Capítulo 02

Enrico.

É impossível mensurar o tamanho do medo que estou sentindo agora. A rede Durán é o projeto da minha vida e eu literalmente dei o meu sangue para construí-lo. Foram quase dez anos em casas de apostas clandestinas, em ringues sem qualquer regulamento, onde a única regra era se manter vivo e ganhar o máximo possível.

Diferente do Murilo, que já nasceu rico e mesmo tendo prêmios como atleta de MMA, gosta da adrenalina da luta clandestina, eu comecei por necessidade. Não nego que acabei gostando depois, mas quando eu tinha dinheiro o suficiente, mesmo estando viciado naquilo, eu simplesmente saí.

Depois da minha filha, Yasmin, minha rede de resorts é o que eu tenho de mais importante na vida e não consigo cogitar perder isso agora.

Estou há quase quinze minutos parado, duas quadras antes de chegar no hotel, e daqui já percebo uma grande movimentação de pessoas com camisas tendo a foto do ator estampada, pessoas segurando cartazes, flores, fotos de cenas feitas por ele; a maioria são jovens de no máximo vinte e um anos e se todos estiverem indo pra o hotel, eu nem quero ver como vai estar tudo quando eu chegar.

— Senhor, acho melhor tentarmos entrar pela carga e descarga. — Meu motorista me olha pelo retrovisor e eu esfrego as mãos no rosto, irritado — A segurança acabou de avisar que a frente do hotel está tomada por jovens colocando flores e cartazes... — ele faz uma pausa, me olhando preocupado — E tem bastante gente pedindo justiça e culpando o hotel.

— Claro! — Esboço um sorriso sarcástico. — Faz todo sentido me culpar porque o retardado achou que tinha asas... — jogo a cabeça pra trás, tentando decidir o que fazer.

— Senhor? — Luigi insiste.

— Tudo bem, pode ir por lá mesmo.

Passamos devagar pela frente do hotel e aqui eu agradeço a sagacidade do meu motorista, que prevendo a horda de zumbis hipnotizados pelo falecido, resolveu usar o carro que eu menos uso e que portanto, é menos conhecido.

A quantidade de pessoas chorando e de flores espalhadas junto com velas e cartazes é surreal. Eu queria de verdade entender esse movimento juvenil que transforma atores em deuses, porque a entrada principal do meu hotel virou quase um templo pra eles, e honestamente agora, percebendo a extensão da adoração deles, um frio preenche a minha espinha com a previsão de que os meus problemas só estão começando.

— A equipe de marketing já está apostos? — Pergunto a Alice, minha secretária, assim que entro no meu escritório.

— Sim, senhor. — Alice fala com a voz chorosa e eu ergo uma sobrancelha, confuso.

— Alice? Você está bem?

— Eu sou muito fã do Marcos... — explica com os olhos marejados, fazendo minha irritação aumentar em níveis perigosos.

— Eu nunca tinha ouvido falar e ele poderia ter ido morrer na casa do caramba, antes de me trazer tanto problema! — Respondo bravo e ela arregala os olhos — Por favor, Alice, guarde seu sofrimento pra o final do expediente e eu espero não te ver entre os peregrinos lá fora, ou a sua demissão será feita por justa causa.

— Sim, senhor. — responde, ainda de olhos arregalados — A equipe está à sua espera.

Entro no elevador panorâmico que normalmente me causa orgulho, mas agora o que sinto ao ver meu hotel tomado por polícia, perícia, fãs malucos e repórteres sedentos por manchetes sensacionalistas, eu queria que ao invés do cilindro de acrílico, ele fosse a boa e velha caixa de metal pra me impedir de ver toda essa merda.

Quando finalmente chego na sala de conferência, nem me dou ao trabalho de cumprimentar a equipe, já que minha bateria social está esgotada antes das dez horas da manhã, e me limito a um aceno silencioso de que eles continuem suas considerações.

***

Quase três horas depois do início da reunião, tudo se resume a uma marketeira desesperada pelas notícias que continuam chegando, um chefe de segurança à beira de um colapso nervoso tentando controlar as sucessivas tentativas de invasão e a ausência do João, que eu sequer sei se conseguiu encontrar a tal advogada, ou ex advogada, como ele mesmo falou.

— O melhor caminho agora é convocar uma coletiva e sustentar a versão do suicídio. — Mayra continua falando — Quanto aos fãs, eles vão ficar uns dias plantados na frente do hotel, depois vão cansar.

— Nós ainda temos a polícia e a perícia investigando por causa da pressão da mídia, não podemos dar essa versão antes do parecer deles. — Outro gerente de marketing pontua.

— O laudo preliminar da perícia, que já está comigo, é o suficiente pra sustentar nossa tese. — Ela insiste — Eles precisam de respostas e nós vamos dar uma a eles.

— Ninguém vai falar com a imprensa!

Uma morena linda, com os cabelos longos e bem volumosos, usando calça de alfaiataria rose e uma camiseta branca invade a sala de conferência, seguida de perto pelo João e pelo Murilo. Em suas mãos, uma pasta preta com uma inscrição em vermelho me chama atenção, já que nela tem a insígnia da polícia civil. João se posiciona ao lado dela e Mayara a olha com desdém, cruzando os braços:

— Você entende de marketing? — Afronta a morena que ergue as sobrancelhas, ao passo que Murilo balbucia um “fodeu” — Eu não sei quem é você, mas você não pode interromper uma reunião importante sem ser por um bom motivo!

— Não, eu não sou marketeira... — o desdém na voz da mulher é nítido — mas estou tentando fazer o trabalho que você deveria ter feito, buscando a informação correta, antes de sugerir que alguém dê um tiro no pé, enfiando esse hotel em uma merda ainda maior.

Como é? Quem essa mulher pensa que é pra chegar assim do nada e falar do meu hotel com tanto desdém? Olho na direção do João que está nitidamente apavorado, ao passo que Murilo tem a mão pousada sobre o ombro dela, demonstrando bastante intimidade. Respiro fundo tentando controlar a minha irritação que só aumenta a cada segundo desse dia maldito, mas ela não ajuda, quando mostra na primeira aparição, que sua língua afiada vai ser um grande problema pra mim.

— Aliás, senhorita… Mayra. — Se aproxima lendo o nome do crachá — A menos que você queira tentar uma vaga em outro hotel após a falência desse, sugiro que calcule melhor os seus movimentos.

— Escuta aqui, garota, eu não sei quem você é, mas você não pode chegar aqui destratando os meus funcionários, Mayra sempre fez um excelente trabalho. — Fico de pé, ignorando o pedido silencioso do João pra que eu apenas ouça. — Você deve ser a tal Sarah de quem o João falou e pode ser uma advogada brilhante, mas aqui, você é só mais uma qualquer.

— Escuta aqui você. — Me surpreendo quando ela se aproxima e sem perder a postura, pousa a pasta na mesa à minha frente — Eu imagino que não seja comum pra você ver atores famosos se jogarem da varanda do seu hotel, portanto, sua funcionária não tem experiência com o assunto. — O sarcasmo visível em sua voz — Sim, ela é sua funcionária, mas eu não sou. Aceitei te ajudar atendendo a um pedido deles — aponta os gêmeos — E se eu fosse uma qualquer, ele não teria madrugado na porta da minha casa, tampouco teria passado horas me convencendo a vir aqui. — Ela simplesmente vira as costas indo em direção a porta — Por favor, continuem a sua reunião, e você... — aponta pra mim — Coloca uma roupa bonita pra essa entrevista, já que será a última antes da sua falência. Com licença.

A louca simplesmente sai batendo a porta e deixa toda a minha equipe estática. Eu levo alguns instantes pra conseguir reagir, mas quando o faço, levanto segurando a pasta e indo rápido na direção da porta:

— Aonde você vai? — João me segura pelo braço.

— Eu vou atrás dela — encaro meu amigo que faz um sinal negativo com a cabeça — E vocês dois — giro meu indicador entre ele e Murilo — Vem junto comigo.

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