O rosto de Vanessa perdeu toda a cor num instante.
Ela se atirou no chão num reflexo quase automático, suplicando em voz estrangulada:
— Lívia, me perdoa! Eu me esqueci completamente da alergia. Por favor, não fique com raiva, tá? Posso pedir outro sabor.
A atuação dela era tão ensaiada que eu quase ri de absurdo.
Na primeira vez que fiz o bolo de paçoca, realmente não sabia que ela tinha alergia.
Quando ela comentou casualmente: "Quero sabor de manteiga de amendoim." passei horas na cozinha, queimei os dedos, só pra tentar agradá-la.
Resultado? Choque anafilático — Ela quase foi parar no Pronto-Socorro.
Mas quando ela acordou, a primeira coisa que fez foi se jogar nos braços do Henrique, soluçando:
— Henrique, foi só um acidente. A Lívia fez com tanto carinho, disse que se eu comesse só um pedacinho não faria mal… foi minha culpa, fui gananciosa…
E eu? Só fiquei parada ao lado da cama, encarando os olhos cheios de reprovação dele e do Carlos, murmurando:
— Eu juro que não sabia… Ela nunca me contou…
A resposta do Henrique foi um chute no meu estômago.
— Para de mentir! Você só não aguenta ver a gente dando atenção pra ela!
O impacto me jogou contra o batente da porta, me deixando encolhida no chão, sem conseguir me mexer de dor.
Fiquei trancada no quarto por três dias seguidos depois disso.
Sem comida. Sem água. Sem sequer o direito de sair pra ir ao banheiro.
Quando me liberaram, mal conseguia me manter em pé.
Lembrar daqueles dias me fez responder com frieza:
— Não vou fazer. Se quiser, compre um.
Vanessa não desistiu. Segurou meu braço com força, fingindo reconciliação:
— Tudo bem, eu não como, pode ficar tranquila.
Mas os olhos dela brilharam de raiva pura. Suas unhas afundaram na minha pele até eu soltar um grunhido de dor e me livrar do aperto — fazendo-a cair de propósito no chão.
O ar congelou.
Carlos correu pra ajudar ela e apalpou o cotovelo com cuidado excessivo.
Vanessa choramingou, segurando o braço:
— Ai, Carlos… está doendo tanto…
Henrique puxou a blusa dela pra ver o "ferimento", tocou de leve o arranhão e depois girou pra me encarar com fúria.
— Lívia, tá louca?!
Um tapa violento me atingiu com força brutal.
—Você já estava se achando demais! Fica sem jantar hoje e vai pro seu quarto pensar no que fez!
O impacto foi tão forte que um dos meus dentes de trás ficou mole.
Carlos viu o sangue escorrendo do meu lábio e hesitou por um segundo, mas um novo choro dramático de Vanessa o fez voltar a atenção pra ela imediatamente.
Limpei o sangue em silêncio e voltei pro meu quarto.
Não pra refletir, mas pra pegar a mala que já estava preparada há dias.
Quando arrastei a bagagem pela sala, o silêncio foi seguido por risadas de escárnio.
— Olha só! Aprendiz de feminista querendo dar escândalo? — Henrique cruzou os braços. — Você é adulta, Lívia. Se sair hoje, não espere voltar.
Ameaças velhas.
Aquela casa nunca foi minha de verdade.
Não virei pra trás.
Henrique, furioso, pegou o vaso da mesa e arremessou.
Os cacos de vidro se espalharam aos meus pés, com um estilhaço atingindo meu tornozelo.
— Vai então! Nem pense em entrar nesta casa, mesmo que você se ajoelhe no futuro.