Nosso adeus

Beatriz

Não consegui dormir nada essa noite. Nem o remédio que tomei fez efeito, devo ter cochilado por, no máximo, uma hora.

Levantei-me e fui até o banheiro fazer minha higiene pessoal. Tomei um banho rápido e vesti algo leve: uma regata branca, um shorts de malha azul e meu tênis de corrida. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo. Quando conferi o relógio, eram exatamente seis da manhã.

Fui para a cozinha, preparei um café forte e levei a xícara aos lábios. No segundo gole, meus olhos encontraram os dele. Ele vinha da sacada, caminhando em minha direção, com o semblante cansado. Ouço dizer que ele dormiu na rede… e pelos olhos dele, abatidos, tristes como os meus, dava para imaginar que não dormiu quase nada.

Disse apenas que iria tomar banho e depois sair. Assenti e bebi mais um pouco do café, deixando a xícara sobre a bancada que divide a cozinha da sala. Fiquei ali, em silêncio, presa aos meus próprios pensamentos.

Apesar de hoje termos dinheiro, crescemos na simplicidade. Nunca nos importamos com luxo, queríamos apenas uma vida confortável, tranquila... Pedro sempre estudou em boa escola, tínhamos roupas boas, mas a essência sempre foi a mesma: simplicidade. Eu nunca quis uma empregada 24 horas. A Eunice vem três vezes na semana e isso sempre bastou. Eu gostava de cozinhar, sempre preparei nossas refeições. Não trabalho fora desde que Pedro nasceu. Minha profissão era chef de cozinha, e eu estava só começando quando deixei tudo por amor à minha família. Não me arrependo. Faria tudo de novo. Mas… talvez agora seja hora de recomeçar de onde parei.

Abri as janelas da sala para deixar o sol e o ar fresco entrarem. Quando voltei, lá estava Marcelo, parado próximo à porta, uma mala ao chão. A cena fez minha espinha se arrepiar. Minhas pernas ficaram fracas, um frio lento percorreu meu estômago. Era como se eu já soubesse o que estava por vir.

Engoli seco. Ele quebrou o silêncio.

— Eu vou pro outro apartamento… — disse, firme, mas com a voz embargada. — Não posso ficar aqui te vendo todos os dias sem poder te tocar. Eu não suporto isso. Se é pra gente se separar, que seja logo. Me arrependi muito do que falei ontem. Eu estou quebrado, Beatriz. Eu sei que errei, que falhei com nossa família… mas você não quer me ouvir. Então eu vou. Acho que vai ser melhor assim.

Fiquei muda. Paralisada.

Ele respirou fundo antes de continuar:

— Mas… ficaria feliz se ao menos hoje você fosse comigo ao coquetel do Manfred. Ele está no Brasil, trouxe novidades sobre decoração ao ar livre… e quer muito que você vá.

Manfred era nosso grande amigo. Assim como nós, veio de origem humilde. Criado numa fazenda no interior de São Paulo, avós alemães, vida difícil… estudou, lutou, e hoje é um dos maiores arquitetos do mundo.

— Sim. Eu vou com você — respondi.

Ele se aproximou lentamente. O olhar triste, arrasado… doía encará-lo. Sua mão tocou meu rosto com delicadeza, o polegar traçando um carinho que quase desfaz meu ar. Fechei os olhos quando ele inclinou o corpo e depositou um beijo demorado na minha testa. Senti a barba roçar minha pele, a respiração falhar, o coração disparar.

— Eu amo você, Beatriz. Nunca se esqueça disso — murmurou, olhando direto nos meus olhos. — Às dezoito horas passo para te buscar.

Assenti. Ele pegou as malas e saiu.

Quando a porta se fechou, minhas pernas cederam. Afundei no chão e chorei... chorei como se estivesse vazando por dentro. Por que sou tão teimosa? Tão orgulhosa? Por que não corri atrás dele? Eu o amo. Por que não tentar de novo?

O toque do telefone me despertou.

— Alô? Oi, pai…

— Filha, o que aconteceu? Tentei te ligar o dia inteiro ontem, mas seu celular só dá caixa postal. Aconteceu alguma coisa?

— Ai, pai… devo ter deixado no carro. Deve estar descarregado.

— Você está bem? Sua voz está estranha.

— Pai… minha vida acabou.

— Pare com isso! O que aconteceu, menina? Quer vir almoçar comigo? Vou fazer aquele macarrão que você ama.

— Vou sim. Eu ia correr, mas estou precisando do seu colo. Já já estou aí.

Desci, entrei no carro e segui para a casa do meu pai,não muito longe, uns vinte minutos. Seu Jaime, policial aposentado, quase dois metros, negro, olhos verdes, sempre forte, sempre charmoso. Sessenta e dois anos e uma presença que impõe respeito e carinho ao mesmo tempo.

Ele nunca mais se casou depois da morte da minha mãe. Tivera algumas namoradas, mas sempre dizia que dona Luiza era o amor da vida dele, sua “cisne”.

Quando cheguei, ele estava com uma regata branca, bermuda preta e chinelos, suado de tanto mexer na horta — a horta da minha mãe.

Ali estavam todos os temperos que ela amava cultivar… e talvez minha paixão pela cozinha tenha começado ali.

―Pai que saudades... digo o abraçando.

―Pois então minha filha, faz quase uma semana que você não vem aqui né?!

rimos...

A casa dele sempre impecável, cheia de fotos: minhas, do Pedro, da mamãe. Uma grande foto dela enfeita a sala, morena clara, cabelos longos ondulados, olhos negros profundos… uma verdadeira garota de Ipanema. Minha memória dela é feita de flashes, especialmente dos dias em que a doença a consumiu. Sempre que venho aqui, esses flashes voltam, e meu peito aperta.

Enquanto arrumávamos a mesa, contei tudo ao meu pai. Ele ouviu, suspirou e disse que lamentava… mas que só eu podia decidir. E que, se fosse ele, daria mais uma chance ao casamento.

“Um amor assim não se j**a fora”, ele disse.

O almoço foi leve, acolhedor. Ficamos conversando sobre tudo um pouco e logo ele traz aquele macarrão que eu amo com frango e bastante queijo, meu ponto fraco

―Ah, seu Jaime isso é golpe baixo viu! Quer que eu saia da dieta mesmo né? Isso não vale.

―Mas você está parecendo um palito Beatriz, que dieta o que garota. Come,come tudo.

―SIM SENHOR!!! falo auto batendo continência.

Quando olhei o relógio, quase cinco da tarde.

— Pai, eu preciso ir. Tenho um compromisso com o Marcelo.

— Ué? Não vão se separar? — disse ele, zombando.

— Pai… por favor.

— Tá bom, tá bom. Mas manda o Manfred vir aqui que faço aquele bobó de camarão pra ele. Em qual casamento ele tá agora? No décimo?

— Pai! — comecei a rir — Tadinho! Deixa ele...

Nos despedimos. Ele me abraçou forte, beijou minha cabeça.

— Te amo pra vida toda, minha pequena cisne. Se cuida...

Saí dali com o coração apertado, mas um pouco mais forte. Meu pai ficou parado no portão, olhando para mim com aquele misto de amor e preocupação que só ele sabe ter.

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