O campo de treinamento ficava para trás, e com ele, o som seco dos golpes, a poeira ainda suspensa no ar e os olhares carregados de julgamento. Meus passos estavam pesados, como se cada pegada cavasse mais fundo o chão do que deveria. Não era só cansaço físico. Era algo maior, mais profundo. Um peso invisível me curvava os ombros, e cada respiração parecia um esforço para conter algo que se expandia dentro de mim. Eu havia quase matado Callie. E o pior… uma parte de mim quis.O medo não era mais dos outros. Era meu. Do que eu era. Do que podia ser. Do que ainda não sabia que poderia se manifestar em mim. A força desmedida, o impulso irracional, o desejo cruel de ver alguém silenciado para sempre, não era apenas meu lycan. Era algo mais. Algo que eu não sabia nomear. Algo que ninguém sabia.“Se eu perder o controle, não serei uma ameaça só para Northshore,” pensei, enquanto atravessava o campo acompanhando o rio que corria nos dominios externos do castelo; buscando ar, espaço, silênci
CyrusO crepúsculo se erguia como um presságio silencioso e vibrante, no rubor do horizonte, tingindo os céus de Northshore com tons sangrentos. Havia algo inquietante naquele entardecer. As nuvens densas, embora quietas, pareciam conter segredos prestes a se libertarem. De pé, junto à janela do meu escritório, com um taça de ouro contendo licor repousando entre meus dedos, senti o chamado da noite. Não seria uma noite comum.Era a lua de sangue.Hoje, o ritual se completaria. Ravena e eu... nos uniríamos sob o comando de uma profecia que transcendia nosso tempo. E se as bruxas soubessem disso, fariam o inferno se erguer sob nossos pés para impedir.Fechei os olhos, sentindo Aero se agitar dentro de mim. O meu espectro, meu poder ancestral. Ele estava inquieto, impaciente. Desde a noite anterior, Ravena havia mudado, novamente. Seus olhos carregavam uma febre nova, um brilho agressivo. Como se sua alma tivesse sido banhada em tempestade. Estava em um cio diferente. Um que misturava l
MarcelDentro da masmorra do poço, o tempo não existe mais aqui.Não sei dizer há quantos dias, ou semanas, estou neste buraco fétido que os vampiros chamam de cela. O ar é espesso, pútrido, encharcado de umidade e dor. E mesmo envolto em pedra, aço e feitiços, o que me consome não são as correntes que me mantêm preso. É o que vejo quando fecho os olhos.Ravena.Ela me queima por dentro, de amor, de desejo e de remorso. Eu não consigo mais imaginar o seu perdão. Não mais. Agora só vejo seu desprezo.Depois de tanto tempo atormentado pelas almas executadas nesse lugar, voltei a realidade depois de vários dias. Hoje, senti. Pela primeira vez, eu senti. Algo muito além do normal. Era como se meu corpo se dobrasse em dois diante de um prazer alheio, selvagem e antigo.Ela estava fazendo amor. Não comigo. Nunca foi comigo.O corpo dela vibrava em êxtase com outro. Eu vi. Não sei como e não sei por que, mas eu vi. Talvez essa fosse mais uma forma de me punir pelo que fiz. Mas as imagens des
RavenaO sol nascia diante de mim, como uma chama sagrada que atravessava o horizonte com sua luz alaranjada e vibrante. A brisa suave soprava do leste, carregando o perfume das rosas rubro silvestres que ainda floriam nas bordas do mirante.Era o mesmo lugar onde Cyrus e eu havíamos nos unido sob a lua de sangue. Dois dias haviam se passado, mas o sabor daquela noite ainda dançava em minha pele, como se estivesse gravado em minha essência.Eu estava nua. De pé. Os pés descalços tocavam as pedras mornas da sacada encharcada de orvalho. O vento brincava com meus cabelos como dedos invisíveis. E eu murmurava.Palavras que não compreendia.Sílabas carregadas de um idioma antigo, místico. Uma melodia surda que saía de minha boca sem minha permissão, como se alguém, ou algo, falasse através de mim.— Et d'lahara'k vos, en'thala riin...— sussurrei, os olhos fixos na linha do sol que se ergueu completamente agora, tingindo o mundo com o dourado dos deuses.— O que está murmurando para o sol,
MercedesA manhã ainda estava fresca quando saí do castelo com Ravena. O vento batia suave contra meu rosto, trazendo o perfume das flores que nasciam ao redor das muralhas de Northshore. Ravena estava estranhamente falante, seus olhos dançavam com aquele brilho novo, esfuziante, como se agora fosse mais que uma lupina, mais que fêmea... como se a profecia já pulsasse dentro dela. E talvez estivesse mesmo.— Dois — murmurei, segurando minhas mãos sobre o ventre ainda liso. Minhas runas brilhavam em azul quando a magia percorreu minhas veias. — Eu sinto dois filhotes. E são fortes, magestade. Como nunca vi.Ela sorriu, surpresa e orgulhosa. Havia um quê de reverência naquele sorriso, como se o universo finalmente a reconhecesse como rainha e mãe do novo tempo. Ravena não se parecia em nada com aquela criatura quebrada e destruída que chegou. A escrava sexual de um beta cruel, e objeto dos demais lobos. Agora ela irradiava força, e...poder. Ela era a verdadeira rainha de uma raça que
Empregada Antes do dia clarear eu já estava na casa da alcatéia. Precisava ajudar a preparar o café da manhã de todos, e hoje eu sabia que as coisas seriam ainda mais difíceis, por causa dos convidados. A cozinheira gritava com todos, a cozinha estava quente e cheia de fumaça. Alguém tinha queimado alguma coisa. Encarregada de preparar o bacon e os ovos, eu me concentrei no que fazia ignorando todos, como eles faziam comigo. - Ei, você, escrava. – gritou a cozinheira. – Largue isso. O Alfa te convocou ao salão de jogos. Um arrepio sinistro percorreu minha espinha. Da última vez que estive naquele lugar, Alexander quase não me deixou sair viva. Ele me amarrou nua de cabeça para baixo, e rebateu bolas de beisebol contra o meu corpo, como se isso não bastasse, o alfa chamou Marcel e ordenou que ele me desse uma surra por não ser uma boa diversão. Caminhei na direção da sala de jogos tremendo, eu ainda estava muito machucada do dia anterior. Talvez esse fosse meu fim. Bati e es
Não sei por quanto tempo fiquei amarrada naquela mesa, coberta de esperma, sangue e suor. Marcel mantinha seu olhar sobre mim, pronto para recomeçar aquela tortura.Percebi há muito tempo que ele tinha prazer somente no meu sofrimento, isso o excitava demais. - Eu vou te partir ao meio, minha coisinha safada. – meu companheiro me disse enquanto soltava as cordas que prendiam meus tornozelos. Fui puxada para a beirada da mesa de bilhar. Mas de repente alguém bateu na porta, interrompendo a todos. O alfa vestiu suas calças e caminhou até lá. Marcel se vestiu rapidamente, ligando seu link mental com os guardas. - Estamos sob ataque meu alfa! Alguma coisa está dizimando a alcateia! – um dos guardas gritou. O silêncio pairou sobre a sala, podia sentir que eles estavam se preparando para contra atacar. Afinal de contas, eram todos alfas, os mais poderosos dos territórios vizinhos. Um calafrio percorreu meu corpo febril, senti como se algo gelado tomasse conta da sala. Meu corpo enrij
Minha consciência ia e vinha, se perdendo no que aconteceu e temendo encontrar o monstro de olhos vermelhos. Revivi memórias dos dias anteriores em que eu caminhava em direção ao escritório da alcatéia segurando uma bandeja de bebidas com toda a minha força.Sentia que poderia desabar a qualquer momento, mesmo assim tentava fazer o meu trabalho para que nada desse errado. Por que se isso acontecesse seria o meu fim. - Sirva e saia, sua coisa imunda. – a voz autoritária do alfa Alexander ressoou pela sala. Deixei cada copo de bebida na frente de cada convidado, alguns deles não disfarçavam sua devassidão e me tocavam, enfiando a mão por baixo do meu vestido gasto. O conselho das matilhas começou, e eu saí o mais rápido que pude daquela sala. Quanto mais tempo ficava perto deles, mais chances teria de ser um alvo. Fechei a porta atrás de mim, com um suspiro silencioso. - O que está fazendo aí parada, seu pedaço de merda inútil?! – abaixei a cabeça imediata