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Capítulo 3 — A Névoa Sobre Ravenshore

A luz cinzenta da manhã filtrava-se pelas cortinas pesadas, um pálido espectro de sol tentando romper a neblina que envolvia Ravenshore.

Sophia despertou com o som distante de passos no corredor e o estalar do fogo já aceso na lareira — alguém havia estado ali antes que ela abrisse os olhos.

Por um momento, ficou imóvel, tentando lembrar se havia sonhado. O peso no peito, o frio na nuca, a sensação de ser observada… tudo parecia tão real.

Ergueu-se lentamente, sentindo o lençol ainda frio, e notou algo que a fez prender a respiração: pequenas marcas de lama no chão de madeira, perto da porta. Alguém estivera ali.

Ela se ajoelhou, tocando o vestígio quase seco. As marcas eram grandes, muito maiores que as de uma mulher — e terminavam abruptamente, como se o dono dos passos tivesse se desfeito no ar.

Engoliu em seco.

Antes que pudesse pensar mais, alguém bateu à porta.

— Senhorita Halloway? — a voz da criada era gentil, mas tensa. — Lady Margaret pediu que descesse para o desjejum.

Sophia respirou fundo, afastando os pensamentos. Talvez fosse só o cocheiro… ou alguém da casa. Talvez.

Vestiu-se rapidamente: um vestido azul-acinzentado, simples, e prendeu os cabelos ruivos em um coque frouxo. O espelho devolveu-lhe um reflexo pálido — seus olhos verdes pareciam mais vívidos que nunca, mas havia neles algo de inquieto, como se parte da noite ainda vivesse dentro dela.

O corredor estava silencioso quando saiu. As paredes eram forradas de tapeçarias antigas — cenas de caçadas, figuras medievais e castelos envoltos por tempestades. Cada quadro parecia observá-la ao passar.

Quando desceu as escadas, o ar estava frio e cheirava a incenso e madeira queimada.

Lady Margaret esperava à cabeceira da mesa do salão de refeições, impecavelmente vestida em tons de vinho e negro. O cabelo, já grisalho, estava preso num coque severo. À frente, o chá fumegava em uma porcelana fina.

— Dormiu bem, minha querida? — perguntou com um sorriso contido.

— Acho que sim… — respondeu Sophia, hesitante. — Ou, ao menos, tentei.

— A mansão pode ser estranha nas primeiras noites. — A tia levou a xícara aos lábios. — Alguns dizem que Ravenshore sonha junto de quem dorme sob seu teto.

Sophia forçou um sorriso. — Sonhos podem parecer bem reais, às vezes.

— Sim… especialmente aqui. — O olhar de Margaret pousou sobre ela de um jeito que parecia atravessá-la. — Ouvi que você chamou por alguém durante a madrugada. Um nome masculino.

Sophia se sobressaltou.

— Eu… não me lembro de ter dito nada.

— Deve ter sido o vento, então — disse a tia calmamente, voltando-se para o prato. — Ele costuma sussurrar nomes que não pertencem a este tempo.

O silêncio que se seguiu foi denso. Sophia abaixou os olhos, mexendo o chá sem vontade. Sentia que Lady Margaret sabia de algo — algo que não dizia, talvez por piedade, talvez por medo.

Depois do café, Sophia decidiu explorar a casa.

A mansão era imensa, quase labiríntica, feita de corredores estreitos, portas trancadas e janelas altas cobertas por cortinas pesadas. O ar ali parecia preso, como se o tempo tivesse parado há séculos.

Em alguns cômodos, a poeira se acumulava sobre móveis cobertos por lençóis; em outros, o brilho das velas parecia recente demais para uma casa tão antiga.

Quando passou por uma galeria de retratos, parou diante de um em particular.

O homem retratado tinha feições marcantes, olhos escuros e profundos, e um meio sorriso que a fez estremecer.

A placa dourada abaixo dizia apenas: “Alaric Ravenshore, 1782.”

O sangue gelou em suas veias.

Aquele nome. Aquele olhar.

Era o mesmo homem da estrada — ela tinha certeza.

— Belo retrato, não acha? — disse uma voz atrás dela.

Sophia se virou bruscamente. Era Lady Margaret.

— Ele… é da família?

— Foi. — A tia pousou uma mão leve sobre o quadro. — O último herdeiro legítimo de Ravenshore. Morreu há muito tempo… ou assim dizem.

— Ou assim dizem? — repetiu Sophia, baixinho.

Margaret sorriu com uma ironia quase triste. — Em Ravenshore, minha cara, poucas coisas morrem de verdade.

E antes que Sophia pudesse perguntar mais, a mulher se afastou pelo corredor, deixando para trás apenas o som de seus passos lentos e o eco de algo que parecia uma advertência.

---

À tarde, o nevoeiro cresceu. O jardim, visto da janela, parecia um mar de brumas, onde estátuas cobertas de musgo emergiam como fantasmas.

Sophia tentou ler, mas as palavras não faziam sentido. A cada sombra que se movia, seu coração acelerava.

Por fim, decidiu sair até o salão principal. A lareira estava acesa, e o fogo lançava reflexos dourados sobre o piso negro.

Foi então que o sentiu — o mesmo arrepio da noite anterior.

O ar pareceu se alterar, tornando-se mais denso, mais vivo.

Ela se virou devagar.

No limiar entre as chamas e as sombras, ele estava lá.

O homem do retrato. O homem da estrada.

Alaric.

Vestia um sobretudo escuro, como antes, mas agora sem o capuz. A pele era pálida demais para o dia, e os olhos — profundos, insondáveis — pareciam observar não apenas o corpo dela, mas algo além, como se a enxergasse por dentro.

— Eu… pensei que fosse um sonho — murmurou Sophia.

— Talvez seja. — A voz dele soou quase um sussurro, rouco e suave, como veludo rasgado. — Ou talvez você ainda não tenha acordado.

Ela deu um passo para trás, mas ele avançou, calmo, seguro, o olhar preso ao dela.

— O que é você? — perguntou, tentando manter a voz firme.

Um leve sorriso cruzou os lábios dele. — Algo que sua tia preferiu esquecer.

Sophia sentiu o corpo estremecer.

— Está… me seguindo?

— Eu apenas estava aqui. — Ele inclinou levemente a cabeça. — Você é quem me viu.

O silêncio se alongou. O fogo crepitava entre eles, e por um instante, a luz desenhou os contornos do rosto dele — belo, cruel e quase etéreo.

Ela percebeu que não respirava.

Ele se aproximou mais um passo.

— Deveria ter ficado longe de Ravenshore — disse Alaric, a voz agora mais baixa. — Este lugar consome o que ama.

— E por que está me dizendo isso? — sussurrou Sophia.

Os olhos dele escureceram ainda mais, quase líquidos.

— Porque ainda há tempo de fugir. E porque… — ele hesitou, como se lutasse contra a própria vontade — …eu não sei o que farei se você ficar.

A confissão pairou no ar como um feitiço.

Sophia sentiu o coração bater com força. Por um instante, ela esqueceu o medo — e o mundo pareceu girar em torno daquele olhar.

Mas quando piscou, ele já não estava mais lá.

Apenas o fogo tremulava, e o perfume leve de rosas queimadas preenchia o ar.

Ela se sentou, trêmula, as mãos frias, sem saber se aquilo fora real.

Mas ao baixar o olhar, viu sobre a mesa uma única pétala vermelha, fresca, intacta.

E lá fora, na névoa que cercava Ravenshore, algo se movia com a graça do vento e o poder do pecado.

---

Naquela noite, Lady Margaret escreveu uma carta com caligrafia firme:

> “Ele voltou.”

Dobrou o papel, lacrou com cera negra e o entregou ao criado.

Enquanto isso, no andar de cima, Sophia adormecia lentamente, sonhando com olhos escuros e um toque que ainda não havia sentido — mas que parecia inevitável, como o destino.

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