1.1

O sol nascente tingia o céu com tons dourados e alaranjados quando Helena abriu a pequena janela de madeira, deixando a brisa fresca da manhã invadir a cabana. O ar carregava o cheiro úmido da terra e o canto distante dos pássaros que despertavam junto com o dia.

Durante anos, aquele lugar que fora um refúgio miserável se tornara seu lar. A estrutura que antes ameaçava desmoronar agora estava reforçada com tábuas novas e musgo removido das paredes. O teto, antes perfurado pela chuva, fora consertado com cuidado, impedindo que as águas tempestuosas invadissem seu abrigo. O chão de terra batida dera lugar a um revestimento de madeira rústica, e o cheiro de mofo foi substituído pelo aroma das ervas secando em pequenos feixes pendurados no teto.

A lareira crepitava suavemente no canto da cabana, aquecendo a chaleira de ferro onde a água fervia para o chá da manhã. Em uma mesa simples, porém bem cuidada, repousavam pequenos potes de barro contendo ervas e unguentos que ela mesma preparava. Sua habilidade como curandeira a tornara essencial para o vilarejo—mesmo que ainda fosse evitada pela maioria dos aldeões. Vinham até sua porta quando precisavam de ajuda, mas nunca ficavam tempo suficiente para tratá-la como uma igual.

Helena suspirou, ajeitando uma mecha de cabelo que caía sobre seu rosto. Vestia um vestido simples, de tecido grosso e desbotado, mas limpo e bem cuidado. Seus dias eram solitários, mas haviam se tornado suportáveis. Ela aprendeu a encontrar conforto no silêncio, na rotina e no sussurro da floresta ao seu redor.

Saiu para o lado de fora e respirou fundo. O orvalho ainda brilhava sobre as folhas, e o aroma fresco das ervas em seu pequeno jardim a acolheu como um velho amigo. Pegou um cesto e começou a colher algumas folhas de camomila e lavanda, planejando preparar um novo estoque de infusões para os próximos dias.

Helena não teve mestres. Tudo o que sabia sobre ervas e curas viera da observação, da necessidade e de incontáveis tentativas e erros. Quando criança, esgueirava-se pela floresta, experimentando folhas e raízes, descobrindo quais aliviavam dores e quais traziam febre. Pagou caro por sua curiosidade mais de uma vez, sentindo na pele os efeitos de plantas venenosas, mas aprendeu a reconhecer cada erro e a nunca repeti-los.

Os aldeões, mesmo temendo-a, não hesitavam em bater à sua porta quando uma doença surgia ou uma febre ameaçava a vida de uma criança. Aos poucos, Helena passou a ouvir conversas furtivas, pedaços de conhecimento deixados escapar pelos mais velhos. Aprendeu a distinguir a casca de salgueiro para aliviar a dor, o uso da equinácea para fortalecer o corpo contra doenças e a maneira certa de misturar mel e ervas para criar bálsamos cicatrizantes.

Mas foi nos livros que encontrou seu maior tesouro. Ela sabia que jamais conseguiria comprá-los—ninguém a venderia algo assim, e mesmo que vendessem, ela não tinha dinheiro. Então, sem orgulho, mas sem alternativa, tomou aquilo que precisava. Durante uma noite chuvosa, escondeu-se sob um capuz e deslizou pelas ruas silenciosas da cidade vizinha, entrando no sebo enquanto o dono dormia nos fundos. Escolheu três volumes, pesados e cobertos de poeira, e os levou consigo, fugindo antes que alguém a visse.

Ela ainda se lembrava do peso dos livros contra o peito enquanto corria de volta para a floresta, a consciência pesada, mas a mente faminta por conhecimento. Durante semanas, devorou cada página, ensinando-se a ler melhor, decifrando receitas e tratamentos. Descobriu como combinar ervas, como ferver raízes para extrair suas propriedades, como fazer cataplasmas e poções que os aldeões jamais haviam lhe ensinado.

Agora, anos depois, aqueles livros estavam gastos, as páginas manchadas pelo tempo e pelo uso constante. Eram seu bem mais precioso, guardados com carinho dentro da cabana, pois haviam sido sua verdadeira salvação. Sem eles, talvez tivesse sucumbido ao frio, à fome ou a alguma doença que ninguém ousaria tratar nela.

Quando pensava na noite do roubo, não sentia orgulho, mas tampouco arrependimento. Afinal, aquilo havia sido necessário para sua sobrevivência. E se aqueles livros haviam sido abandonados por anos em um sebo, sem ninguém para valorizá-los, ao menos agora serviam a um propósito.

Helena caminhou até a cerca que ela mesma construíra com troncos resistentes e cordas bem amarradas. O curral era modesto, mas servia bem aos seus poucos animais. Duas cabras, uma vaca e alguns porcos eram sua única companhia constante—seres que não a julgavam, não a temiam e que, de certa forma, também dependiam dela para sobreviver.

— Bom dia, minha senhora — murmurou, afagando o pescoço de Branca, a vaca que, apesar do nome, tinha manchas marrons espalhadas pelo corpo. O animal mugiu baixo em resposta, encostando a cabeça na mão dela.

As cabras, Lita e Gilda, já estavam inquietas, balindo em protesto pela demora no café da manhã. Helena riu, pegando um balde com restos de vegetais e ervas.

— Eu sei, eu sei... sempre impacientes — disse, despejando a comida para elas. As duas avançaram de imediato, mastigando com vontade.

Os porcos estavam espalhados pelo cercado, fuçando o chão em busca de algo interessante. Helena se abaixou perto de um deles, um leitãozinho curioso que sempre parecia observá-la com mais atenção que os outros.

— Você vai crescer forte, hein? — comentou, passando a mão em seu dorso. Ele grunhiu satisfeito e se afastou para se juntar aos outros.

Helena se recostou contra a cerca, observando os animais por um momento. Em meio a tantos anos de isolamento, aprendeu a encontrar consolo na companhia silenciosa deles. Não respondiam, mas também não a julgavam. Ali, ao menos, ela pertencia.

— Pelo menos vocês não se importam com uma m*****a marca na pele, não é? — murmurou, olhando para o próprio braço, onde a mancha serpenteava como um lembrete eterno de por que estava sozinha.

O silêncio respondeu por eles. Apenas o som das mastigações e o farfalhar das árvores ao redor enchia o ar.

Suspirando, Helena pegou um balde e foi até a vaca, preparando-se para ordenhá-la.

— Vamos lá, Branca, seja generosa hoje — brincou, sentando-se no banquinho ao lado do animal.

O leite começou a pingar no balde, quente e espumoso. Helena sabia que o dia ainda seria longo. Mas, por enquanto, ali, no cercado com seus animais, havia um raro instante de paz.

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