RUBY PORTMANUma semana se passara desde a manhã em que fui à delegacia com o rosto marcado por hematomas. Agora, diante do espelho do meu quarto, eu observava a pele limpa, sem roxos, sem inchaços, sem vestígios visíveis do que acontecera. A dor física se esvaíra, mas algo dentro de mim permanecia latejando em silêncio, como uma lembrança teimosa que se recusava a partir, ainda mais com os acontecimentos atuais.Depois que deixei o apartamento de Harry — no dia seguinte à agressão —, eu soube, por meio dele mesmo, que o caso havia sido formalmente denunciado. Não foi surpresa. O delegado já havia mencionado a possibilidade. O que me atingiu de fato foi a confirmação: o Ministério Público assumiria a denúncia, e a audiência de instrução e julgamento seria marcada para a semana seguinte. E foi. Bem rápido.Durante aqueles dias, Harry mostrara um tipo de envolvimento que me deixava sem saber como reagir ou como agradecer, embora se eu soubesse, ele não aceitaria nada daquilo. Ele contra
RUBY PORTMANApós a audiência, conversei brevemente com o Sr. Martinez. Ele explicou quais seriam os próximos passos, como o Ministério Público trabalharia agora para apresentar mais elementos, e que o juiz, pelo que deu a entender, já estava parcialmente convencido da culpa do réu.Despedimo-nos e Harry me levou de volta para casa e quando ele estacionou em frente ao meu prédio, desci e apenas murmurei:— Obrigada por tudo, Harry.Ele apenas assentiu com a cabeça, sem palavras, como se não fosse necessário dizer nada.Subi e, em casa, comecei a organizar algumas coisas. O lugar ainda estava em ordem, mas havia algo inquieto em mim. Meu querido e adorado irmão estava vindo. E ele vinha furioso. Descobrira tudo apenas agora, quer dizer, um dia antes do julgamento, por Milena, e me mandou uma sequência de áudios inflamados exigindo explicações.E Milena com certeza viria junto para tentar equilibrar os ânimos. os dele, especialmente. E como ela havia prometido cozinhar, me propus a orga
RUBY PORTMANO restaurante inteiro parecia se esvair ao meu redor quando Harry pousou a caixa do anel sobre a mesa com a mesma frieza com que fazia qualquer movimento. O diamante ali dentro brilhava sob a luz difusa do aquário panorâmico ao nosso redor, mas minha atenção estava completamente fixada nele. Não no anel. Nele.Eu estava em choque. Mas não era o tipo de choque encantado que ele provavelmente esperava. Era um silêncio repleto de memórias, de perguntas, de cicatrizes não curadas. Um pedido de casamento vindo de Harry Radcliffe era o equivalente a uma tempestade em pleno deserto. Raro, inesperado, perigoso.Harry não pareceu se incomodar com o meu silêncio. Pegou a sua taça de vinho, tomou um gole e apoiou-a novamente sobre a mesa com calma estudada. Depois cruzou os braços, me observando por um instante longo demais.— Eu devia começar explicando por que você. — ele disse, com a voz baixa, densa, como se cada palavra fosse tirada a força do fundo do peito. — Mas acho que voc
RUBY PORTMANO caminho de volta para casa foi silencioso, mas não desconfortável. Era como se tudo o que precisava ser dito já tivesse sido. As luzes da cidade refletiam no para-brisa do carro, criando padrões dourados e cintilantes que dançavam sobre o painel. Eu observava aquelas luzes, tentando me agarrar a elas como quem tenta se apegar a algo que ainda faz sentido.O meu coração ainda pesava. Não de dor, mas de um peso diferente, mais denso. Eu tentava assimilar a noite, a conversa, a história dele. O anel. Aquilo tudo parecia um mundo novo que eu ainda não sabia se queria adentrar ou apenas observar de longe.Harry dirigia em silêncio, a mão firme sobre o volante, os olhos atentos à estrada, mesmo que os pensamentos estivessem visivelmente em outro lugar. Ele não era do tipo que pedia, que se explicava. Então o simples fato de ter se despido emocionalmente daquela forma me fazia entender o quão longe ele já havia ido. Por mim.Quando o carro parou em frente ao meu prédio, um sil
RUBY PORTMANA semana que se passou depois da audiência preliminar e do pedido de casamento parecia um espaço suspenso no tempo. Eu ainda não havia dado uma resposta a Harry. E, sinceramente, não era por falta de sentimentos. Era por excesso. Excesso de memória, de feridas, de vozes internas debatendo entre razão e intuição. Não nos falamos muito desde aquela noite. Eu me envolvera depois, também, com currículos, entrevistas, contatos e, claro, conversas com meu advogado. Já Harry, alegara estar lidando com assuntos internos da Radcliffe, e, no fundo, foi bom porque me dava espaço para pensar, sem eu me sentir pressionada a dar uma resposta de imediato.Mas naquela manhã — ou melhor, início de tarde — não havia espaço para distrações.A chuva caía grossa, o tipo de chuva quente de verão que pareciam limpar os pecados da cidade. O céu, antes escaldante, agora estava encoberto por nuvens carregadas, e a claridade difusa dava à cidade um ar de nostalgia, tanto que as calçadas exalavam o
RUBY PORTMANA sala do tribunal estava pesada, o ar carregado com a expectativa que precedia a decisão. As palavras dos advogados ainda ecoavam na minha mente, tentando encontrar algum sentido, algum caminho que me indicasse o que viria a seguir. Mas eu sabia que nada poderia mudar o fato de que o julgamento de Johnny estava prestes a ser encerrado. E, de alguma forma, eu não estava preparada para o que viria a seguir. Não importava o quanto a minha mente tentasse se preparar. Nada seria suficiente.Harry estava quieto, como sempre. O seu olhar distante parecia focado em algum ponto além do tribunal. Eu queria perguntar o que ele pensava sobre o caso, mas sabia que ele preferia manter as suas opiniões para si. Não que eu fosse muito diferente, mas naquele momento, eu não conseguia afastar a sensação de que estava prestes a ser engolida por uma tempestade.O juiz levantou-se e, com a gravidade de sempre, começou a dar as instruções ao júri. Suas palavras eram claras, diretas, como um a
HARRY RADCLIFFEO ambiente da sala de visitas é bem opressivo. Um tom de cinza uniforme cobria as paredes e o teto, iluminado por luzes frias, brancas demais, que faziam doer nos olhos se expostos demais. O que era irónico, é que havia algo naquele tipo de iluminação que parecia intensificar o vazio de tudo à volta, e para variar, a sala não tinha janelas, apenas uma mesa de madeira escura ao centro e duas cadeiras de cada lado, como se estivessem se preparando para um duelo silencioso.Sentei-me com calma. As minhas mãos ajustaram os botões do meu paletó azul-marinho, com movimentos lentos, esperando que assim o tempo passasse o mais rápido possível.Quando Herodes esteve preso, eu só havia o visitado uma única vez, com a minha mãe; acho que era uma tentativa dela me fazer acreditar, e ela própria acreditar também, que as coisas seriam diferentes, mas não foram, e por isso, aquela foi a última vez que pisei dentro de uma penitenciária.Recostei-me na cadeira e deixei os meus olhos p
HARRY RADCLIFFEO céu sobre Nova Iorque ainda chorava uma garoa insistente quando deixei a penitenciária. O cheiro de concreto molhado misturava-se ao ferro-velho dos portões. Os guardas apenas assentiram com a cabeça ao me ver sair, e fecharam os portões enquanto eu caminhava para fora do recinto total.Do lado de fora, andei até o meu carro estacionado a frente da fachada, e a medida que eu me aproximava, senti a gravata apertando a minha garganta como uma algema, e a luz acinzentada do dia me irritando. Entrei no veículo, fechei a porta com força, enquanto procurava ar e disquei um número do meu celular.— Irving — rosnei, assim que ele atendeu. — Preciso confirmar uma informação. Agora.— Boa tarde para você também, Sr. Radcliffe — respondeu ele, a voz enfastiada. — A que devo o prazer?— O nome “Fleur Étoile” te diz alguma coisa? Uma floricultura, fachada. Segundo uma fonte, pode estar lavando dinheiro para execuções contratadas.Houve um breve silêncio do outro lado.— Repete is