Miguel desacelerou ao ver as duas mulheres conversando. Seu olhar encontrou o de Laura, e por um milésimo de segundo, ele pareceu em choque.
— Amor, essa é a Laura. — Helena sorriu, fazendo um gesto para ele. Amor. A palavra atingiu Laura como um soco, parecia que o mundo havia parado. Miguel hesitou antes de se aproximar, a expressão cuidadosamente neutra. Quando ele parou ao lado de Helena, ela pegou a mão dele e sorriu para Laura. — Este é meu noivo, Miguel. Laura sentiu o ar fugir de seus pulmões. “Isso não está acontecendo!” Ela engoliu em seco, lutando para manter a compostura. — Miguel, ela é a organizadora do nosso casamento. Não é incrível o que ela fez com a decoração? E o mais impressionante é que, além de tudo, ela é uma pessoa super simpática e atenciosa. — Helena piscou para Laura, com um sorriso de aprovação. — Sim… já nos conhecemos. — A voz de Miguel estava estranhamente contida. Helena olhou de um para o outro, surpresa. — Sério? Como? Laura se antecipou em responder, antes que o momento ficasse ainda mais estranho. — Por acaso, mais cedo. — respondeu Laura, forçando um sorriso que mal disfarçava o tumulto dentro dela. — Foi um encontro bem rápido. — ela evitou o olhar incrédulo de Miguel. — Que coincidência engraçada, não é? — riu Helena, despreocupada, enquanto olhava para Miguel, que ainda encarava Laura. — Bem, vou deixar vocês terminarem o que precisam aqui, Laura. Ainda preciso resolver algumas coisas com minha mãe. Ela deu um selinho em Miguel e saiu, deixando-os sozinhos no salão. Miguel cruzou os braços, seu olhar era fixo e penetrante. — Então… você é organizadora de casamentos. — A sobrancelha arqueada dava um ar provocativo. — E você, o noivo. — Laura respondeu igualmente tensa. Um silêncio pesado pairou entre eles. Ele a olhou, parecendo querer dizer algo, mas desistiu. — Acho melhor eu voltar ao trabalho. — Laura rompeu o silêncio, a voz firme, embora sentisse o coração martelando no peito. Sem esperar resposta, virou-se e voltou ao que estava fazendo, sentindo o olhar dele em suas costas. Ela não sabia como aguentaria os próximos dias. O salão principal estava deslumbrante naquela noite. As mesas estavam impecavelmente decoradas com arranjos de flores tropicais e velas que lançavam um brilho suave. Ao fundo, o som de um quarteto de cordas preenchia o ambiente, dando um ar de sofisticação à celebração. Laura estava posicionada estrategicamente perto da entrada, observando tudo enquanto tentava, inutilmente, ignorar o nó apertado em seu estômago. No centro do salão, Miguel e Helena atraíam as atenções dos convidados. Laura os observava furtivamente, evitando encará-los demais. Helena encantava com seu riso fácil e modos suaves, quase ensaiados. No entanto, mesmo à distância, Laura percebeu algo sutil em seu comportamento. Sempre que o pai de Helena se aproximava e dizia algo, ela sorria receptiva, mas sua expressão denunciava um desconforto que não conseguia esconder. Miguel parecia confortável ao lado dela. Sorria com naturalidade, e ouvia pacientemente cada história exagerada e interminável dos convidados. Laura se convenceu de que ele estava feliz, que aquele papel de noivo dedicado era autêntico. Miguel havia superado o passado e encontrado um lugar seguro. Mas, ao contrário do que esperava, isso não lhe trouxe consolo. Enquanto observava os dois, Laura não deixou de refletir sobre a transformação de Miguel. Ele parecia mais contido, mais calculado, uma versão muito diferente do homem cheio de energia e ideias, que falava com brilho nos olhos sobre seus projetos de criar aplicativos e desenvolver jogos que conectassem mundos e pessoas. Era estranho imaginar que ele havia se tornado um analista de dados, em uma das maiores empresas de logística e automação do Nordeste. Laura balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos. Não era justo ficar julgando quem ele tinha se tornado nos últimos anos. Afinal, todos mudavam. Inclusive ela. Entre observar os noivos, e fingir checar os detalhes do evento na prancheta, sua mente inquieta girava em torno de memórias que ela não queria acessar. Então, sentindo o peso de um olhar sobre si, levantou os olhos e encontrou os de Miguel. Ele continuava sentado ao lado da noiva, mas sua expressão tensa denunciava que também travava uma batalha interna. O contato durou apenas um minuto antes que ele voltasse a atenção para Helena. O coração de Laura disparou. Tentou focar nos movimentos dos garçons que circulavam pelo salão, mas sentia que os olhares furtivos de Miguel retornavam para ela de tempos em tempos. Era quase imperceptível, mas ela sabia. Helena, alheia ao tumulto interno dos dois, ora conversava animadamente com os convidados, ora se inclinava para cochichar ao ouvido de Miguel, e ele sorria em resposta, o que confirmava que eles estavam apaixonados e em perfeita sintonia. A música mudou para algo mais suave, Helena e Miguel foram até a pista, e alguns convidados também se levantaram para dançar. Laura mordeu o lábio ao vê-los dançando tão próximos, com uma cumplicidade natural. Ela desviou o olhar do casal, sentindo o peito apertar. Precisava sair dali, longe da visão deles juntos. Precisava de um momento para calar o turbilhão de sentimentos e recuperar o controle. Sabia que sua equipe estava bem coordenada e fazia um excelente trabalho; o mundo não desmoronaria sem ela por alguns minutos.