Fiquei surpresa. Ele achava que eu estava com ciúmes?
Ciúmes por causa do que tinha acabado de acontecer?
Claro, pensando bem, do jeito que eu sempre fui, submissa, tentando agradar ele o tempo todo. Qualquer um diria que eu era completamente apaixonada por Thales.
Mas não era sobre ele.
Qualquer um que estivesse ao meu lado, ocupando aquele lugar, teria recebido o mesmo cuidado. Eu sempre fui assim.
Até mesmo Vitória, que até então só assistia a essa palhaçada de camarote, se desesperou quando ouviu que eu ia vender minhas ações. Resolveu se meter, nervosa:
— Srta. Cecília, se você realmente se incomoda tanto com a minha presença, eu posso sair da empresa. Juro que nunca mais apareço na frente do Thales. Isso basta pra você? Não deixa que o ciúme obscureça sua mente!
Aquilo me desconcertou. Thales dizendo que era ciúmes, vá lá, até fazia sentido na cabeça dele.
Mas por que Vitória estava dizendo isso? Será que ela esqueceu que foi a própria beneficiada quando troquei os nomes no contrato de casamento?
Eu mesma mandei ajustar o vestido de noiva às medidas dela. Ela sabia disso.
Antes que eu pudesse pensar melhor, Thales arrancou meu celular da mão e o enfiou na minha cara.
Com uma frieza que eu nunca tinha ouvido em sua voz, ordenou:
— Apague o contato do corretor. Agora. Se você fizer isso, ainda posso te perdoar. Senão, o casamento está cancelado.
Peguei o celular, o olhar cheio de sentimentos confusos enquanto encarava Thales.
Idiota. Mesmo que eu tivesse apagado, ainda poderia entrar em contato com aquela pessoa de novo, não poderia?
Mas, por causa do meu coração, não podia me irritar.
Então, pra não o alarmar, engoli o desconforto e fiz tudo exatamente como ele mandou — ali, na frente dele.
Vendo que eu obedecia sem questionar, Thales finalmente relaxou e suavizou o tom:
— Cecília, não fica imaginando coisa. Se eu não te amasse, acha mesmo que teria me casado com você? O que você disse hoje me magoou de verdade.
Ele fez uma pausa e, em seguida, completou:
— Eu e a Vitória vamos passar um tempo fora. Enquanto isso, aproveita pra refletir. Não quero ver você assim de novo.
Vitória o seguiu até a porta e, antes de sair, ainda teve a ousadia de me lançar um comentário como se fosse um favor:
— Até que enfim entendeu o seu lugar.
A porta se fechou com um rangido seco, e fiquei ali, parada, sozinha.
Soltei um suspiro. Desde que meu pai se foi, eu já devia ter entendido: nesse mundo, a única pessoa em quem se pode confiar é em si mesma.
Depois de uma noite de descanso, entrei novamente em contato com a corretora.
As ações que eu tinha não eram pouca coisa. Dentro da empresa, os outros acionistas estavam de olho, e até gente de fora, que nem fazia parte do quadro, cobiçava.
Não demorou muito para alguém oferecer o dobro do valor de mercado.
Se esperasse um pouco mais, podia conseguir um preço ainda maior.
Mas eu não queria esperar.
Não queria mais ver os dois desfilando aquele romance barato bem diante de mim.
Assim que o dinheiro caiu na conta, paguei a corretora e providenciei os trâmites pra sair do país.
Durante a semana de espera pelos documentos, fui transferindo os fundos, pouco a pouco, para fora.
Thales, como havia dito naquele dia, manteve o “castigo”: não me procurou nenhuma vez.
No dia da viagem, depois de arrumar a mala, tirei a foto da minha família da parede. Estava prestes a guardar ela quando a porta foi arrombada com um chute violento.
Thales entrou furioso, e me atacou com uma enxurrada de acusações:
— Cecília! Você se superou! Só porque eu te deixei de lado por uns dias, resolveu fazer birra? Tem ideia da humilhação que foi passar essa semana inteira atrás de dinheiro?
— Achei que fossem aqueles acionistas tentando se juntar pra vender as ações e me tirar da presidência!
— Mas era você!
Por um instante, até me espantei. Mas logo entendi.
Se Thales quisesse continuar como presidente, precisava comprar as minhas ações. Se caíssem na mão de qualquer outro, ele perderia o controle. E como eu estava prestes a ir embora, não queria transformar aquilo numa cena ainda pior.
Então tentei acalmar ele, com a voz o mais tranquila possível:
— Eu entreguei a empresa. Está tudo resolvido, não está? Todos saem ganhando. E, além disso, esse dinheiro era pra tratar da minha doença.
Minha condição tinha cura.
Mas eu sempre achei que a empresa estava passando por dificuldades, e acreditava que Thales já carregava um peso enorme por minha causa. Nunca tive coragem de pedir uma quantia tão alta pra ele.
O que eu nunca imaginei era que, pra ele, tudo que era meu já pertencia a ele por direito.
Até um estranho teria mais cuidado com alguém doente do coração. Mas ele, só pra conseguir o que queria, nem pensou no meu estado.
Simplesmente arrancou a foto da minha família das minhas mãos.
— Ainda bem que você me lembrou. Cecília. — Disse ele, com frieza.
Estalo seco.
Thales atirou o porta-retratos no chão e, sem o menor remorso, tentou arrancar a foto de dentro.
Arregalei os olhos, em choque.
Aquela era a única foto que eu tinha com meus pais. A única.
Senti o sangue subir, o peito apertar, mas ignorei tudo e me joguei sobre o braço dele, tentando impedir, com a voz embargada:
— Thales! Você enlouqueceu?
Ele nem se mexeu.
Apenas tirou um contrato de transferência de bens, claramente preparado com antecedência, junto com uma caneta preta, e colocou os dois na minha frente.
— Assine.
Diante do meu silêncio, ele soltou uma risada cínica:
— Então é isso. Parece que só apanhando você aprende a obedecer.
Mas não era que eu não queria responder. Minha garganta apertava, mal conseguia respirar.
E mesmo assim, como se fosse pouco, ele rasgou a única lembrança que eu tinha dos meus pais.
Disse que era pra me dar uma lição.
Não tive tempo de chorar. Só consegui cair de joelhos aos pés dele, o corpo fraco, a visão escurecendo.
O instinto de sobrevivência me obrigou a abrir a boca:
— Meu remédio... Me dá o remédio...
Ele enfiou a caneta na minha mão.
E, com um tom gelado:
— Assine. Eu dou o remédio.