Não haverá casamento

Abri a porta do quarto, e ela me seguiu. Peguei um dos meus fatos de moletom no armário — o tecido ainda guardava o meu cheiro — e estendi para que vestisse.

Depois, abaixei-me e abri a gaveta de baixo. Lá estava uma calcinha dela. Franzi o cenho, segurando a peça entre os dedos.

— Por que isso está aqui? — murmurei, mais para mim do que para ela.

Sinceramente, esse quarto já parece mais nosso do que meu.

— Vista. — entreguei-lhe a roupa e entrei no banheiro. Peguei o secador, conectei-o à tomada e apontei para ela. — Senta aqui.

Ela se acomodou no meu colo, as pernas balançando de leve. O som do secador preencheu o silêncio entre nós. Passei os dedos pelos fios úmidos, separando-os com cuidado enquanto o ar quente os tocava.

— Aquela idiota gostou de você? — perguntou, inclinando a cabeça.

— Tá viajando.

— Tem certeza? Porque não foi o que pareceu. — nossos rostos se aproximaram tanto que pude sentir o hálito fresco dela. — Não mente pra mim, Nolan. Você sabe o que acontece quando mentem pra mim.

Acariciei-lhe a bochecha com o polegar e levei uma mecha rebelde para trás da orelha. O olhar dela me desarmava, me prendia, me incendiava.

Não sei quantos anjos estão, nesse instante, a segurar os meus impulsos, mas aposto que um milhão deles está me coagindo a não beijar esses lábios.

“Eu não sou forte assim. Não me induza a te querer agora mesmo.”

E, para minha salvação, tia Adriana bateu à porta antes de entrar.

— Vão demorar muito nisso? Está todo mundo à espera de vocês. — disse, apoiando-se no batente, com uma taça de vinho na mão. Entrou devagar, observando-nos, e acabou por se sentar na beira da cama. — Syara anda te chateando outra vez?

— Nunca faço nada que ele não aprove. — respondeu ela, num tom doce e provocador. Levantou-se, foi até ao banheiro e voltou com o cheiro do meu perfume. — Estou pronta.

— Podes me deixar uns minutinhos com o Nolan, querida? Preciso falar algo com ele.

Syara assentiu e saiu.

O quarto ficou em silêncio por alguns segundos. Só o som distante do secador, ainda ligado, ecoava. Tia Adriana esperou até que eu o desligasse antes de começar.

— Blue é uma ótima pessoa. Gostou de conhecê-la?

Fiquei em silêncio. Não queria mentir, mas também não queria dizer a verdade. Não ali, diante de alguém que me via como o porto seguro do seu bem mais precioso. Se ela me olhasse como uma ameaça, isso me destruiria.

— Não faz o meu estilo — respondi, por fim. — Mas ainda é cedo pra dizer. Foi só uma conversa amena.

Ela sorriu de canto.

— Quando conheci o Simon, ele estava noivo de outra mulher. Fiz algumas péssimas escolhas… e não me arrependo de nenhuma. — fez uma pausa e olhou para o copo, como quem revisita um passado distante. — Hoje, olhando para a Syara, agradeço por ela não ser parecida comigo. Não quero que seja. Eu tenho sombras demais. E por ela ter você por perto, fico tranquila. Sei que vai cuidar dela até ficarem velhinhos.

— Mas eu vou casar! — retruquei, meio brincando, meio sério. — Como é que eu cuido das duas?

— Vai mesmo? — deu um gole único, esvaziando a taça. — Sinceramente, não te imagino casado. Mas, se um dia tomar essa decisão, prometo cuidar da Syara.

Dois toques na porta desviaram nossa atenção. Tio Simon entrou, segurando uma meia garrafa de vinho.

— Sobre o quê tanto conversam? — perguntou, servindo mais na taça da esposa.

— Acho que o nosso presente de Deus vai se casar. — disse ela, olhando-me, provavelmente à procura de uma reação.

— Já se decidiu? — o tio arqueou as sobrancelhas. — Tão cedo assim?

— Não. Ainda não sei se ela é mesmo a ideal. Foi só uma conversa. — sorri de leve. — Mas que história é essa de “presente”?

Os dois trocaram um olhar cúmplice. Tia Adriana passou a mão pela minha cabeça e beijou-a.

— Só engravidei depois de você profetizar. És o meu santo padroeiro, Nolan. Tinhas acabado de completar cinco anos quando apareceu com um brinquedo de menina. Disse que era da princesa Oregon… — ela riu, entre lágrimas. — Eu não sabia, mas já estava grávida.

— Lembro bem. — completou Simon. — Quando desmaiou, pensei que fosse só cansaço. No hospital, soubemos que ela já estava com três meses.

— Sempre fui muito magra, por isso a barriga não aparecia. Achei que fosse só o estresse do trabalho. Mas quando ela nasceu, você virou o nosso porto seguro. Sempre ali, cuidando dela, sendo mais do que um irmão. — respirou fundo. — Seja qual for a tua decisão agora, Nolan… queremos que penses mais em ti.

— O que querem dizer com isso? — perguntei, confuso. Sabia que aquele discurso vinha com algo mais.

Simon respirou fundo, cruzando o olhar com o dela.

— Achamos melhor nos mudarmos. E levaremos a Syara conosco.

Por um instante, o tempo parou. O som deles falando desapareceu. Vi os lábios se mexendo, mas a mente recusava-se a processar. Só aquelas últimas palavras ecoavam.

— Nolan! — chamou o tio, trazendo-me de volta. — Obrigado por proteger o nosso mundo. Fizeste muito bem o teu trabalho.

Assenti.

Vi os dois saírem de mãos dadas, sorrindo. Quando a porta se fechou, senti o raciocínio se dissolver junto com ela.

Só uma frase martelava dentro de mim:

“Ela não pode — nem deve — ficar longe de mim. NUNCA.”

Desci as escadas com o coração martelando no peito. Cada passo parecia mais pesado — como se o chão me puxasse para baixo. O ar era denso, e a casa, que até então me parecia familiar, agora me apertava o peito.

Caminhei até a piscina. As vozes misturavam-se ao som da água, mas soavam distantes. Dentro da minha cabeça, só havia ruído.

“Não é o momento pra escândalos… talvez eu deva pegar a Syara e sumir daqui antes que a levem pra algum lugar onde eu não esteja.”

Quando me aproximei, meu pai virou-se para mim com um sorriso leve e me incluiu na conversa.

— O que achas, filho?

— O quê? — perguntei, sem entender direito. Minha mente não acompanhava o corpo. Eu estava ali, mas não estava. Tudo em mim era instável, confuso. Um passo antes de explodir.

— Achas que deveríamos casar a Syara com o teu primo, Max.

O som da voz dele cortou o ar como uma lâmina.

Silêncio.

Um silêncio tão pesado que doía.

Senti o sangue subir. Minhas mãos se fecharam num punho, tão forte, que as unhas começaram a cravar na pele. A respiração acelerou.

As palavras queriam sair — venenosas, afiadas — mas ficaram presas na garganta.

E então, o que escapou… foi uma risada.

Alta. Seca. Descontrolada.

Todos pararam e olharam pra mim. O silêncio deles foi o combustível da minha raiva.

— Nem pensar. — disse, a voz rouca, trincada de fúria. — Eu acabo com a existência dele antes que ouse pisar aqui.

O ar pareceu se partir ao meio. Senti o corpo vibrar, como se estivesse há vinte anos guardando aquela explosão. Ou talvez fosse só o medo de perdê-la — de perdê-la de vez — que me fez perder o resto também.

— Esqueçam essa ideia idiota de casamento. — Olhei direto para Blue, e as palavras saíram cortantes. — Eu não vou me casar com você. Sinto muito por ter vindo aqui à toa.

Procurei Syara com os olhos. Quando a vi, avancei, segurei-a pelos braços e puxei-a contra mim.

— Vamos embora. — murmurei, entre os dentes.

E saímos.

Os olhares ficaram para trás, mas o peso deles ainda queimava nas minhas costas.

Não olhei pra ninguém.

Nem pra trás.

Nossos pais vieram logo atrás.

— O que você acha que está fazendo, Nolan? — ouvi a voz do meu pai, firme, quase autoritária.

Syara segurou meu braço, tentando me fazer parar. O olhar dela pedia explicações, e a decepção nos traços era tão nítida que doeu mais que qualquer palavra.

— Essa ideia de casamento já foi longe demais! — soltei, ainda tomado pela raiva. A voz saiu mais alta do que eu pretendia.

Nem eu me reconhecia.

Nunca falei assim com ninguém. Sempre fui o filho calmo, o rapaz respeitoso.

Mas hoje… cutucaram a minha ferida duas vezes.

— Então é isso? — a voz de Syara cortou o ar. — Ela estava aqui pra falar sobre o noivado? Sério?

O sarcasmo dela me queimou a pele. Eu merecia.

Não era pra ela descobrir assim — não desse jeito, não nesse momento.

— Agora não, Syara. — pedi, tentando manter a voz firme. — Depois eu explico.

— Filho, o que está acontecendo com você? — perguntou meu pai.

— Nada! — respondi rápido demais. — Só não quero insistir nessa ideia absurda. Podemos continuar como sempre fomos?

Virei-me para o tio Simon, encarando-o.

— Eu vou cuidar da Syara o resto da minha vida. E, se for preciso, não me caso com ninguém. Mas ela não vai a lugar nenhum.

— Mas, Nolan… — tentou intervir tia Adriana.

— Eu também não me vejo casado, tia. — interrompi, a voz ainda trêmula de emoção. — Não se preocupem. Eu cuido dela. E de mim. Eu dou conta.

Peguei as chaves do carro, respirei fundo e olhei uma última vez para todos.

A tensão podia ser cortada com uma faca.

— Vamos, Syara.

Saímos.

O som da porta do carro batendo ecoou alto demais, quase como um ponto final.

Mas dentro de mim, nada tinha terminado.

Não era opção ficar longe dela.

Nem hoje.

Nem nunca.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App