Limpei as lágrimas que insistiam em escorrer pelo meu rosto com as costas das mãos trêmulas. Cada movimento era difícil, especialmente por causa do gesso que envolvia meu pé, limitando meus passos, me lembrando da dor e da pressa com que eu tentava escapar. Mesmo assim, me forcei a levantar da cama. Não podia mais ficar ali. Permanecer naquele apartamento, onde dividia a vida com minha melhor amiga Julia, era como assinar sua sentença. Se Othon estava me procurando - e agora eu sabia que estava - ela também corria perigo.Com determinação, comecei a recolher minhas coisas pelo quarto. Cada peça de roupa que eu dobrava, cada objeto que guardava, era um lembrete silencioso do quanto minha vida havia mudado. Do quanto eu estava fugindo. Em uma pequena bolsa, coloquei o pouco que tinha: roupas, documentos, e o que restava dos meus sonhos.Escolhi uma roupa prática e sentei-me por um instante na beirada da cama, sentindo o peso da decisão que tomava. Fechei os olhos e deixei que minha ment
Eu estava na sala escura, envolto pelas sombras que se estendiam até o teto, observando o movimento suave da noite através da grande janela de vidro. Usava apenas uma bermuda larga, e segurava um copo de bebida entre os dedos, embora minha atenção estivesse a quilômetros dali. O líquido no copo mal se movia, assim como eu. Estava imóvel, afundado em meus pensamentos - e todos eles tinham nome: Alice.A lembrança do acidente que a deixara com o pé imobilizado ainda pesava como chumbo sobre meus ombros. Eu me sentia culpado. Aquilo não deveria ter acontecido. E mesmo sem provas concretas, sabia, lá no fundo, que de alguma forma, havia sido por minha causa. Meus sentimentos por ela eram um emaranhado confuso de culpa, remorso, raiva - e uma culpa ainda maior por querer usá-la como parte de um jogo que nunca mereceu jogar.Enquanto olhava para o vazio, sentia o remorso me dilacerar por dentro. Cada batida do meu coração parecia ecoar dentro de um labirinto de escolhas erradas. Alice era u
AliceAinda tento entender como minha vida virou um completo caos da noite para o dia. Descobri que meu pai era um assassino. Descobri que eu estava prometida a um lunático. Fugi. Cruzei fronteiras, me escondi, e vim parar em Londres - uma cidade que parecia ser minha última chance de liberdade. E foi aqui que conheci pessoas que, sem querer, começaram a mudar completamente o rumo da minha história.A dor de ter saído de casa daquela maneira ainda latejava dentro de mim. Eu só conseguia pensar em Julia. Com certeza, ela estava preocupada. Talvez magoada. Tudo o que eu mais queria era abraçá-la forte, dizer o quanto sua amizade foi meu porto seguro desde o primeiro dia. Mas eu sabia como Julia era - determinada, impulsiva, teimosa. E se eu tivesse tentado explicar meus planos, ela não teria aceitado. Pior: poderiam usá-la contra mim. Qualquer pessoa que se aproximasse demais poderia ser usada para me alcançar. E essa possibilidade me atormentava.Por isso, deixei apenas o silêncio e a
- Meu destino foi selado pelas decisões do meu pai... - murmurei. - Não gosto nem de chamá-lo assim.- Um verdadeiro pai nunca faria o que ele fez com você.Assenti, sentindo os olhos arderem.- Ele destruiu vidas. Me tirou do convento. Me arrastou para um lugar que eu odiava. E agora, a polícia o persegue... espero que um dia ele pague por tudo.- Você sabe alguma coisa sobre o que ele fez?Suspirei. O assunto era delicado demais.- Apenas o que minha tia me contou. Na época, eu ainda estava no convento. Não entendo por que ele me quis por perto, se sempre me tratou com tanto desprezo.- Ele vai pagar - Giovanni disse, com uma intensidade que me surpreendeu. Havia raiva em sua voz. Raiva verdadeira.- O problema agora é Othon. Ele tem dinheiro. Comprou meu silêncio. Comprou meu futuro. E agora está comprando minha caçada. É por isso que eu não quero envolver ninguém. Porque quem se aproxima de mim... corre perigo.- Eu não vou permitir que esse homem te toque - disse, pegando minha m
Adam estava sentado em sua sala, um dos cômodos mais discretos da imponente mansão dos Harris. Aquele espaço silencioso, com paredes revestidas em madeira escura e móveis clássicos, era seu refúgio desde que fora transferido para ali. Embora a decoração fosse refinada, refletindo a riqueza da família, a atmosfera carregava o peso invisível dos segredos e das dores acumuladas com o tempo.Os olhos de Adam percorriam distraidamente os detalhes do ambiente: o brilho discreto da lareira apagada, a biblioteca de volumes antigos, a poltrona onde tantas vezes havia adormecido de exaustão. Mas sua mente estava longe dali - mergulhada em lembranças que preferia esquecer.Lembrava-se com nitidez do dia em que tudo começou.Henry Harris, o tio de Giovanni, o havia convocado com urgência. Adam jamais se esqueceria do olhar de Henry naquela tarde - cansado, preocupado, marcado por anos de perdas. Giovanni, então com pouco mais de vinte anos, estava trancado no quarto do segundo andar, entre a vida
AliceEu estava tão perdida naquele país desconhecido que mal conseguia compreender como tudo tinha acontecido tão depressa. O calor úmido e tropical abraçava minha pele quando o jatinho pousou, e a ansiedade se espalhou pelo meu corpo como um incêndio. Ainda me perguntava como Giovanni - um homem que mal me conhecia - estava se sacrificando tanto por mim. Como ele poderia, de fato, resolver o caos que era minha vida?O trajeto de carro até a casa foi como cruzar uma pintura viva. A estrada era cercada por uma vegetação exuberante, com palmeiras que se curvavam suavemente com o vento quente. A paisagem parecia saída de um cartão-postal: o verde intenso das árvores, o céu de um azul vibrante, as cores vivas das flores tropicais balançando ao ritmo da brisa. Eu assistia tudo em silêncio, pela janela, sentindo que estava sonhando acordada - um sonho onde o desconhecido, por mais assustador que fosse, também era bonito.Quando finalmente chegamos à propriedade de Giovanni, um arrepio perc
Naquela tarde dourada, envolta pela luz morna do sol na ilha grega, Giovanni e Alice caminhavam lado a lado pela areia fina, com o som suave das ondas quebrando ao fundo como uma canção de fundo. O cenário era paradisíaco - o mar translúcido refletia tons de esmeralda e azul, enquanto o céu limpo começava a tingir-se com as cores do entardecer. Era difícil imaginar que, por trás daquele paraíso, havia tanto peso, tantas histórias não ditas.Giovanni mantinha o olhar firme no horizonte, mas por dentro, seus pensamentos fervilhavam. A beleza serena de Alice contrastava com as lembranças sombrias que ele carregava - lembranças que o haviam transformado no homem que era agora. Estava ali para protegê-la. Para esconder Alice dos homens que a queriam de volta, dos fantasmas que rondavam seu passado. Mas, a cada passo ao lado dela, seu propósito inicial começava a desmoronar. Não era mais apenas sobre protegê-la... era sobre estar com ela.Alice, por sua vez, sentia-se acolhida de um jeito q
Alice permanecia à beira da janela, observando o jardim mergulhado em sombras que dançavam sob o brilho prateado da lua. O vento morno da noite acariciava as folhas das palmeiras, balançando-as suavemente como se sussurrassem segredos antigos. Lá fora, tudo parecia em paz, mas por dentro dela, era um campo de batalha.O peso das decisões que precisava tomar era esmagador, como se cada pensamento a empurrasse mais fundo em uma encruzilhada. Os murmúrios abafados vindos da sala ao lado, onde Giovanni conversava com um homem que ela ainda não conhecia bem, só aumentavam sua inquietação. A indecisão queimava por dentro - e o medo de ser deixada à margem do próprio destino era maior que qualquer outra coisa.Seus pensamentos a arrastaram de volta àquele dia em que tudo começou. O primeiro encontro com Giovanni ainda parecia um borrão, envolto em tensão, adrenalina e surpresa. E, desde então, ela fora empurrada para dentro de um redemoinho de eventos que mal conseguia compreender. Mesmo ass