Mundo de ficçãoIniciar sessãoSophia acordou sentindo o peso da noite pairar sobre ela, não como um sonho, mas como uma presença real. Ela estava sendo caçada. E o que era mais perturbador, parte dela queria desvendar a verdade por trás daquele caçador.
No desjejum, Lady Margaret estava ausente. A criada, apressada, informou que a senhora tinha "assuntos urgentes" no exterior. Sophia comeu sozinha, o silêncio da mansão mais audível que nunca. Ela aproveitou a ausência da tia. A curiosidade sobre Alaric e o mistério de Ravenshore era um fogo que não podia ser apagado. O retrato de Lorde Vane, com seu sorriso frio, a chamava. A biblioteca da ala leste era o destino lógico. O lugar era um sepulcro de histórias, com um odor forte de cedro e mofo. Sophia acendeu uma lanterna a óleo e começou a busca. Demorou horas. Ela procurou nos registros de terras, nos arquivos de família, até que, no fundo de uma prateleira, encontrou um volume desgastado, encadernado em veludo cinza, quase escondido. Não tinha título, apenas o relevo de uma rosa esculpida na capa. Sophia o abriu. Não era um livro, mas um álbum de desenhos e esboços a carvão. Eram paisagens de Ravenshore, cavalos e, mais notavelmente, retratos de uma jovem. Ela tateou a página, o coração batendo com um ritmo novo e estranho. A moça do desenho, traçada em tons de preto e cinza, tinha o mesmo formato de rosto de Sophia, os mesmos olhos grandes e amendoados. As madeixas desenhadas, esvoaçantes, pareciam as de Sophia quando se soltavam de seu coque. A semelhança era assustadora. Ela folheou até o final, encontrando uma única carta, solta. A caligrafia era elegante e inclinada. “Meu coração me traiu. Diana é o sol que ousa entrar em Ravenshore. E sei que a escuridão me consumirá por amá-la. A vida sem ela não tem valor, e a vida com ela está proibida. Sou um monstro, e ela, a mais pura das criaturas. Eu me retiro para a névoa, mas levo o seu rosto comigo para a eternidade.” Sempre seu, A. Diana. O nome de uma paixão proibida. Sophia entendeu: a jovem do desenho se chamava Diana e era irmã de seu pai e de Lady Margaret. Era a razão pela qual a mansão parecia chorar. E, pela assinatura, "A.", ela soube: a carta era de Alaric. Aquele homem a olhava com tanta intensidade na estrada porque via o fantasma que amou. Um som seco quebrou o silêncio. A lanterna de Sophia vacilou. Ela se levantou, tentando discernir a origem do ruído. — Quem está aí? — A voz era um sussurro trêmulo, mas firme. Nenhuma resposta. Mas a sombra sob uma das grandes mesas de leitura estava mais densa do que devia. Ela apertou o álbum contra o peito. A curiosidade venceu a cautela. Sophia deu um passo à frente. De repente, a sombra se desfez. Alaric Vane emergiu, rápido e silencioso como uma navalha na noite. Ele estava perto demais, envolto em seu sobretudo escuro. O cheiro de rosas esmagadas era forte, quase intoxicante. Seus olhos, de um negro profundo, estavam fixos nela. — Por que você insiste em desenterrar o que está morto? — A voz dele era rouca, tensa. — Por que você insiste em me seguir? — respondeu Sophia, sentindo o calor subir ao seu rosto. — Eu não te sigo, Sophia. Eu sou o guardião deste lugar. E você é… — ele hesitou, o olhar pousando na capa do álbum em suas mãos — ... a lembrança mais dolorosa que Ravenshore podia me enviar. — Diana. — Ela disse o nome com um sutil tremor. — Ela era sua amada. A irmã de meu pai. O maxilar de Alaric apertou. O silêncio era tão pesado que Sophia sentiu que ele lhe roubava o ar. — Ela era tudo que eu perdi. E você… tem o rosto dela. Sophia recuou ligeiramente, sentindo-se nua sob a intensidade daquele olhar. Ele não a via; ele via o reflexo de um fantasma. — E por isso você me observa? — Ela o desafiou, o medo se misturando a uma súbita ousadia. — Por que não se afasta, se isso lhe causa tanta dor? Alaric deu um passo à frente, e a distância entre eles pareceu evaporar. Seus olhos desceram para os lábios dela, e Sophia sentiu seu corpo inteiro vibrar. — O demônio em mim é faminto, Sophia. Ele não se afasta. Ele espera. Ele estendeu a mão lentamente, e dessa vez, não para detê-la, mas para tocá-la. O toque não veio no rosto, nem na mão, mas pousou na clavícula exposta, acima da gola do vestido. A pele de Sophia se arrepiou. O toque era gélido, o frio de um mármore eterno que se opunha à sua vida. Ela não conseguia respirar, presa pelo olhar dele. — Você tem o cheiro dela — sussurrou Alaric, a voz rouca, quase um rosnado contido. — O cheiro da pureza que me é proibida. Seu polegar se moveu levemente sobre a pele dela, e foi uma carícia tão íntima, tão cheia de promessa e perigo, que Sophia sentiu o corpo ceder, apesar da repulsa física do frio. Ele estava perto o suficiente para que ela sentisse o ar gelado exalando dele. Alaric se inclinou. Sophia fechou os olhos, sentindo a inevitabilidade daquele contato. Ele roçou o canto da boca dela, o toque frio como o de uma nevasca. A atração era avassaladora, mas a moralidade imposta pela época e o instinto de preservação venceram. Sophia levou as duas mãos ao peito dele e o empurrou com toda a força, recuando um passo cambaleante. — Não! — Ela ofegou, a voz embargada, mais de confusão do que de pavor. A repulsa de Sophia quebrou o transe de Alaric. Ele recuou também, os olhos vermelhos e desesperados. — O sangue de Diana te salva, Sophia. Por enquanto. Ele virou-se, desaparecendo na sombra mais profunda do corredor com a velocidade da f fumaça. Sophia estava ofegante, as mãos no pescoço, onde o toque frio dele ainda estava marcado. Ela era virgem, pura, e a linha tênue do que era permitido havia quase sido quebrada. Naquele fim de tarde, Lady Margaret voltou, silenciosa e pálida. Ela se moveu com uma urgência contida, e a observação de Sophia se aguçou. Margaret foi diretamente para a despensa, pegou uma travessa de prata embrulhada em linho e, com um olhar furtivo, caminhou para o porão, onde uma porta de ferro enferrujada permanecia sempre trancada. Ela não trancou Alaric, ela o sustentava. Seu amor não correspondido a tornava uma colaboradora. Sophia sabia que não podia ficar ali. Mas o frio daquele toque a impedia de ir embora. Ela era a isca, e a presa. E ela não tinha certeza se queria que o caçador a libertass






