Capítulo 01

Capítulo 01

Sarah.

Todos os dias quando eu Chego em casa de madrugada,  sendo comida com os olhos por aquele bando de urubus e me deparo com as fotos da minha formatura, e com os diplomas ainda pendurados na minha parede por insistência da Alexia, eu me sinto duas vezes inútil.

Eu fiz o inimaginável. Lutei para deixar de ser a droga de uma dançarina de boate, estudei, me formei e consegui uma carreira estruturada.

Tudo isso pra que? Pra acabar exatamente no mesmo lugar.

Inútil…

É isso o que eu repito na minha cabeça desde que aquele maldito me convenceu da sua inocência e eu, recém formada e munida de todos os meios jurídicos possíveis, consegui sua absolvição, só pra ver a cara dele estampada nos jornais dois dias depois de ter matado aquela garotinha.

A cena dos pais da garota na televisão, desolados e repetindo que se a justiça tivesse sido feita, a filha deles estaria viva, me fez entrar em um looping de culpa tão grande que eu decidi não advogar nunca mais.

— Não vai adiantar repetir que não foi culpa sua, não é? — Me assusto com a voz da Alexia, de braços cruzados e com seu habitual olhar de piedade — Você precisa parar de se culpar por algo que aconteceu há cinco anos, Sarah, pelo amor de deus!

— Eu tento, eu juro que eu tento — suspiro frustrada — Mas eu olho pra Isabela, tão pequena e já sofrendo tanto, e penso que se eu tivesse dado outro rumo pra aquele caso, as coisas teriam sido diferentes.

— O que a Isa tem a ver com isso? — Pergunta confusa.

— Você ouviu o médico falar que boa parte das doenças que as crianças têm, são por causa de coisas que a mãe passa na gestação. — Meus olhos lacrimejam e ela nega.

— Ouvi, foi justamente por isso que trocamos de médico e ouvimos da Doutora Élida que eram apenas asneiras... — Alexia me abraça forte e eu me permito desabar em seus braços — Eu sei que é difícil, que você queria poder estar mais perto dela, mas eu estou aqui pra vocês, a sua filha é forte e teimosa igual a mãe, são só mais três sessões de quimio e ela vai melhorar.

— Não é fácil ver minha filha, aos quatro anos, usando lenço porque perdeu os cabelos — falo entre os soluços — E Deus sabe como eu faria tudo pra estar no lugar dela.

     Vejo Alexia esboçar um sorriso e a olho confusa, ela percebe e trata logo de me acalmar:

— Você está cansada, toma um banho, come algo e descansa. — Esboço uma resposta, mas ela interrompe — Eu sei que a Isa tem médico e eu mesmo vou levar, hoje você só descansa e faz brigadeiro pra quando a gente voltar, ok?

— Eu já falei que te amo hoje? — Ela nega — Eu te amo, e não sei o que faria sem você.

— Eu sei, você sofreria e não teria sequer um momento de felicidade, porque eu sou realmente incrível. Agora vai e descansa.

Saio da sala ainda com os olhos marejados e dou uma passada no quarto da Isa, sorrindo ao vê-la dormindo. Ao invés do seu lenço, ela está com um lace rosa, tenho certeza de que isso é coisa da Alexia. Já no meu quarto, ignorando totalmente a recomendação da minha prima, apenas me jogo na cama e fecho os olhos, apagando em seguida.

***

— Sarah, acorda! — Ouço a voz da Alexia ao longe e abraço o travesseiro, voltando a dormir — Sarah, por favor, temos visitas.

— Se for o Daniel, manda ir para o inferno e pagar o que me deve de pensão.

— Murilo está na sala, e João está junto... — abro os olhos, assustada, e sento na cama tentando entender o que está havendo — Eu também não sei o que eles querem, mas o João está insistindo e eu preciso sair com a Isa pra não perder a hora.

— Pede pra eles esperarem na sala, só vou jogar uma água no rosto e já vou falar com eles.

Levo cerca de dez minutos no banheiro tentando fazer a ligação entre meu corpo e minha alma e vou até eles, recebendo o olhar bravo do Murilo, e o confuso do João:

— Bom dia, meninos, a que devo a honra? — Sento na poltrona a frente deles, ao mesmo tempo que Alexia sai do quarto da Isa, agora com um lace azul — Bom dia, meu amor! — Sorrio pra ela que se j**a nos meus braços.

— Tia Lexa vai me levar hoje e você vê se dorme! —Fala com as mãos na cintura me fazendo rir.

— Sim, senhora, e você se comporte, ouça tudo o que o médico mandar, tá? — Observo atenta as duas saindo de casa, e quando a porta finalmente é fechada, olho os rapazes — Agora nós, a que devo a visita?

— Por que você não me falou? — Murilo pergunta, se referindo à Isabela — Câncer, Sarah? E você fica quieta?

— Espera — João interrompe — Então você sabia da criança? — Encara o irmão, que assente — Você saiu do meu escritório grávida, Sarah?

— João, depois — Murilo intervém e eu agradeço — Você não tem tempo pra isso agora.

— Tem razão. — João desvia o olhar na minha direção — Sarah, eu preciso que você volte. — solta de uma vez e eu nego — Por favor, é importante.

— Você sabe que eu não posso... — abaixo a cabeça.

— Você precisa virar essa página, caramba! Aliás, como você está pagando o tratamento da sua filha, se você não advoga mais? Essa criança, é filha do Daniel?

— João… — Murilo adverte e eu agradeço silenciosamente, já que não quero explicar a mudança brusca de profissão.

— Sarah, por favor, eu preciso de você... — ele insiste e eu suspiro frustrada.

     — Qual o caso? — Pergunto vendo ele abrir um sorriso — Eu não concordei em advogar.

     — Você viu o jornal hoje? — Nego — O ator Marcos Ruas se jogou da varanda do Durán e eu não posso colocar nenhum dos meus pra acompanhar o caso, só você vai conseguir.

Eu esperava qualquer outro tipo de caso, não algo tão surreal. Abro e fecho a boca várias vezes ensaiando uma resposta, até a voz do Murilo me trazer de volta à órbita:

— Sarah? — Segura a minha mão — A gente vai estar próximo, o caso é diferente do que houve com você, você não tem com o que se preocupar e pode ser a mudança que você queria, por favor... — Suplica.

— Eu vou olhar o caso e se for só o que vocês estão falando, eu pego, mas se tiver algo a mais, eu volto pra casa e esqueço toda essa merda, estamos entendidos? — Eles assentem — Só vou trocar de roupa, no caminho vocês resumem tudo pra mim.

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