Gabriela Carvalho
Como o prazo do meu livro está cada vez mais perto, começo o dia cedo: levanto, e já começo a organizar meus pensamentos para mergulhar no texto. Enquanto arrumava a cama, penso nos personagens e na trama do meu livro. Precisava definir alguns pontos importantes antes de continuar a escrever. Depois de arrumar tudo, fui para a cozinha preparar um café bem forte e começar o meu dia de trabalho. O silêncio da manhã era perfeito para me concentrar era tudo que eu precisava. Eu me sentei à mesa, abri meu notebook e comecei a digitar. As palavras começaram a fluir finalmente e eu me perdi no mundo da minha história. De repente alguns minutos depois, ouvi um barulho vindo do apartamento ao lado. Tentei me concentrar novamente, mas o barulho estava ficando cada vez mais alto. Parecia que ele estava martelando algo ou derrubando paredes. Eu suspirei e pensei: “Será que ele não pode fazer isso em outro horário?” O som estava começando a me distrair e eu estava perdendo a concentração. Decidi que precisava encontrar uma maneira de me isolar do barulho, senão não conseguiria terminar o meu livro no prazo. Coloquei meus fones de ouvido e comecei a escutar pagode, deixando o ritmo contagiante e as melodias suaves me animar. Sorriso Maroto estava tocando “Caminhos Diferentes” e eu me senti mais leve, pronta para mergulhar na minha história. No entanto, mesmo com a música nos meus ouvidos, o som da reforma do apartamento ao lado estava começando a atrapalhar. O barulho dos martelos e das serras estava se infiltrando nos meus fones, e eu comecei a perder a concentração. Tentei aumentar o volume, mas não adiantou muito. O som da reforma estava se misturando com a música, criando uma cacofonia que estava me deixando louca. Depois de uma hora suspirei e pensei: — A não dá mais! Tirei os fones de ouvido e fechei o notebook, frustrada. O barulho estava me deixando louca e eu não conseguia mais me concentrar. Decidi que precisava falar com o motivo do barulho. Atravessei o corredor e bati na porta do apartamento 309. O barulho parou por um momento e eu ouvi passos se aproximando. A porta se abriu lentamente, revelando o novo vizinho em toda a sua glória. Ele estava sem camisa novamente, e a luz do corredor iluminava seu torso musculoso, onde o suor escorria lentamente, formando pequenas trilhas que pareciam dançar ao longo de seus músculos definidos. A calça jeans justinha acentuava ainda mais aquele caminho incrível que me deixava completamente hipnotizada. — Oi? — ele disse, com um sorriso despreocupado, como se não soubesse o efeito que causava. A voz dele era profunda e relaxante, como uma suave melodia que ecoava no fundo da minha mente. Tento me recompor, mas as palavras pareciam ter se perdido entre a minha frustração anterior e a súbita distração diante daquela visão. — Eu... eu só queria... — comecei, mas as palavras saíram emboladas. Estou tão focada no seu olhar intenso e na forma como ele se apoiava na porta que me perdi completamente. Ele arqueou uma sobrancelha, divertido com a minha gagueira. — Precisa de algo? — ele pergunta, ainda com aquele sorriso que desarmava qualquer resistência. E ali estou, no corredor, tentando encontrar uma resposta para a pergunta mais simples do mundo enquanto meu cérebro parecia ter entrado em modo de câmera lenta, capturando cada detalhe daquela cena — O que está acontecendo aqui? Olho para dentro meu Deus parece uma zona de guerra. — Uma reforma não está vendo? — penso comigo, que ele acha que eu sou alguma palhaçada de circo só pode. — Olha eu preciso de silêncio para trabalhar, e você está realmente me atrapalhando com toda esse barulho de martelo e cerra. Quando ele começou a rir da minha cara, dizendo que eu queria que ele fizesse a reforma em silêncio, me esqueci do tanquinho sarado à minha frente. Mas quando o apelido “docinho” saiu da sua boca, depois de ele ter me devorado da cabeça aos pés por eu estar de pijama — nem percebi que ainda vestia — foi a gota d’água para a minha sanidade. Furiosa, marchando de volta para o meu apartamento, a adrenalina pulsava nas minhas veias como um foguete prestes a decolar. Aquele sorriso dele, que antes parecia tão charmoso, agora era apenas um incômodo. “Ele não pode estar falando sério”, pensei, enquanto meus passos ecoavam pelo corredor. Mas então, ouvi a voz dele novamente, ecoando atrás de mim. — Ei! Você ainda não me disse seu nome, docinho! A vontade de matá-lo cresceu dentro de mim como uma tempestade prestes a se desatar. Eu poderia simplesmente ignorá-lo, mas algo sobre aquele tom provocador me fez parar. — Sem se virar! — gritei, com a voz ecoando. Vai se ferrar, projeto de “Irmãos à Obra”! Ele ainda sorri, parece que não consegui desestabilizá-lo. — Uau, alguém acordou com o pé esquerdo hoje! — ele respondeu, ainda tentando manter o tom brincalhão, mas eu não estava disposta a cair na armadilha do humor dele. Depois de fechar a porta com um estrondo, deixei escapar um suspiro profundo, como se estivesse liberando toda a tensão acumulada. O silêncio do meu apartamento era um alívio bem-vindo, mas minha mente estava a mil por hora. — O que foi aquilo? — murmurei para mim mesma, caminhando pelo espaço como uma leoa em sua jaula. — Como ele teve a audácia de me chamar de “docinho”? E ainda por cima, ficar rindo da minha cara! Olhei para o espelho na entrada, encarando meu reflexo. Meu cabelo estava bagunçado e as bochechas ainda estavam quentes de raiva. — Ele acha que pode me provocar e sair impune? Não sou uma bonequinha de porcelana para ser quebrada assim! — continuo, gesticulando dramaticamente como se estivesse em uma peça de teatro. — E que história é essa de “projeto de Irmãos à Obra”? Quem ele pensa que é, o mestre dos reparos? Rindo nervosamente, fui até a cozinha e abri a geladeira, procurando algo para acalmar os ânimos. — Um chocolate... isso sim! — declarei com determinação. Enquanto mordia o pedaço doce, não pude evitar pensar nele novamente. — Como ele consegue ser tão insuportável e ao mesmo tempo... irritantemente charmoso? Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos confusos. — Chega! Amanhã vou ignorá-lo completamente. Não vou cair nessa armadilha! Mas no fundo, uma parte pequena de mim sabia que aquela interação não tinha terminado de verdade. Afinal, quem poderia resistir a um desafio quando o jogo tinha apenas começado? Eu precisava falar com o síndico, isso não está certo. As coisas no condomínio estão fora de controle! Os barulhos estão insuportáveis, e a área comum está precisando de manutenção urgente pelo que percebi quando cheguei.  — Sr. Rogério o senhor não pode permitir esse barulho de reforma nos finais de semana! — digo indignada. — Mas menina Gabriela, eu já lhe disse que está nas normas do prédio que no sábado é permitido. Acho que houve um mal-entendido. As normas permitem obras aos sábados, desde que respeitando os horários estabelecidos, normalmente até as 17:30h. Se o barulho persistiu além desse horário, ou se as obras ocorreram em desacordo com as normas aí sim por favor, me informe os detalhes para que eu possa tomar as medidas cabíveis. — Mas, Sr. Rogério, a questão não é só o horário! — respondo, tentando manter a calma. — O problema é que o barulho começou muito cedo, e isso está me deixando estressada, preciso de silêncio para trabalhar. Eu entendo que as reformas são necessárias, mas precisamos de um pouco de consideração também! — Eu compreendo seu ponto, Gabriela. — ele diz, com uma expressão mais suave. — Vou conversar com o responsável pela obra para garantir que respeitem os horários e tentar conseguir o silêncio que todos merecem nos finais de semana. — Agradeço, Sr. Rogério! — digo aliviada. — Só quero poder desfrutar da estadia na casa da minha mãe para conseguir terminar meu livro sem essa perturbação , porque a final foi para isso que eu vim.