No hospital, no quarto de internação, o cheiro forte de desinfetante embrulhava o estômago.
Isabela Silva estava deitada na cama, fraca, com o corpo pesado, como se até respirar exigisse esforço.
Assim que a ligação foi atendida, ela falou primeiro, sem rodeios:
— O formulário da cirurgia de aborto precisa da assinatura de um familiar. Venha ao hospital.
Do outro lado da linha, houve meio segundo de silêncio.
Então, a voz grave do homem soou, carregada de uma impaciência mal contida:
— Desde quando você engravidou que eu não fiquei sabendo? Isabela, até para ser mimada existe limite.
— Você vem ou não vem?
A palavra "mimada", dita daquele jeito, fez a raiva subir de uma vez.
O peito de Isabela ardia.
— Hoje eu realmente não tenho tempo para discutir com você!
Diante da irritação dela, Cristiano Pereira fazia esforço para manter o tom controlado, mas a falta de paciência ainda transbordava pelas palavras.
Foi naquele instante que o sangue de Isabela pareceu gelar por completo.
Ela não respondeu mais nada.
Afastou o celular da orelha.
No exato momento em que estava prestes a desligar, uma voz feminina surgiu ao fundo da ligação, clara e profissional:
— A cesariana foi um sucesso. — Disse a voz feminina ao fundo, profissional e clara. — São gêmeos, um menino e uma menina.
O mundo de Isabela mergulhou na escuridão.
Ele também estava naquele hospital.
Mas estava ali para acompanhar a cunhada, celebrando o nascimento de gêmeos.
Enquanto isso, o filho que deveria ser deles enfrentava uma cirurgia de aborto.
Sem hesitar por um segundo sequer, Isabela apertou o botão e encerrou a ligação.
Uma médica de óculos de armação preta entrou no quarto e parou ao lado da cama.
Ela puxou a prancheta e escreveu rápido, o som da caneta riscando o papel preenchendo o silêncio.
Sem erguer muito o olhar, perguntou com seriedade:
— Quando o seu marido chega para assinar? A sala de cirurgia já está pronta.
Isabela segurava a raiva com dificuldade.
— Essa assinatura precisa mesmo ser dele?
A mão que preenchia o formulário parou no meio do movimento.
Isabela olhou para ela.
O olhar havia se tornado frio, cortante.
— Ele está ocupado acompanhando a cunhada no parto. — A voz saiu baixa, controlada. — Esse documento… Eu posso assinar sozinha?
A frase que ouvira ao telefone, "gêmeos, um menino e uma menina", ainda ecoava dentro dela como um espinho cravado fundo no peito.
Nos olhos da médica passou um lampejo de compaixão.
Em seguida, ela estendeu o formulário já preenchido.
— Pode.
Isabela pegou a caneta e assinou o próprio nome sem hesitar, com movimentos rápidos e firmes.
A médica então lhe entregou um comprimido.
— Depois de tomar isso, em meia hora vamos iniciar a cirurgia.
Isabela recebeu o remédio e o colocou direto na boca.
Ela sempre odiara coisas amargas.
Mas, naquele momento, deixou que o gosto forte e áspero se espalhasse por toda a boca,
como se a dor já não fizesse mais diferença.
No começo da noite.
Depois de terminar o período de observação pós-cirurgia, Isabela dirigia sozinha de volta à mansão onde morava com Cristiano.
Assim que entrou, Débora, a funcionária responsável pela limpeza, levou um susto ao vê-la tão pálida.
— Dona Isabela, o que aconteceu com a senhora?
Isabela ergueu o olhar, frio e distante, ao ouvir a voz da empregada.
O rosto ainda estava sem cor, mas ela forçou um leve sorriso.
— Débora… Estou com fome.
Desde cedo naquela manhã, Cristiano a levara à mansão da família Pereira.
No almoço, durante a refeição em família, ela mal conseguira dar duas garfadas quando Lílian entrou em trabalho de parto de repente, sangrando muito.
Em questão de minutos, toda a mansão virou um caos por causa do nascimento iminente.
Lílian Dias, esposa de Marcos Pereira, o irmão mais velho de Cristiano.
Seis meses antes, Marcos havia morrido em um acidente aéreo, sem que sequer o corpo fosse encontrado.
Desde então, bastava qualquer problema com Lílian ou com o bebê em sua barriga.
Um telefonema, e Cristiano largava tudo e ia embora.
As cenas do dia passavam uma a uma pela mente de Isabela.
No momento em que Lílian entrou em trabalho de parto, o empurrão que recebera fora forte demais.
Ela caíra no chão e simplesmente não conseguira se levantar.
Mas ninguém percebeu.
Todos os olhares estavam voltados para Lílian, que chorava e gritava, cercada de gente em pânico.
Cristiano passou por ela carregando Lílian nos braços.
Isabela, caída no chão, esticara a mão e agarrara a barra da calça dele.
— Meu ventre está doendo tanto…
Mas tudo o que recebera fora um olhar impaciente, quase irritado.
— Não faça drama.
E então ele se virou, levando Lílian embora, sem sequer olhar para trás.
Débora percebeu o quanto Isabela estava fraca.
Apoiou-a com cuidado e a conduziu até a mesa da sala de jantar.
— Sente-se aqui. A cozinha acabou de preparar algo. Vou trazer para a senhora.
Pouco depois, colocou à frente dela uma tigela de sopa fumegante e alguns pratos ainda quentes.
Isabela mal dera duas colheradas quando, do lado de fora, vozes animadas se aproximaram, rindo e conversando.
A porta se abriu em seguida.
Eram Cristiano e sua mãe, Bruna Araújo.
Ao ver Isabela ali, num dia que para a família Pereira era de pura comemoração, Bruna, raridade absoluta, não fez cara feia.
Claro que também não olhou para Isabela.
Limitou-se a dizer a Cristiano:
— Vou pegar uma coisa.
— Tá.
Bruna subiu direto para o andar de cima.
O sorriso no rosto de Cristiano desapareceu.
Ele caminhou até a mesa e sentou-se de frente para Isabela.
Cruzou as longas pernas com naturalidade.
Tirou um isqueiro do bolso. A chama se acendeu.
Acendeu um cigarro e deu uma tragada lenta.
Isabela manteve a cabeça baixa, concentrada apenas na própria comida, como se ele não estivesse ali.
O homem puxou o ar com força, como quem se sentia um pouco cansado.
Então estendeu a mão e bagunçou de leve o cabelo dela.
— Olha só você. Hoje era mesmo dia de fazer birra? — A voz vinha baixa, quase conciliadora. — Meu irmão já se foi. A cunhada ainda tem os filhos dele. O que você estava tentando provocar hoje?
Ele soltou a fumaça devagar.
— Os bebês são muito fofos, tão pequenos. — Disse com naturalidade. — Se você tivesse visto, teria gostado.
A forma como ele falava, aquele tom indulgente dirigido a ela, e a suavidade ao mencionar os bebês…
Aquilo foi demais.
A raiva de Isabela finalmente explodiu.
Com um movimento brusco, ela levantou a mão.
"Clac!"
O garfo bateu com força na mesa, interrompendo-o.
— Os filhos dos outros é tão adorável assim?
Isabela ergueu o rosto.
Os olhos estavam vermelhos de fúria.
Ela encarava Cristiano com um sorriso frio, carregado de ironia.
Ao vê-la explodir de novo, o rosto de Cristiano também se fechou.
— Que "filho dos outros" o quê? — A voz dele endureceu. — São os filhos do meu irmão!
No fim da frase, o tom já havia subido.
A raiva que ele vinha segurando escapou por completo.
Diante daquele Cristiano irritado, cheio de autoridade ferida, Isabela soltou uma risada curta, gelada.
— Ah, então você ainda sabe que são filhos do seu irmão? — O olhar dela era cortante. — Do jeito que você age, eu quase achei que fossem seus.
— Isabela!
Cristiano explodiu.
Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, Isabela se levantou de repente.
O tapa estalou seco no rosto dele.
Os olhos dela transbordavam ódio e ressentimento acumulados.
— Divórcio.
Que se dane de quem eram aqueles filhos.
Se ele queria assumir, que assumisse até o fim.
Ela aguentara demais nesses últimos seis meses.
O olhar de Cristiano ficou instantaneamente frio.
— Hoje quem nasceu foram os filhos do meu irmão. Ele morreu. — A voz saiu dura. — Você queria que eu fingisse que não era comigo? Que eu simplesmente ignorasse?
Isabela soltou um riso curto, cheio de desprezo.
— Os filhos do seu irmão… — Repetiu devagar. — E por isso você passou dos limites? Por isso deixou o SEU próprio filho morrer?
Aquela frase, "filhos do meu irmão", soava quase como um deboche agora.
Ela se lembrava perfeitamente do que o médico dissera.
Se tivesse sido levada ao hospital a tempo, havia chances reais de salvar o bebê.
Mas…
A dor ainda estava ali.
A sensação do corpo sendo invadido, do filho sendo triturado pelas máquinas, arrancado dela à força, permanecia viva, latejante.
Isabela encarou Cristiano com um olhar tão frio quanto gelo.
— A família Pereira inteira, mais de vinte pessoas, estava cercando ela. — A voz saiu baixa, cortante. — Faltava tanto assim você?
O peito de Cristiano subia e descia fora de ritmo.
A respiração estava pesada, desordenada.
Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, se controlando ao máximo.
Em seguida, puxou a mão de Isabela, fria, e a envolveu com força.
Tocou sua testa. Estava quente.
Sempre que o período dela chegava, a temperatura do corpo costumava desregular.
— Tá bom… Eu sei que você sempre quis ter um filho. — A voz dele saiu cansada, como quem cede. — Mas essas coisas dependem de destino. Não adianta forçar, né?
Aquele tom conformado, quase indulgente, fez o sangue de Isabela ferver.
— O que você quer dizer com isso? — Ela o encarou. — Está insinuando que essa gravidez era mentira?
Ao vê-la tão alterada, Cristiano a puxou para um abraço.
— Calma, calma… — Murmurou. — Tá bom, você estava grávida. Eu errei, tá?
Era sempre assim.
Nos últimos seis meses, sempre que ela se magoava por causa de Lílian, ele reagia do mesmo jeito.
Pedia desculpas sem convicção, acreditava sem acreditar, tudo de forma rasa, apressada.
Mas, desta vez…
Era mesmo algo que dava para tratar assim?
Nesse momento, Bruna desceu as escadas com o que fora buscar, como se não tivesse notado o clima tenso entre os dois.
Enquanto descia, falou naturalmente com Isabela:
— Belinha, sua cunhada fez cesariana, agora não consegue comer nada. — O tom era prático. — Só quer tomar aquela sopa de galinha que você costuma fazer.
— Amanhã se levanta cedo, prepara e leva para o hospital. — Acrescentou. — Escolhe uma galinha mais magra, abatida na hora. Quem acabou de parir não pode comer nada gorduroso.
Depois disso, virou-se para o filho, sem esperar resposta.
— Vamos embora.
Agora que Lílian tinha dado à luz gêmeos, aquilo era um grande acontecimento.
Ninguém podia permitir que a parturiente se sentisse abandonada ou emocionalmente abalada.
Ainda mais com Cristiano, aquele rosto idêntico ao de Marcos, sempre por perto.
Assim, Lílian se sentiria mais segura.
E, de fato, Cristiano soltou Isabela.
Com um gesto quase carinhoso, beliscou de leve o rosto dela.
— Vou chegar tarde hoje. — Disse num tom indulgente. — Não precisa me esperar, tá? Seja boazinha.
Em seguida, virou-se e saiu junto com Bruna.
Quando os dois já estavam quase na porta, a raiva de Isabela finalmente ultrapassou o limite.
Ela ergueu o braço e virou a mesa de jantar com um único movimento.
— Bang!
— Crash!
Pratos, tigelas, talheres, tudo se espatifou no chão, espalhando-se pelo piso com um barulho ensurdecedor.
O estrondo fez os dois, que estavam prestes a sair, pararem no mesmo instante.
Bruna e Cristiano se viraram ao mesmo tempo.
— Isabela, o que você pensa que está fazendo?! — Bruna primeiro se assustou, depois gritou, furiosa.
— A família Pereira acabou de ganhar gêmeos hoje! — Continuou, em tom histérico. — Num dia tão feliz, você fica quebrando coisa assim? Para quem é esse show?
Isabela encarou Bruna com o rosto tomado por um frio cortante.
— Lílian quer tomar a sopa que eu faço? — A voz saiu baixa, cheia de ironia. — Desde quando eu sei fazer sopa?