Mundo ficciónIniciar sesiónA consciência voltou a mim não como um choque, mas como uma maré lenta e inexorável. Primeiro, foi o peso. Um braço sólido e pesado jogado sobre minha cintura, ancorando-me à realidade. Depois, foi o calor. O calor de um corpo nu contra as minhas costas, uma fornalha humana que afugentara o frio noturno. Por fim, veio a memória. Em flashes vívidos e sensoriais: suas mãos, sua boca, sua voz rouca sussurrando promessas que não eram doces, mas sim perigosas e deliciosas.
Você nunca mais vai conseguir me esquecer.
Um estremecimento percorreu minha espinha, e não foi apenas de prazer. Foi de puro terror.
Mantive os olhos fechados por um longo momento, fingindo para mim mesma que ainda estava adormecida, que aquele era apenas um sonho intenso e passageiro. Mas o cheiro dele estava em toda parte. No travesseiro, nos lençóis, na minha pele. Uma mistura intoxicante de suor, sexo e uma colônia amadeirada que agora estava gravada nos meus sentidos como uma tatuagem invisível.
Respirei fundo, o ar preso nos pulmões, e abri os olhos.
A luz da manhã filtrada pela janela do apartamento de Roma não era dourada e suave. Era clara, crua e impiedosamente real. Iluminava as partículas de poeira dançando no ar e, mais importante, iluminava o homem ao meu lado.
Romeo dormia. Profundamente. Seu rosto, virado para mim, estava relaxado, desprovido daquela intensidade quase feroz que o habitava quando acordado. A franja castanha caía sobre seus olhos fechados, e sua boca, aquela boca que havia me devorado de tantas formas, estava entreaberta, serena. Ele parecia jovem. Inocente. A mentira mais perigosa que um homem como ele poderia contar.
E eu, como uma tola, tinha acreditado nessa mentira por algumas horas.
Eu olhei para ele, para as tatuagens que contornavam seu braço, para a força latente em seus ombros, para a liberdade selvagem que ele exalava mesmo em sono. E soube, com uma certeza que cortou mais fundo que qualquer lâmina, que aquele nunca poderia ser o meu mundo.
O mundo de Romeo era feito de madrugadas sem fim, de palcos iluminados, de estradas abertas e de corpos quentes que se perdiam uns nos outros sem a promessa de um amanhã. Era um mundo sem paredes, sem cercas, sem as gaiolas douradas que eu conhecia tão bem. Era lindo. Era assustador. E era completamente incompatível com a bagunça que era a minha vida.
Eu era um canteiro de ruínas. Um casamento falido que ainda cheirava a poeira e desilusão. Um relacionamento que me esvaziara, deixando para trás uma casca que rangia de tão seca. Eu não tinha nada para oferecer a um homem como ele, a não ser cicatrizes e um coração que aprendera a desconfiar de sua própria batida.
Com um cuidado de ladrão, comecei a me mover. Levantei seu braço, que era surpreendentemente pesado, e o coloquei de volta ao lado dele. Ele resmungou algo ininteligível, virou-se de bruços, mas não acordou.
Deslizei para fora da cama, meus pés encontrando o piso frio.
Quando estive totalmente vestida, me permiti um último olhar. Ele dormia, o rosto enterrado no travesseiro que ainda carregava o formato da minha cabeça. Uma pontada aguda de algo que se parecia muito com saudade, mas que eu sabia ser apenas o luto por uma possibilidade que nunca se realizaria, atravessou meu peito.
Virei-me e saí do quarto, fechando a porta com um clique quase silencioso.
A cobertura era vasta e moderna, com janelas do chão ao teto que mostravam Roma despertando. A luz da manhã banhava tudo, revelando a desordem digna de uma banda de rock: garrafas vazias, instrumentos musicais, casacos jogados sobre sofás caros. Segui o cheiro de café até a cozinha, um ambiente imenso de aço escovado e granito.
E foi lá que a encontrei.
Megan, a baixista. Ela estava sentada em um banco alto na ilha da cozinha, vestindo apenas uma camiseta grande e meias coloridas, com uma xícara de café fumegante entre as mãos. Seus cabelos loiros, cortados num estilo despojado com uma franja que quase escondia seus olhos azuis-claros, brilhavam sob a luz.
Ela me viu e um sorriso pequeno e compreensivo surgiu em seus lábios.
— Bom dia — ela disse, sua voz era mais suave do que eu esperava. — Sobreviveu à noite?
Forçai um sorriso que não alcançou meus olhos.
— De alguma forma.
— Tem café na garrafa. E posso fazer uns ovos, se quiser. — Ela gesticulou com a cabeça em direção à cafeteira.
Abanei a cabeça, cruzando os braços sobre o peito.
— Não, obrigada. Não tenho fome.
Ela não insistiu. Em vez disso, estudou meu rosto, sua curiosidade era tranquila, não intrusiva. Seus olhos azuis pareciam ver muito mais do que eu gostaria.
— Já vai embora?
— Sim — eu respondi, e a palavra saiu mais firme do que eu sentia. — É melhor assim.
Megan inclinou a cabeça, como se avaliasse a veracidade daquela frase.
Ela deslizou do banco.
— Vou te acompanhar até a porta. O sistema de fechadura é uma loucura.
Caminhamos juntas pelo corredor amplo. Ela digitou um código longo no painel eletrônico ao lado da pesada porta de madeira. Um clique eletrônico soou, sinalizando que eu estava livre para ir.
Megan abriu a porta e o som da cidade invadiu o silêncio do apartamento. Os motores de scooters, as vozes distantes, a vida seguindo em frente.
— Cuide-se, Stella — ela disse, seu sorriso era genuíno.
— Obrigada.
E então, saí.
A porta fechou-se atrás de mim com um som final e absoluto. Fiquei parada por um momento no hall do elevador, minha mão ainda formigando com o fantasma do toque dele, meu corpo ainda ecoando com a memória da noite. Meu coração doía, não com a dor aguda de um rompimento, mas com a sensação pesada de ter deixado algo para trás. Algo que, talvez, nunca fosse meu para levar.
Apertei o botão para descer. Enquanto esperava, peguei meu telefone. A tela estava cheia de notificações de um mundo que eu tinha ignorado por quase doze horas. Ignorei todas e liguei para Pietra.
Ela atendeu na segunda chamada, sua voz ainda rouca de sono.
—Stella? Tudo bem? Onde você está?
— Acabei de fugir do cara mais legal que eu já conheci. — eu respondi, simplesmente.
Houve uma pausa do outro lado da linha.
— Certo… e como você está?
Eu senti o impulso de mentir. De dizer que estava uma bagunça, que me arrependera, que tinha cometido um erro colossal. Mas então olhei através da janela do saguão. Lá fora, o sol da manhã banhava as paredes antigas de um prédio, uma moto passava com uma mulher elegantemente vestida, o cheiro de café e pão fresco vinha de um café na esquina. A cidade pulsava. Era caótica, era viva, era real.
— Stella?
Eu inspirei fundo, enchendo os pulmões com o ar de uma nova manhã em um novo país. E, pela primeira vez em anos, talvez pela primeira vez na vida adulta, senti uma sensação estranha e tranquila se instalando no meu peito. Não era felicidade explosiva. Era paz. Uma aceitação profunda.
— Pietra — eu disse, minha voz clara e calma. — Estás no apartamento?
— Não, amore. Ainda estou na casa do Lucca. Por quê? Quer que eu vá te encontrar?
Um sorriso pequeno e genuíno tocou meus lábios. Eu olhei para a rua, para a cidade que não me pedia para ser pequena, que não se importava com meu passado, que me oferecia apenas o presente, cru e sem promessas.
— Não — eu respondi, deixando o sorriso tomar conta da minha voz. —Está tudo bem. Na verdade… acho que finalmente encontrei o lugar do mundo onde eu posso ficar.







