CyrusO cheiro de ferro pairava no ar.A manhã era de um cinza lívido, e as ameias do castelo de Northshore se afogavam em brumas pesadas, como se a própria natureza pressentisse o que estava por vir. Eu estava parado diante do vitral da torre leste, observando a neblina se desdobrar sobre a floresta abaixo, quando senti. A marca.Não era qualquer vínculo. Não era um acasalamento por escolha, ou um selo mágico entre aliados. Era um elo de companheiros destinados.François.Fechei os olhos, sentindo o peso daquela revelação bater contra minha consciência como uma rajada de vento glacial. A mente dele tocou a minha, como se soubesse que eu havia percebido. Abri o canal mental entre nós com firmeza, sem sequer disfarçar a tensão na minha voz:— Você marcou alguém. — Minha mente bradou no silêncio absoluto da ligação. – Espero que eu esteja errado, e não seja Mercedes.Do outro lado, o general não hesitou. Sua resposta foi crua, firme e honesta.— Ela é minha companheira, Cyrus. Mercedes
Avisei Nathaniel e os sombras sobre nosso afastamento. Eu precisava falar com minha companheira a sós. Galopamos até o alto do penhasco de Varghast, o ponto mais alto da região, onde era possível ver o mar de árvores que compunham o coração do território. O vento aqui era feroz, mas límpido.- Cyrus? – ela chamou. – Por que nos afastamos dos outros? – ela perguntou, preocupada.— Ravena. — Desci do cavalo, estendendo a mão para ajudá-la. Ela a pegou, relutante.— O que foi? — sua voz soava desconfiada, mas doce e suave.Levei-a até a beirada do penhasco. As árvores salpicadas de branco, dançavam como sombras sob nossos pés. Os picos nevados das montanhas e a longínqua barreira me fizeram prender o fôlego por um instante.— Preciso que saiba de uma coisa. Algo que não era relevante, mas agora acabou se tornando importante. Independente do que eu diga, você precisa se lembrar que somos companheiros, e isso é imutável, e nada ficará entre nós.Ela cruzou os braços. Defensiva. Seus olhos
Continuamos seguindo o rastro de Ravena, ela havia parado em um antigo altar druida, onde a lua vazava por entre as copas das árvores como uma lâmina de prata. Ela arfava, parcialmente transformada, transmutando entre um ser e outro, os olhos completamente carmesins, os dedos com garras parcialmente expostas, o peito arfando em ondas de ódio e mágoa.— Fique longe de mim! — ela rugiu ao vê-lo se aproximar.— Ravena, ouça-me!— Por que agora?! Por que me contar isso agora, Cyrus? — O meu nome saiu como um açoite de sua boca, um insulto. — Você não me devia explicações? Ou pensou que eu seria tao idiota que não me importaria com isso? Que eu ficaria feliz em saber que o meu companheiro gosta de orgias depravadas tanto quanto aqueles alfas!Eu parei, a alguns metros de distância, cauteloso como se ela estivesse prestes a saltar, e de fato era. Mas mais que isso, era minha companheira, e o vínculo entre eles agora vibrava em dor, ressonante, quase insuportável.— Eu devia, sim — ele disse
RavenaMeus olhos mal conseguiam se manter abertos. Cada músculo do meu corpo doía, como se eu tivesse sido sugada para fora de mim mesma e moldada outra vez com fogo e gelo. Era como se algo antigo tivesse me rasgado por dentro… e deixado parte de si no meu lugar.Os braços de Cyrus me envolviam com firmeza, carregando-me para fora das ruínas. O corpo dele, totalmente vestido contrastava com o frio sobrenatural que impregnava minha pele nua. A floresta ao redor parecia sussurrar, os galhos das árvores vergando-se como se me reverenciassem… ou me temessem.— Ravena — a voz de Cyrus soou baixa, grave, quase cautelosa. — Você sabe o que aconteceu lá dentro?Virei o rosto lentamente em direção ao dele. Cada palavra que saía da minha boca parecia arrancada do fundo do abismo onde minha alma havia mergulhado.— Não… não exatamente. Mas eu ouvi uma voz… compassada e profunda. Ela veio de dentro de mim. Não era minha… mas era. — Pisquei devagar. A dor atrás dos olhos latejava. — Ela mandou q
CyrusAtrás de nós a sombra translucida de Aero, rosnou em sinal de alerta. Algo se aproximava. Puxei Ravena para mim, ignorando sua pouca resistência, ela também estava em alerta de repente. Um cheiro pútrido cortou a névoa.— Não estamos sozinhos — Aero sussurrou, em sua forma espectral.A floresta começou a pulsar. Ao longe, urros de criaturas que não pertenciam à natureza ecoaram como prenúncio. O grito aterrador de criaturas sombrias. As Fúrias.Ravena se amparou em mim, ainda abalada, mas o instinto lupino falando mais alto. Nesse momento senti o vínculo entre nós selar mais uma camada invisível. Ela estava comigo, apesar de tudo. E isso nos fortalecia.— O que vamos fazer? — Perguntou ela.— Vamos destruí-los. – Respondi, sentindo minha aura se expandir, a medida que Aero e eu nos uníamos, nos preparando para a batalha. – Ravena, você precisa se abrigar no manto de Aero agora. Ela apenas acenou com a cabeça, enquanto Aero e eu a envolvíamos no manto poderoso de meu espectro. E
FrançoisOs relatórios dos Sombras não paravam de chegar, reforçando a força e a quantidade do inimigo que adentrou a barreira; o castelo estava em alerta máximo. Os Sombras Negras haviam relatado movimentações hostis nas bordas da barreira também. Através do espelho místico criado por Amon, da sala de guerra, Cyrus se comunicava com François— Vamos voltar. Precisamos de novas estratégias. As fúrias são infernais. E os lobos conseguem matar vampiros. — Os sombras afirmaram a mesma coisa. — François respondeu. Sua expressão estava dura, o cabelo preso na nuca, o uniforme negro preparado para qualquer batalha. — São aberrações. A magia profana está instável. Ao mesmo tempo que lutam contra nós, eles estão sendo consumidos pela escuridão. Foram alimentados com rituais antigos. As bruxas da Ordem estão por trás disso. E aquela Luna da Lua Negra. Eu disse a você que ela tinha um cheiro estranho. Ela é híbrida, bruxa e loba.— Ela não deve estar longe desse ataque. Acho que ela quer se vi
RavenaO cheiro de fumaça e sangue pairava pesado sobre Northshore, mesmo aqui, no templo antigo onde Cyrus me trouxera para me recuperar, antes de voltarmos ao castelo. A cada respiração, sentia o ar impregnado de morte e magia profana. Meus sentidos, antes embotados pela exaustão, estavam despertando de novo, como garras rompendo a carne frágil da minha antiga vida.Eu não era mais a mesma.Sentada na plataforma de pedra coberta de runas esquecidas, envolta na capa de veludo negro que Cyrus deixara sobre meus ombros, senti a vibração da floresta como uma batida de tambor distante. Algo se aproximava. Algo faminto.Fechei os olhos, tentando me concentrar. Dentro de mim, a força que havia despertado nas ruínas ainda palpitava, selvagem e descontrolada. Era como tentar conter o mar com as mãos.As portas do templo rangeram, e eu soube que era ele antes mesmo de abrir os olhos.Cyrus.Seu cheiro, sangue, madeira queimada e gelo, preencheu o ambiente antes que sua voz soasse.— Ravena.
A floresta se calou de repente.Um silêncio espesso, antinatural, caiu sobre nós como uma mortalha. Cyrus parou, as garras enormes envenenadas surgiram, emanando faíscas, o cabo de Palius surgiu nas sombras, os olhos varrendo a névoa adensada. Eu senti, no fundo do meu ser, que aquilo não era um simples ataque.Era algo muito pior.Uma presença faminta. Maléfica, perversa. E tristemente familiar.De dentro da bruma, surgiu Marcel.Ou o que restava dele.Seu corpo era uma caricatura do que já foi. Pele rasgada, veias pulsando com energia escura, os olhos negros como breu e as garras tão longas que arranhavam a terra a cada passo. Uma fumaça pútrida se desprendia de sua carne corrompida. A magia profana fervia ao redor dele como um halo maligno.Um rugido explodiu de sua garganta.Eu não hesitei nem por um segundo. Toda a dor e a revolta voltaram com força total. Meu coração ardia nas chamas da vingança.Laha tomou meu corpo em um fluxo devastador, meus ossos estalando, minha carne se r