Depois de organizar todos os detalhes do casamento, troquei o nome da noiva por Vitória.
Ela veio me pedir o Thales de volta, que ficasse com ele. Fiz questão de abrir caminho.
Já que escolheram o amor, que fiquem só com isso, a empresa, não.
Vendi todas as minhas ações e fui embora sem olhar pra trás.
Mas me digam, meus caros. Sem as minhas ações, será que esse "amor verdadeiro" ainda se sustenta?
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— Srta. Cecília, tem certeza de que quer mesmo trocar o seu nome pelo de outra pessoa?
— Tenho.
Assim que saí do hotel, olhei pro céu claro e, pela primeira vez em muito tempo, senti como se tirassem um peso enorme das minhas costas. Me livrei da sombra que ameaçava me assombrar pelo resto da vida.
No contrato de casamento, risquei meu nome, Cecília Medeiros, e escrevi o de Vitória no lugar.
Pouco antes disso, recebi uma mensagem dela, quase um apelo.
Disse que era o primeiro amor do Thales.
Que, se não fosse pelo desejo do meu pai em seu leito de morte — entregar a gestão da empresa ao Thales sob o pretexto de cuidar de mim —, os dois nunca teriam se separado. E ele nunca teria aceitado se casar comigo.
Anexou à mensagem algumas fotos deles juntos. Na cama. Recentes.
Por sorte, o gerente do hotel estava por perto quando abri.
Se não fosse por isso, acho que teria tido outra crise no coração ali mesmo.
Quando acordei da última crise, tudo ficou claro.
Os cinco anos de amor sem sequer um toque, não tinham nada a ver com a minha doença. Ele só estava se guardando. Por ela.
Foi aí que peguei o celular e mandei uma mensagem de volta, dando a boa notícia.
Se eles achavam que eu era o obstáculo no caminho do amor verdadeiro, tudo bem. Que ficassem juntos, então. Eu faria questão de sair da frente.
Meus cinco anos de dedicação tinham sido reais. Mas a mentira, pesada demais, me sufocava.
E, com o corpo fraco do jeito que estava, eu sequer podia me dar ao luxo de me vingar.
Só me restava ir embora.
Decidi vender todas as ações que tinha no Grupo Lumiar, pelo preço de mercado mesmo.
Com o dinheiro, ia sair do país e procurar os melhores médicos pra tratar do meu coração.
Daquele dia em diante, viveria só por mim.
Quando terminei de resolver tudo, já era noite fechada.
A casa estava às escuras, silenciosa.
Pensei que Thales tivesse ficado no escritório até tarde, como de costume. Mas, assim que abri a porta, fui recebida por uma visão que tirou o pouco de ar que ainda me restava. Um homem e uma mulher saíram do quarto às pressas, com as roupas amassadas e o rosto em pânico.
Thales.
Vitória.
Meus olhos pousaram no borrão de batom no canto da boca dele. Fingi que não vi.
— Voltei.
Ele nem conseguiu me encarar. Desviou os olhos, mas manteve aquele tom macio, falso, que já conhecia tão bem:
— Desculpa. Achei que você não fosse voltar hoje. Chamei a Vitória pra conversar sobre umas coisas do trabalho.
Houve uma pausa curta, e ele continuou:
— Você sabe como a empresa tá puxada, e com a sua saúde, não tem muito como me ajudar. Tive que contar com outra pessoa.
Antes, ouvir isso me deixava com o coração apertado.
Achava que era culpa minha e do meu pai ele carregar aquele peso todo sozinho. Então, me esforçava pra compensar.
Quando ele trazia a Vitória aqui pra “resolver pendências”, eu preparava chá e servia.
Quando os dois ficavam até tarde no escritório, eu levava comida, calculando o horário certinho.
Até que aceitei transferir todas as minhas ações depois do casamento. Aí ele passou a se achar o verdadeiro dono da empresa.
E comigo, deixou de fingir.
Nessa altura, eu era quase uma empregada dos dois.
Se não fosse a própria Vitória abrir meus olhos, eu ainda estaria vivendo naquela fantasia.
Respirei fundo. Senti o cansaço bater lá no fundo do peito.
Eu não queria mais me prestar a esse papel.
Olhei pra ele e disse, com um meio sorriso:
— Limpa esse batom aí.
Se é pra atuar, que pelo menos atuem direito.
Quando o encanto do amor que me cegava se quebrou, olhar pra ele já não me causava mais sentimento algum.Thales ficou paralisado por um segundo, esfregou o canto dos lábios.
Ao ver a mancha vermelha bem no dorso da mão, congelou no lugar.
Fui até a cozinha e me servi de um copo d’água, tentando clarear a cabeça.
Talvez minhas palavras o tenham provocado, porque logo em seguida ele veio atrás de mim, aflito, tentando se explicar:
— Cecília! Não é o que você tá pensando! Não entende errado... entre mim e a Vitória não tem nada! Isso foi um acidente, só esbarrou em mim!
Levantei os olhos e encarei aquele rosto cheio de pânico, tentando se justificar depois de ser pego no flagra.
Por um momento, cheguei a me perguntar se ele fazia aquilo por gratidão ao meu pai, por tudo que ele lhe proporcionou, ou se, no meio de tanta mentira, acabou desenvolvendo algum sentimento verdadeiro por mim, mesmo que confuso e escondido.
Mas agora eu sabia a resposta. Não era nem uma coisa nem outra.
Ele só queria a empresa.
Diante do meu silêncio e do meu rosto impassível, Thales pareceu entender tudo errado. Achou que, como sempre, eu acreditaria em qualquer coisa que ele dissesse.
E então teve a ousadia de fazer um pedido:
— Já que a gente vai se casar mesmo, transfere logo suas ações pra mim.
Continuou:
— Seu pai deixou a maior parte das ações com você, por isso eu não tenho força nas reuniões de conselho. Essa decisão é importante pra empresa, você entende, né?
E lá vinha ele de novo, bancando o homem cansado que só queria me dar uma vida melhor, o mesmo teatro de sempre.
Mas, dessa vez, eu não cedi.
— Eu vou vender minhas ações.
Ignorei o choque no rosto dele e continuei:
— Se você quiser comprá-las, fala com meu corretor. Eu te passo o contato e seguimos o trâmite normal.
Se eu não tivesse descoberto com a corretora que a empresa vinha operando normalmente, com uma gestão estável e sem tanto esforço quanto ele dizia, talvez ainda caísse no papo dele.
Pensei nisso e soltei uma risada irônica.
O som da minha risada o tirou do estado de choque. Na hora, ele ergueu a voz, furioso:
— Cecília! Para com isso, tá? Não mistura suas crises de ciúme com assuntos sérios da empresa!