Sierra
Os gemidos e gritos da mulher continuam por quase toda a noite, ecoando pela casa inteira.
Não preciso nem dizer que não dormi nada, não só pelo barulho, mas porque por algum motivo aquilo me incomodou profundamente.
O que é ridículo, não tenho nada a ver com a vida daquele monstro, por mim ele pode fazer o que quiser desde que fique longe de mim.
Mesmo cansada e com sono após uma noite mal dormida, eu me forço a levantar da cama e ir tomar um banho.
Após isso, coloco um dos vestidos longos que está no closet do tipo que sempre usava no convento e prendo os meus cabelos úmidos em um coque baixo.
Meu estômago ronca, mas não estou a fim de descer para o café da manhã e ver o Matteo depois da cena que testemunhei ontem.
Então, faço o máximo, ignorando a dor em meu estômago e vou até a janela, olhar os jardins e tentar inutilmente ver além daqueles muros autos ansiando pela minha liberdade.
Uma lágrima solitária escorre pelo meu rosto quando lembro que nesse momento era para estar vivendo a expectativa da escolha da faculdade para onde eu iria após me formar na escola, eu finalmente seria livre para dar os meus próprios passos.
Tudo isso foi cruelmente arrancado de mim, não terei mais um futuro, não serei mais uma escritora como sempre sonhei.
Batidas soam na porta, tirando a minha atenção da janela.
..._ Senhorita Sierra, está acordada? O dom a aguarda para o café da manhã.
Uma voz feminina diz do outro lado.
Suspiro alto e vou abrir a porta, me deparando com uma garota bem jovem, ela deve ser só um ou dois anos mais velha que eu.
Sierra_ Oi, quem é você?
… _ Desculpe, senhorita, sou Gemma, uma das empregadas.
Sierra_ Oi, Gemma, sou Sierra, mas acho que você já sabe disso.
Gemma _, Sim, todos sabem sobre a noiva do dom.
Sierra_ Noiva?
Gemma_ Oh, eu disse noiva? Onde estou com a cabeça, quis dizer a convidada do dom.
Ela se corrige, parecendo apavorada.
Gemma_ Ele está esperando a senhorita para o café da manhã, queira me acompanhar, por favor.
Sierra_ Não estou com fome.
Gemma_ não faça isso, o dom odeia ser contrariado, não dificulte as coisas para si mesma.
Um arrepio passa pelo meu corpo quando lembro dele, me arrastando pelos cabelos até o banheiro e rasgando as minhas roupas. Não posso passar por aquilo novamente.
Pensando nisso, eu assinto e sigo a Gemma até a sala de jantar, antes mesmo de fazer contato visual com ele já sinto o meu rosto queimando de vergonha. É inevitável tentar impedir o meu cérebro de repassar toda aquela cena em minha mente.
Assim que nossos olhos se encontram, ele me olha com a frieza e indiferença, mas há alguma outra coisa que eu não sei dizer o que é.
Matteo_ Sente-se.
Ele diz, voltando a sua atenção para o seu prato e antes que eu me mova, escuto uma risada debochada atrás de mim, o som é irritante e de alguma forma sei que sou o motivo desse deboche.
Olho para trás e vejo a mulher que estava com o Matteo ontem à noite. Provavelmente deve ser a namorada dele.
Ela me olha da cabeça aos pés com desdém e solta outra risada.
… _ Então, essa é a coitada? Ela se veste como a minha avó.
Matteo_ Cala a boca, Caterina, você fala demais.
Caterina_ Então ela não sabe de nada?
Olho para ela, confusa.
Sierra_ Não sei o quê?
Caterina_ Que você é a...
Matteo_ Chega, Caterina! Pegue as suas coisas e coloque a sua bunda para fora daqui.
Ele diz em tom autoritário, sem dar espaço para discussão.
Vejo seus olhos encherem-se de água, e ela me lança um olhar cheio de ódio e vai embora, me deixando mais confusa ainda já que não fiz nada para ela.
Matteo_ Vai ficar aí parada ou vai se sentar? Já estou perdendo a paciência!
Ele diz, parecendo aborrecido.
Não espero ele falar novamente, sei bem o que pode fazer.
Me sento no mesmo lugar de ontem à noite e começo a comer, evitando a todo custo o olhar dele.
Felizmente, ele não toca no assunto e toma o seu café em silêncio, olhando para a tela do seu celular.
Matteo_ Vou sair e só volto de madrugada, já sabe, se tentar fugir, pagará caro por isso. Como já disse, está livre, pode andar pela casa e usar a piscina.
Sierra_ Você tem um conceito estranho de liberdade, acha mesmo que andar por sua gaiola de ouro é ser livre?
Matteo_ Acho que você tem que fazer o que eu mandar, sem discutir e ponto.
Sierra_ Aí é que está, eu não pertenço a você e não pertenço a esse lugar, não tenho que seguir as suas ordens!
Digo em voz alta, quase gritando, não sei de onde tirei coragem para tanto, mas quando fui ver já tinha despejado toda a minha frustração.
Ele dá um soco na mesa, me fazendo pular da minha cadeira.
Matteo_ Devia estar grata por ser escolhida por mim!
Sierra_ Grata? Está dizendo que devo estar grata por ser sequestrada?
Matteo_ Tem ideia do destino das garotas que estavam com você?
Sierra_ E faz diferença? Todas tivemos nossas vidas roubadas.
Matteo_, Mas você está viva e a maioria delas não.
Sierra_ E você fala isso nessa frieza toda?
Digo, enxugando as lágrimas teimosas que escorrem pelo meu rosto, mesmo eu não querendo chorar na frente dele.
Sem pensar, me levanto na intensão de fugir dali, tomando a maior distância possível dele, mas mal dou dois passos e sou puxada por mãos ásperas, me deparando com o seu peito musculoso, o cheiro dele é tão inebriante que levo alguns segundos para situar.
Sierra_ Me solta!
Matteo_ Você não entende, não é? Nunca ouve um futuro e nunca esteve perto da liberdade, você me pertence e vai fazer o que eu quiser!
Sierra_ Não sou sua prioridade.
Respondo, sentindo minha pele formigar com o toque dele e internamente me odeio por isso.
Matteo_ A você é, sim, e sou o seu dono e, se não fizer o que mando, coisas ruins vão acontecer.
Sierra _ Vai me dar um "jeito" em mim?
Matteo_ Está perguntando se vou te matar?
Ele pergunta após soltar uma risada sem humor e eu balanço a cabeça, confirmando.
Matteo _ Isso vai depender do quanto vai me ser útil, não tenho problemas em livrar do que não preciso mais.
Sierra _ Sou um ser humano, não uma coisa, por acaso tem noção disso?
Matteo_ Tenho sim.
Ele me olha da cabeça aos pés e por um momento tenho a impressão de ver desejo em seus olhos tipicamente frios.
Matteo _ Ah, tenho muita noção disso, pode apostar, mas não hesitarei em me livrar de você se não tiver utilidade para mim.
Ele responde ainda me segurando.
Sierra _ Por que você é tão mal?
Matteo_ Por que você é tão boa?
Ele me devolve a pergunta.
Sierra _ Porque foi isso que me ensinaram a ser desde sempre.
Matteo_ Está respondida a sua pergunta.
Assim, ele me solta e vai embora, me deixando quase sem fôlego…