Nunca subestime o poder destrutivo de um simples copo de vidro.
Tudo começou com um copo. Inofensivo. Transparente. Com uma rachadura minúscula que eu não percebi até ouvir o crack e, em seguida, sentir a água gelada escorrer pela minha blusa branca recém-lavada. — Ai, merda! A poça no chão crescia, e o copo, agora em pedaços, parecia rir da minha cara. A cozinha virou uma cena de crime. Um crime contra a minha sanidade. — Tá tudo bem aí? — a voz de Caio veio do corredor, onde ele provavelmente fazia seus abdominais perfeitos ou se admirava no espelho. Ou os dois. — Tá ótimo — respondi, agachada com um pano de prato na mão e uma poça se espalhando em volta. — Só um leve ataque de nervos e possível hemorragia causada por vidro. — Hemorragia? Em segundos ele apareceu, sem camisa. Claro. Porque Caio Moreno não usa camisetas dentro de casa. Ele existe em estado de seminudismo constante. Os músculos definidos, a pele bronzeada, a tatuagem discreta no ombro esquerdo — tudo nele parecia feito para desconcentrar qualquer tentativa de racionalidade. — Eu disse possível. Ainda não sei se cortei o pé ou a dignidade. — Deixa eu ver. — Caio, eu tô literalmente sentada numa poça de água e você tá sem camisa. Tá achando que isso aqui é um comercial de perfume? — Pode ser, se você quiser — ele sorriu, agachando-se ao meu lado. — Qual seria o nome? “Caos & Desejo”? — Mais pra “Socorro & Vassoura”. Ele riu, pegando os pedaços maiores do copo com uma delicadeza que não combinava nada com aquele tamanho de mão. — Levanta, vai. Eu limpo aqui. Você parece... um gato molhado. — Obrigada, isso foi poético. Quando tentei levantar, meu pé escorregou no piso molhado e, claro, eu caí direto em cima dele. Sim. Em cima dele. Não metaforicamente. Literalmente. Minha mão foi parar no abdômen dele — firme como um balcão de mármore aquecido — e meu joelho no meio das pernas dele. Ele prendeu o ar. Eu congelei. — Foi mal! — exclamei, tentando me afastar, mas meu outro joelho escorregou também, e acabei ainda mais colada nele. Nossos rostos estavam a poucos centímetros. Podia sentir a respiração dele contra minha boca. Quente. Lenta. — Lara... — ele murmurou, com aquele tom baixo que fazia tudo dentro de mim virar líquido. — Isso não tá acontecendo — sussurrei, sem coragem de olhar nos olhos dele. O pior era saber que o meu corpo não estava nada revoltado com a situação. Muito pelo contrário. Meu coração estava dançando funk no peito. — Acho que você me deixou sem ar — ele brincou, mas a voz estava rouca, diferente. Ficamos ali por um segundo a mais do que seria aceitável para dois colegas de quarto que supostamente se odeiam. Um segundo em que tudo pareceu parar. Até o tempo. Até o juízo. Até que ele quebrou o momento. — Quer... me dar licença? Eu ainda gostaria de ter filhos algum dia. Soltei uma risada nervosa e finalmente me afastei, toda molhada, descabelada e com a alma parcialmente vendida ao diabo chamado Caio. — Isso foi... constrangedor — murmurei. — Foi educativo. Agora sei que você pesa menos do que parece. — E eu sei que você é ainda mais insuportável de perto. Ele sorriu, e eu juro que senti uma faísca entre nós. Uma daquelas que antecedem uma explosão. — Você devia trocar essa blusa — ele disse, com um olhar rápido e não tão inocente. — Tá completamente transparente. Só aí me dei conta: a água tinha deixado o tecido colado no meu corpo. Meu sutiã preto estava praticamente em exposição. Corri para o quarto, trancando a porta com o coração disparado e a mente a mil. Naquela noite, tentei esquecer o que aconteceu. Assisti um filme, ouvi música, até tentei meditar. Mas toda vez que fechava os olhos, lá estava ele. Aquela respiração perto da minha boca. Aqueles olhos escuros demais. O cheiro do sabonete dele. E aquele maldito sorriso de quem sabia exatamente o que fazia comigo. Ele era um babaca. Um insuportável. Um provocador nato. Mas, pior do que tudo, ele era perigosamente atraente. E pela primeira vez, comecei a pensar que dividir um teto com Caio Moreno podia ser um teste — não de paciência, mas de resistência física e emocional. Um teste que eu não estava nada confiante de que conseguiria passar.