Apesar de suas palavras, Ana só entra no carro e dirige. O carro corta a escuridão da noite. Os faróis iluminam a estrada sinuosa à sua frente, mas seus olhos estão fixos em algum ponto distante, para além do para-brisa. As luzes da cidade começam a sumir, o volante é apertado com tanta força que seus nós dos dedos estão brancos. As lágrimas escorrem silenciosamente pelo seu rosto, misturando-se com a maquiagem borrada.
O rádio está ligado, mas a música é apenas um zumbido distante. Ela não escuta a letra, apenas a melodia melancólica que parece espelhar a dor em seu peito. A última discussão com Pedro ecoa em sua mente, cada palavra como uma facada. A imagem distorce, e Ana está de volta a um bar barulhento, quatro anos antes. Ela vê Pedro, cabisbaixo, um copo de cerveja quase vazio à sua frente. Ele não era o Pedro seguro e charmoso que ela conhecia hoje. Era um homem desfeito, os olhos vermelhos, a voz embargada. Mas mesmo assim suas feições a encantaram desde o primeiro momento, ela se viu apaixonada por aquele homem. Sua presença marcante, com aproximadamente 1,80m de altura e uma constituição sólida, mas elegante. A forma como ele preenche o paletó com uma força contida, sem ser ostensiva. Seus cabelos pretos como a noite, muitas vezes jogados para trás, revelando uma testa ampla e pensativa. O rosto, de traços angulosos e expressivos, é dominado pelos olhos de um castanho tão escuro que beira o ônix, capazes de transmitir uma intensidade silenciosa. Ela não conseguiu resistir nem por um segundo. Ana se aproximou do balcão tentando chamar a atenção daquele homem. _ Ei, o que aconteceu? Pedro levanta o rosto, os olhos marejados fixos nela, com a voz de um bêbado meio choroso, Pedro lhe respondeu: _ A Sofi...se foi!.... ela não entende. Ela nunca vai voltar...Eu amo ela. Desde que a gente era criança. E ela... ela não está aqui...ela foi embora pra Dinamarca. Por que a Dinamarca? Ana sentiu um leve arrepio. Havia alguém, Sofi, Sofia. Desde o primeiro dia, um fantasma. Ela se lembra de ter ficado ali, ouvindo-o desabafar sobre a amiga de infância que o rejeitava, sentindo uma mistura estranha de pena e uma pontada de algo mais. Naquela noite, ela se tornou o ombro dele, a ouvinte paciente que o ajudou a juntar os pedaços. E, de alguma forma, naquele caos, nasceu algo entre eles. O volante tremeu ligeiramente nas mãos de Ana. A lembrança é nítida demais, cruel demais. Quatro anos de um relacionamento construído sobre as cinzas de um amor não correspondido. E agora, a história se repetia. Não o amor não correspondido de Pedro, mas a dor de Ana em segundo plano. A voz de Pedro, ressoa em seus ouvidos: "Ana, a Sofia precisa de mim agora, está passando por um momento difícil." Era sempre isso. E a forma como ele a olhou, com aquele brilho nos olhos, a mesma devoção que ela vira no bar quatro anos atrás. A mesma devoção que ela percebeu agora, nunca foi totalmente dela. Ela pisa no acelerador, o carro ganha velocidade. As luzes da cidade já são apenas pontos distantes no retrovisor. O ar gelado da noite entra pela janela, e ela sente os lábios trêmulos. Não havia um destino. Apenas a necessidade de se afastar, de deixar para trás a casa, a discussão, e a sombra persistente de Sofia. O que fazer quando o amor da sua vida ainda está apaixonado pelo passado? Essa pergunta ecoa na mente de Ana, sem resposta, enquanto a escuridão da noite a engole. De repente, o celular vibrou no banco do passageiro. Ela hesitou, o visor mostrando o nome de Jéssica, sua melhor amiga. Ana sabia que, mais cedo ou mais tarde, o mundo exterior invadiria sua bolha de desespero. Ela atendeu, a voz rouca e embargada. _ Oi, Jéssica!, ela murmurou, tentando soar casual, mas falhando miseravelmente. Do outro lado da linha, a voz preocupada de Jéssica preencheu o silêncio. "Ana! Graças a Deus você atendeu! Onde você está? O Pedro me ligou, ele está desesperado te procurando. Ele disse que vocês discutiram..." As palavras de Jéssica mal registraram. A menção de Pedro, a preocupação em sua voz, apenas intensificaram a sensação de culpa e tristeza. Ela se encostou no volante, as lágrimas finalmente escorrendo pelo rosto. O carro parecia encolher ao seu redor, e o mundo exterior se tornava um borrão de luzes e sombras. O aniversário de casamento, que deveria ser um dia de celebração, havia se transformado em um pesadelo solitário. _ Ana! Ana! Amiga? fala comigo! As palavras cortantes trocadas ainda ardiam em sua memória, seus olhos estavam marejados, a visão embaçada pelas lágrimas derramadas. Respirando fundo tentou se acalmar e responder. _ Humm... _ Sua voz está péssima. O que aconteceu? Com a voz embargada Ana tentou responder: _ Ah, Jéssica... É o Pedro. De novo. _ Mas o que ele fez dessa vez? Eu sinto que você tá à beira de um ataque de nervos. Me conta tudo! _ Ele... ele simplesmente esqueceu nosso aniversário de casamento! E de novo teve que socorrer a Sofia! E quando eu fui falar com ele, ele agiu como se não fosse nada demais. Disse que é só uma data. Que a Sofia precisava de ajuda. Eu não aguento mais, Jéssica! Com um suspiro, Jéssica respondeu: _ Não acredito! Eu sei o quanto essa data é importante pra você. Amiga, eu tô sentindo sua dor daqui. Isso não é justo. Jéssica já conhecia toda a história, já que Ana não tinha mais ninguém com quem falar sobre o assunto, ela costumava desabafar com a amiga.