Mundo ficciónIniciar sesiónO amanhecer em Ravenshore era sempre uma promessa não cumprida de sol. A neblina era uma entidade permanente, rastejando sobre as colinas e cercando a Mansão Halloway como um segredo bem guardado.
Sophia passou a manhã evitando a ala leste da casa e, principalmente, Lady Margaret. O toque gélido de Alaric ainda vibrava em sua clavícula. Ela era uma presa — uma presa que acabara de empurrar o predador para longe. O que ele faria agora? Quando o relógio soou as três da tarde, Lady Margaret a chamou. — Venha, Sophia. Vamos ao povoado. Precisamos de provisões, e você precisa se acostumar com a paisagem de Ravenshore. A carruagem, desta vez com um cocheiro mais robusto e silencioso, avançou lentamente pela estrada encharcada. A paisagem era desolada, mas pitoresca: casas de pedra cinzenta, cercas vivas e igrejas antigas com campanários retorcidos. Margaret estava sentada à sua frente, imperturbável. — O povoado é pequeno e fechado, minha cara. Eles não gostam de estranhos. — Por que não? — perguntou Sophia. — As pessoas daqui têm medo do que não entendem. E aqui, muitas coisas nunca são totalmente compreendidas. O aviso da tia parecia envolver mais do que apenas superstição local. Ao chegarem à praça central, a atmosfera era tensa. Os poucos moradores que circulavam vestiam roupas escuras e mantinham os olhos baixos. Não havia risos, apenas o murmúrio grave de conversas apressadas. Lady Margaret a deixou na modista, com instruções firmes: — Compre o que precisar, mas não se afaste. Estarei no boticário. Sophia assentiu, aliviada por estar longe do olhar vigilante da tia. Dentro da loja, o cheiro de tecido novo misturava-se ao de especiarias. A modista era uma mulher magra, de rosto marcado e olhos alertas. Enquanto Sophia examinava alguns xales, ela ouviu, abafada, uma conversa que vinha do fundo da loja. — ...É o terceiro em seis meses. Dessa vez, o filho do Sr. Thorne. Sumiu do celeiro sem deixar rastros. — A névoa o levou, eu digo. A névoa sempre leva os incautos. — Não é a névoa, Agnes. É ele. O Senhor da Noite voltou a caçar. O coração de Sophia acelerou. O Senhor da Noite. Ela se moveu discretamente até a porta entreaberta que dava para os fundos. — Não fale bobagens! — disse a voz da modista, em um sussurro aflito. — Isso estava adormecido há anos! — Adormecido, sim. Mas ele sempre volta. As pessoas somem por um tempo... e depois ele reaparece, e os fortes... os de bom sangue... eles somem. Sophia prendeu a respiração. Somem. O frio de Alaric. A atração dele por seu "bom sangue". — E por que ele voltou agora? — perguntou a outra mulher, a voz cheia de temor. — Não sei. Mas o ciclo começou de novo. E ninguém está seguro enquanto ele estiver acordado. Sophia recuou, sentindo o estômago revirar. Os desaparecimentos. A criatura que ela havia empurrado. Ela não tinha ideia de o quê ele era, mas sabia o que ele fazia: ele se alimentava. E o ciclo havia recomeçado com a chegada dela. O sino da porta tocou, e Sophia voltou rapidamente ao balcão. — A senhorita está bem? — perguntou a modista, observando-a. — Está pálida. — Apenas o ar… de Ravenshore. É pesado. — É a verdade. É um ar que carrega muitos lamentos. Sophia comprou um tecido qualquer e saiu apressadamente para a rua. Ela precisava encontrar Margaret e ir embora. Ela viu sua tia saindo do boticário, segurando um pequeno frasco de vidro escuro. — Está na hora de ir — disse Margaret, notando a palidez de Sophia. — O ar aqui não te faz bem. — Sim — respondeu Sophia, entrando na carruagem. — O ar aqui está cheio de histórias sobre pessoas que desaparecem. O olhar de Lady Margaret endureceu. — Fofocas de camponeses, Sophia. Eles sempre culpam a noite e a névoa por seus próprios erros. — Eles chamam de ‘O Senhor da Noite’. — Sophia encarou a tia. — Ele sumiu por um tempo e voltou, não é? E agora as pessoas somem. O silêncio de Margaret foi a única resposta. Era um silêncio denso, cheio de cumplicidade. — Alaric — sussurrou Sophia. — Ele está se alimentando, não está? Lady Margaret virou-se completamente para Sophia. Seu rosto estava inexpressivo, mas seus olhos cinzentos eram a própria essência da dor e da resignação. — Ele não é humano, Sophia. Mas ele é a tragédia desta família, condenado a Ravenshore. Eu o protejo para tentar mantê-lo quieto. — Quieto? — O horror na voz de Sophia era palpável. — Você o alimenta? Margaret desviou o olhar. — Eu tento. Com o que posso. Mas... — ela hesitou, a voz quase inaudível — ...ele é forte. E o sangue de animais não o nutre o suficiente. Por isso os desaparecimentos. Por isso ele volta a caçar. O peso da confissão caiu sobre Sophia. Sua tia, a guardiã austera da moral, era a cúmplice de um assassino não humano, tudo por um amor rejeitado que a havia levado a uma vida de isolamento e pecado. Ao passarem pelo portão da cidade, uma brisa fria soprou na carruagem. Sophia olhou para trás. No topo da colina, onde a névoa começava a se adensar, uma silhueta alta se destacava contra o céu cinzento. Imóvel. Observando. Não era um fantasma. Era a criatura que bebia a vida das pessoas de Ravenshore. E ele sabia que agora ela conhecia seu segredo mais terrível. O jogo havia mudado.






