Ele me olhou fixamente e, sem dizer nada, soltou a algema. O alívio foi imediato; minhas mãos livres de novo. Peguei minhas coisas às pressas, pronta para sair, mas antes arrisquei:
— Tá tudo bem? Você fica bem só?
— Eu te soltei justamente pra isso. Vai embora antes que eu mude de ideia. Por tua causa, quase perdi tudo que já fiz pra acabar com esse maldito casamento.
— Perdão, achei que podia ajudar…
— Não, você não pode. Você é ladra, não garota de programa. A não ser que queira trocar de profissão agora.
Arregalei os olhos, ofendida. Ele me comparando àquela esposa traidora só porque era rico?
— Eu prometo devolver seu dinheiro assim que o dono do prédio me pagar. Eu fiz por um motivo, não sou ladra.
Ele riu, irônico:
— Talvez encontre alguém que precise mais que eu. Agora sai, o dono quer ficar sozinho.
Ah! Então ele era o dono. Metido e bêbado!
— Tenha um bom dia, seu bêbado asqueroso.
Saí, e ele ainda gritou feito criança:
— Volta aqui!
Não voltei. Só pensava em Rafael. Será que já tinha comido?
Cheguei exausta. Tudo que queria era cochilar, mas as faturas chegaram, um calhamaço de dívidas maior que a própria dívida. Suspirei e entrei. Rafael assistia TV enquanto fazia os deveres.
— E aí, Rafa? Por que não comeu seu hambúrguer?
— Estou esperando você. Onde está o seu?
— Já comi no caminho. Não podia mexer no seu.
— Você está falando a verdade?
— Claro.
— Porque os pais às vezes mentem pros filhos. E você é como minha mãe.
Sorri, engoli seco. — Não estou mentindo. Come logo.
Observei-o mastigar devagar. Quis tocar seu rosto, mas ele nunca deixa.
— Rafa, posso te dar um beijo?
— Sim, mas rápido. Preciso conversar com meu gravador. A professora pediu.
Eu ainda lia as contas quando bateram na porta. Era a polícia.
— Maria Christine Gabriel? Precisa nos acompanhar.
Rafael apareceu atrás de mim, já desconfiado. Ele detesta barulho e visitas fora de hora.
— Só deixa eu me despedir do meu irmão. E, por favor, desliguem as sirenes. Ele é autista.
Ignoraram meus pedidos, me algemaram diante dele.
— Rafa! — gritei enquanto Donna o agarrava, tentando acalmá-lo. — Cuida dele, Donna! Eu prometo que volto!
*Atualidade…
Pois é, gente. Viram no que deu? Só me resta aceitar. Por mais que doa, que me suje, não tenho escolha.
— Tá bom. Eu aceito o negócio. Mas como ter certeza de que vocês vão cumprir?
— Não tenha. Mas eu vou. Tirarei seu irmão de lá, ele ficará conosco até acharmos colégio decente. Joaquim?
— Eu cuido dela. Você, do irmão. Pago a fiança e levo a moça pro casarão.
— Eu tiro essa imagem de você, Christine.
— Como?
— Você verá. — E saiu, deixando o guarda me levar.
Ele, abusado, ainda deu um tapa na minha bunda.
— Que bela bunda!
— Escroto! — chutei seus testículos com raiva.
É isso que me espera agora? Vender minha virgindade sem nunca ter sonhado com isso? Minha “preciosidade” entregue de bandeja?
Poucos minutos depois, chamaram meu nome. Saí da cela sob os olhares invejosos das outras. Quase abracei a tal de Irma quando vi a liberdade, mas contive-me: ela quer me fazer prostituta, e isso não é coisa de agradecer.
— Ah! — suspirei ao respirar o ar de fora. Só que a vida, cá entre nós, cheira tão mal quanto lá dentro.
Ela ainda me esbofeteou com a proposta. Doeu mais que tapa.
Mas o que fazer? Já entrei nisso. Que a Virgem Santa me acompanhe e me guarde.