufocado pela própria raiva. O motor do carro vibrava suave já o clima lá dentro, era bem diferente, pesado.
Angeline olhava pela janela, tornozelo latejando, vestido amarrotado, paciência reduzida a poeira.
— Vai me ignorar o caminho todo? Ele perguntou, voz baixa, tensa.
Ela virou o rosto devagar, um sorriso frio nos lábios.
— Quer me contar como foi seu encontro com a Margaret?
Marco riu, sem humor.
— Você nunca sabe quando parar, não é? Aproximou-se, o cheiro de uísque misturado ao perfume caro.
— Por que não me deixa ir? Perguntou Angeline. — Pode continuar tendo suas aventuras por aí.
O maxilar dele travou. Ele respirou fundo, tentando não explodir.
— Você me provoca, Angel… e ainda assim espera que eu acredite que não sente nada por mim?
Ela o encarou firme.
— Eu sinto, sim. Disse, seca. — Nojo.
Marco estendeu a mão para tocar seu rosto. Ela se afastou. Ele riu de novo, um riso escuro.
— Vou marcar o casamento para o fim do próximo mês, não tenho nada com sua irmã, ela é louca, esqueça isso.
Angeline permaneceu calada, irredutível.
Marco baixou o olhar para ela, a voz baixa, possessiva.
— Você ainda não entendeu, não é? Você é minha, não adianta fugir. É melhor se acostumar com isso.