Ao chegar em casa, abri a porta do meu quarto e percebi que não tinha quase nada de pessoal para recolher.
Eu morava num antigo quartinho de despejo, no canto mais afastado da casa.
As únicas coisas realmente minhas eram algumas roupas desbotadas.
Enquanto isso, Vanessa tinha um closet que poderia ser uma sala de estar — no mínimo, três vezes maior que o meu quarto.
As únicas coisas que vinham parar nesse meu "depósito de coisa velha" eram vestidos velhos que ela não queria mais e sapatos de salto quebrados.
Já tinha discutido com Henrique inúmeras vezes por causa disso. Ele sempre dizia:
— Vanessa sofreu muito com o pai biológico. Aqui, ela finalmente pode ter uma vida melhor. Só peço que você ceda um pouco.
E assim, cedi por cinco anos.
Arrumei minhas coisas numa caixa de papelão velha quando o cemitério me ligou.
— Bom dia, é a Sra. Lívia Heitor? Sobre o lote que reservou... se quiser garantir, pode pagar o sinal agora. Senão, teremos que oferecer ao próximo da lista.
Foi a sepultura que vi recentemente.
Ao redor, cercas vivas de roseiras bem cuidadas e pinheiros, e, no centro, uma lápide simples de mármore cinza.
Parecia saída de um perfil estético do Instagram — até a morte precisava ser elegante.
Na época, pensei: se viver foi tão difícil, pelo menos que eu morresse com algum estilo.
Mas agora, tudo isso era um sonho distante.
Fiquei em silêncio por alguns segundos.
— ...Dispensa, obrigada.
Não tinha dinheiro.
Nos últimos anos, depositei todo o meu salário na conta conjunta com Henrique. Agora, ele estava convencido de que eu estava encenando e já tinha retirado tudo, com medo de que eu gastasse à toa.
Se nem conseguia pagar o tratamento, como iria bancar um "túmulo chique"?
Mal desliguei, Henrique chegou em casa.
Jogou a bolsa no sofá e falou irritado:
— Cemitério? Por que estava marcando um túmulo?
Pensei que ele tinha ouvido algo e ia explicar, mas ele já soltou uma risada fria.
— Sabe de uma coisa, Lívia? Naquela funerária hoje, senti vergonha de você.
— Vanessa ficou tão mal que quase não respirava, a festa foi arruinada. Você sabe que era o aniversário de 22 anos dela?
— Por que você não consegue deixar ela em paz?
Eu não a deixava em paz?
Quem foi que passou todos esses anos sendo preterida e ignorada?
Desde que Vanessa entrou nessa casa, nunca mais comemorei meu aniversário.
Todo ano, no meu aniversário, ela ou ficava com febre altíssima ou tinha uma crise alérgica e precisava correr pro hospital.
E todos largavam tudo para cuidar dela.
Meu aniversário? Nem se lembravam — nem um pedaço de bolo eu ganhava.
Olhei para Henrique, com o nariz ardendo e a voz trêmula:
— Só tenho um ano a mais que ela... mas vocês nunca gastaram um centavo comigo.
Ele hesitou por um segundo, mas a resposta veio com raiva:
— Você não pode parar de ser tão mesquinha?
Foi quando ouvi passos na porta.
Carlos e Vanessa voltaram, e meu irmão já falava com a voz carregada de indignação.
— E ainda tem coragem de falar em aniversário? Depois de tudo que fez, não merece nem seu próprio aniversário!
Seu rosto estava tenso, os olhos cheios de ódio.
— Vanessa ficou tão mal por sua causa que quase foi pro hospital!
— Mesmo assim, ela ainda está tentando te defender. E você? Sem um pingo de remorso?
Vanessa se aproximou, enxugando as lágrimas com um sorriso forçado.
— Tudo bem, Lívia. Não te culpo... Só quero um bolo de paçoca, pode ser? O que você sempre faz.
Carlos não perdeu a chance de reforçar:
— Justo o que você sabe fazer melhor, né, Lívia? A Vanessa já abaixou a postura. Não seja ingrata.
Olhei para a expressão de superioridade quase disfarçada no rosto dela e respondi com calma:
— Mas você não tem alergia a amendoim? Quer mesmo que eu faça um bolo assim... pra você acabar no hospital de novo?