Presente.
Christopher
O som do piano e da guitarra de November Rain ecoava pelos meus fones de ouvido enquanto eu encarava a tela do celular. Havia acabado de falar com meu tio James. Sua voz tranquila ainda ecoava na minha mente.
— Você não precisa carregar isso sozinho, Christopher. Se quiser passar um tempo aqui em Portland, você sabe que será bem-vindo. — Disse meu tio, irmão da minha mãe, que mora em Portland, Oregon.
Eu adorava ir para lá, não só pelos parques, zoológicos e belezas naturais, mas também pela cena artística vibrante. Para alguém apaixonado por natureza e arte, como eu, Portland é o lugar perfeito. Suspirei, sentindo um nó se formar na garganta. Tio James sempre foi diferente dos meus pais. Enquanto eles viviam obcecados por status e aparências, ele escolheu uma vida mais simples, mais autêntica. Era isso que eu precisava: um refúgio. Um lugar onde pudesse escapar da pressão constante, das expectativas sufocantes e do mundo artificial em que eu cresci.
Fechei os olhos por um momento e encostei a cabeça na cabeceira da cama. Meus amigos – ou pelo menos aqueles que se diziam meus amigos – não passavam de oportunistas. Eles não me procuravam por quem eu era, mas pelo que eu representava: o herdeiro da PetroMiller. Era sempre o mesmo discurso, o mesmo sorriso falso quando tentavam tirar vantagem. Minha mãe não ajudava. Para ela, o que importava era me ver casado com alguma filha de suas amigas ricas e fúteis, criando uma aliança estratégica para a "família perfeita". Eu sabia que não era por amor ou felicidade; era apenas mais um jogo de poder, uma negociação disfarçada de preocupação maternal.
Sou herdeiro de uma das empresas mais ricas dos Estados Unidos, a PetroMiller. Meu pai, David Miller, é um magnata do petróleo, com contratos em diversos países, e espera que eu assuma seu posto quando ele se aposentar. Porém, minha verdadeira paixão é a arte. Amo pintar, e nossas discussões sempre giram em torno disso.
Queria cursar faculdade de Artes, mas ele insiste que eu estude Administração para assumir o lugar que me espera em seu império. Não é que eu despreze a empresa ou o legado de nossa família, mas gostaria de poder escolher meu destino. Queria, pelo menos, ter a oportunidade de me dedicar à pintura antes de ser engolido pela responsabilidade de liderar uma empresa do porte da nossa, onde minha vida será totalmente consumida, como acontece com a vida do meu pai.
O grande David Miller nunca teve tempo para a família; sua vida é unicamente dedicada à empresa. Minha mãe, Mary Miller, não se importa muito, já que ele a compensa com joias, festas e viagens. Contudo, para mim, foi difícil crescer sem um pai presente e com uma mãe que só se preocupa com as superficialidades da vida. Só queria ter pais que me amassem e me colocassem como sua prioridade.
Já tenho 21 anos e sou maior de idade aqui nos Estados Unidos, mas ainda não tenho autonomia para nada. Nossa residência principal fica em Chicago, Illinois, mas temos casas em Nova York e Los Angeles. Minha mãe passa mais tempo em Nova York com suas amigas milionárias, enquanto eu fico em Chicago com meu pai, tanto por causa da sede da empresa quanto por nossa família, que vive na cidade.
Suspirei, deixando o celular de lado e me perdendo ainda mais nos pensamentos conflitantes. A conversa com meu tio sempre trazia uma mistura de conforto e melancolia. Ele era a única pessoa em quem eu confiava para desabafar sobre as pressões da minha vida. Meus pais nunca entenderam quem eu realmente sou.
Olhei para a porta do quarto, que estava entreaberta. A luz do corredor iluminava parcialmente o tapete, e eu podia ouvir o som abafado da televisão no andar de baixo. A ideia de descer e pedir ao meu pai alguns meses na casa do tio James me deixava ansioso. David Miller não era um homem de aceitar argumentos facilmente, ainda mais quando envolviam algo que não se alinhasse aos planos que ele traçara para mim.
Apertei os olhos e voltei a me deitar na cama, tentando lembrar por que as coisas tinham se tornado tão sufocantes. Minha infância estava repleta de aniversários solitários, com meu pai sempre ocupado em eventos ou reuniões, e minha mãe preocupada demais com festas e aparências. Uma lembrança específica me veio à mente: meu aniversário de 12 anos.
O som do relógio de parede marcava cada segundo, ecoando no enorme salão vazio. Sentei-me no sofá de couro escuro, com o bolo ainda intacto sobre a mesa de centro. Era meu aniversário de 12 anos e, pela quarta vez consecutiva, meu pai não estava presente.
Minha mãe desceu as escadas vestindo um vestido preto justo, com joias que brilhavam como se fossem estrelas, e me olhou rapidamente.
— Seu pai ligou. Ele está em uma reunião importante. Não pode vir hoje.
Fiquei parado, tentando processar as palavras dela, como se ainda houvesse a possibilidade de que ela estivesse enganada. Mas eu sabia a verdade: ele nunca vinha.
— Não importa — murmurei, empurrando o bolo para o canto da mesa.
— Ele é um homem ocupado, Christopher. Alguém precisa trabalhar para pagar por tudo isso — disse ela, gesticulando para a sala luxuosa ao nosso redor. Em seguida, virou-se e saiu pela porta da frente, provavelmente para algum evento social irrelevante.
A partir daquele dia, entendi que sempre estaria sozinho. Cresci cercado de luxo: mansões, carros de luxo, viagens internacionais. Mas nada disso preenchia o vazio que o abandono constante dos meus pais deixava.
Bufei com raiva que a lembrança me trouxe. Bati levemente na lateral do celular, hesitante.
Será que meu pai ouviria o que eu tinha a dizer desta vez?
Será que ele me deixaria ir, ou acharia isso mais uma desculpa para fugir das minhas responsabilidades?