Fui diagnosticada com lúpus eritematoso sistêmico grave. Vou morrer em três dias. Quando meu marido desligou minha 188ª ligação desesperada, peguei o laudo médico e entrei numa funerária. — Bom dia, queria marcar minha própria cremação e ver se tenho direito ao auxílio-funeral. — Disse, com a voz já resignada. Dez minutos depois, eles apareceram. Antes que eu pudesse explicar, Henrique, meu marido advogado, me deu um tapa na cara e cuspiu: — Para competir pela atenção com a minha irmã, agora você se faz de doente terminal? Enquanto isso, meu irmão, Carlos, o médico, arrancou meus exames das mãos e riu com desdém: — Lúpus? Nem pra mentir direito! A chance é tipo acertar a Quina com a febre do ouro! Segurando a dor, voltei ao balcão e estendi a papelada novamente. A atendente viu as manchas de borboleta nos meus pulsos e a expressão dela mudou. — Não tenho mais família. — Peço só a cremação em três dias, em qualquer lugar. Só não quero causar ônus a ninguém, nem após a morte.
Leer másAntes que Vanessa terminasse de falar.Henrique não aguentou mais. Ele arrancou o cinto da calça e açoitou-a violentamente.Um vergão vermelho marcou o rosto dela, a marca do couro nítida sobre a pele.Ela tremia, os lábios brancos de medo, mas os olhos ainda ardiam de ódio. Aos poucos, percebeu que sua atuação já não surtia efeito.Parou de resistir, se encolhendo como um animal acuado. Mas ninguém mais se importava.Henrique continuou golpeando-a sem piedade.Naquela noite, os gritos de Vanessa ecoaram na mansão dos Montenegro. Ninguém soube quantos castigos sofreu.Eles a submeteram aos mesmos suplícios que eu havia enfrentado: Trancada num quarto escuro. Sem comida. Sem água. O celular confiscado. Tudo multiplicado em crueldade.Assim tentaram "compensar" o que haviam feito comigo.Mas eu não precisava disso.Nenhum sofrimento de Vanessa apagaria o que vivi.Mesmo que eu voltasse à vida, nunca aceitaria esse arrependimento tardio.Em menos de uma semana, Vanessa cedeu.Escondida nu
Henrique não pretendia atender, mas algo o fez pressionar o botão e ligar o viva-voz.— Bom dia, Sra. Lívia. O terreno no cemitério que a senhora escolheu ainda está disponível. Com apenas 5% de sinal, garantimos a reserva.— Sra. Lívia? Alô?A palavra "cemitério" o atingiu como um soco.A voz dele tremeu:— Então... eu não tinha ouvido errado...— No dia em que ela pediu a cremação... já estava escolhendo seu túmulo.Carlos estava ficando lívido, os lábios se movendo em um sussurro rouco:— Ela realmente estava se preparando para partir... Não comprou o terreno só porque não tinha dinheiro...E então se desmanchou em lágrimas.Carlos arrancou o celular das mãos dele, quase gritando:— Eu quero esse túmulo! Reserve agora mesmo!— Devemos tanto a ela. É o mínimo que podemos fazer.Eles decidiram levar meu corpo para casa.Foi quando a Adriana, até então em silêncio, falou com firmeza:— Não vou deixar vocês levá-la.Henrique escureceu. Se aproximou com passos pesados:— Ela é minha espo
Adriana não pareceu surpresa quando os viu na porta. Nem sequer ergueu os olhos.Carlos já estava no limite. Se aproximou num impulso e agarrou o colarinho dela:— Onde está minha irmã? O que fez com ela?Henrique o afastou num gesto seco, a voz contendo desespero:— Perdão... a minha esposa, Lívia, está aqui? Sou o marido dela. Precisamos resolver algumas coisas, frente a frente.Ela os encarou em silêncio, com frieza, e depois os levou adiante.Atravessaram corredores silenciosos. A cada porta que se abria, o ar ficava mais pesado.Até chegarem ao refrigerador.Um cadáver sob um lençol branco repousava ali.Eles paralisaram.O tempo pareceu congelar.— Isso... tá de brincadeira? — Carlos avançou, arrancando o tecido. O rosto dele descorou num segundo.Recuou cambaleando. Seus olhos se encheram de lágrimas que escorreram sobre meu peito frio.— Lívia... Isso é brincadeira, né? Diz que é brincadeira!Henrique ficou imóvel por um instante. Quando finalmente andou até mim, seus passos pa
Henrique insistiu com um tom doce que não aceitava recusa:— Vanessa, experimenta só um pedacinho. Se passar mal, a gente te leva pro hospital na hora.O sorriso dela congelou.Mas ela ainda tentou manter a pose de menina obediente.Pegou uma colherzinha e comeu um pouco de cada bolo, como se estivesse cumprindo uma obrigação.No final, colocou a mão no estômago e murmurou:— Acho que não me fez bem... Vou descansar um pouco.Se levantou e subiu as escadas.Eu 'assombrei' silenciosamente atrás dela.Assim que entrou no quarto, trancou a porta e começou a revirar gavetas e mala num desespero silencioso.Foi quando a porta se abriu suavemente atrás dela.— Vanessa, o que você está procurando?Ela se virou bruscamente e, ao avistar Henrique e Carlos parados à porta, seu rosto perdeu toda a cor.— Eu... não estou me sentindo bem. Procurava meu remédio para alergia. — Ela gaguejou, tentando explicar.— Você diz isso aqui? — Henrique tirou do bolso um frasco branco.As pupilas dela se contra
Na época da universidade, Henrique e Carlos cortaram minha mesada depois que Vanessa os convenceu de que eu usava drogas. Passava dias inteiros sem comer.Para não desmaiar nas aulas, eu limpava bandejas no refeitório em troca de comida.A Adriana, a cozinheira, sempre me enchia o prato com porções extras de carne.Sua filha, um ano mais nova que eu, que cometeu suicídio após sofrer o bullying constante. Com uma indenização simbólica em mãos, a Adriana deixou a universidade.Segui o endereço que ela me havia dado antes e encontrei sua pequena casa nos subúrbios.Quando a porta se abriu, pedi em voz baixa:— Sra. Adriana, pode ligar para a cremação quando eu morrer?Os olhos dela se encheram de lágrimas na hora.Ela pegou base, batom e um vestido novinho que a filha nunca usou. Me arrumou com mãos cuidadosas, como se estivesse preparando para uma noiva.Sentada na cadeira de madeira, eu via o brilho úmido em seus olhos.Quando meus sentidos começaram a escurecer, ela me abraçou com sua
Mal saí do jardim, e Carlos me alcançou, tirando algumas notas amassadas do bolso.— São R$ 1.500. Dá pro básico. Quando se acalmar, volte pra casa e peça desculpas. — Ele falou, como se estivesse oferecendo uma fortuna.R$ 1.500.Para Vanessa, isso não daria nem um café na padaria!Ela apareceu atrás dele, arrancou as cédulas da mão dele com um sorriso doce e me disse:— Lívia, a gente é família. Eles só exageraram. Você acha mesmo que iam te expulsar? Sem dinheiro, você vai voltar com fome mais cedo ou mais tarde.Carlos guardou o dinheiro no bolso de volta.Eu fui andando pelo bairro de casas luxuosas, usando as últimas economias pra alugar um quarto barato na periferia.Naquela noite, me enrolei na cama estreita do hotel e adormeci sozinha.Antes de Vanessa entrar na nossa vida, eu era a pessoa mais importante pra Henrique e Carlos.Éramos órfãos que se apoiavam desde a infância.Eles eram sete anos mais velhos.Quando eu era pequena, os dois estavam ocupados demais e me deixaram a
Último capítulo