O corpo de Irene enrijeceu num instante, como se tivesse sido mergulhado em água gelada, e o sangue fugiu de seu rosto. Reunindo todas as forças que lhe restavam, ela empurrou o homem com violência, livrando-se do peso dele e recuando até se encolher contra a cabeceira da cama.
Mário franziu o cenho, observando-a por alguns segundos com uma expressão indecifrável, antes de erguer uma sobrancelha num gesto de desafio.
— Ainda está brava? — Perguntou ele, massageando a testa com um movimento idêntico ao que Adriano costumava fazer.
A voz, rouca e embebida em álcool, era indistinguível da de seu noivo. Se Irene não tivesse ouvido a conversa sobre Adriano se manter casto por Alana, jamais teria desconfiado da troca.
Mário se inclinou novamente sobre ela, apoiando as mãos no colchão e a prendendo num espaço exíguo, até que a ponta de seu nariz tocasse o dela.
— Já expliquei tudo hoje. — Sussurrou ele, com um tom persuasivo. — Se eu ainda gostasse dela, não estaria aqui prestes a me casar com você.
Sem esperar resposta, Mário inclinou a cabeça para beijá-la.
Os olhos de Irene se arregalaram em pânico. Num reflexo instintivo, ela virou o rosto bruscamente para o lado e foi acometida por uma náusea incontrolável. Uma ânsia de vômito violenta subiu por sua garganta, avermelhando seus olhos e a forçando a empurrar o homem mais uma vez para correr em direção ao banheiro.
Mário permaneceu na cama, observando as costas dela com o cenho franzido e um brilho estranho no olhar.
No banheiro, Irene deslizou as costas pela parede fria até o chão, tentando recuperar o fôlego. Foi então que a voz de Mário rompeu o silêncio, vindo do quarto, alta e clara demais para ser apenas um pensamento.
— Vocês ouviram isso? — Disse ele, num tom de zombaria. — A mulher está tendo ânsia de vômito. Será que está grávida?
Logo em seguida, uma algazarra de vozes explodiu no ambiente, vinda do viva-voz do celular. Um dos amigos gritou, entre risadas:
— Mário, cuidado para não levar a brincadeira longe demais! E se a verdade aparecer e ela resolver te chantagear depois?
Irene sentiu um calafrio percorrer sua espinha, congelando seus membros. Percebeu, com horror, que o celular de Mário estava em chamada ativa durante todo o tempo, transmitindo sua humilhação em tempo real. A voz de Alana surgiu logo depois, fingindo preocupação:
— Adriano, Mário... vocês não acham que estão sendo cruéis demais?
— Cruéis? — A voz de Adriano soou do outro lado da linha, gélida e cortante. — Ela te perseguiu e te fez sofrer por tanto tempo, Alana. Isso é apenas o castigo que ela merece.
— Mas e se a Irene estiver mesmo grávida? — Insistiu Alana, com um tom de falsa ansiedade.
Houve um instante de silêncio, rompido pelos dois homens que responderam em uníssono, com uma sincronia assustadora:
— Impossível!
A frieza de Adriano se intensificou na frase seguinte:
— Mesmo que estivesse, teríamos que nos livrar disso. Limpar a sujeira. Não é, Mário?
Mário engoliu em seco, o pomo de adão subindo e descendo nervosamente.
— Claro... com certeza. — Concordou ele, embora, por alguma razão inexplicável, tivesse sentido um aperto súbito no peito.
No instante seguinte, a porta do banheiro se abriu. Irene apareceu, pálida como um fantasma, fixando os olhos nele. O coração de Mário falhou uma batida. Ele encerrou a chamada às pressas e caminhou até ela, compondo uma expressão de falsa preocupação.
— O que houve, Irene? Por que está com essa cara? Está se sentindo mal? — Ele fez uma pausa dramática antes de perguntar. — Você não está... grávida, está?
Irene sustentou o olhar dele, com um vazio assustador nas pupilas, e forçou um sorriso sem vida.
— Não. É só a minha gastrite que atacou.
Na manhã seguinte, Irene compareceu ao hospital no horário agendado. O médico chefe, que já a conhecia de consultas anteriores, tentou dissuadi-la durante a conversa pré-operatória.
— Irene, o feto já tem sete semanas e é possível ouvir os batimentos cardíacos. — Explicou ele, com suavidade. — Todos os indicadores de saúde estão excelentes. Você tem certeza de que quer interromper a gravidez?
Ela assentiu, o rosto desprovido de qualquer emoção visível.
— Tenho. Tire-o.
Quando saiu do hospital, o sol do meio-dia já estava alto. O telefone de Adriano tocou e, quase simultaneamente, o carro dele freou junto à calçada onde ela esperava. Ele desceu com agilidade, contornou o veículo e a conduziu para o banco do carona.
— Vamos, vou te levar para almoçar. — Anunciou ele, animado.
O trajeto foi marcado pelo silêncio de Irene e pelo sorriso inabalável de Adriano. No rádio, tocava em loop a música favorita de Alana na época da escola, a mesma melodia que Irene mais detestava no mundo, preenchendo o carro com uma ironia cruel.
Ao chegarem ao restaurante, a surpresa desagradável se completou, pois Alana e Mário já os aguardavam à mesa.
— Irene! — Chamou Alana, apontando para uma caixa sobre a toalha. — Ontem perdi a noção, desculpe. Para me redimir, enfrentei uma fila enorme para comprar aquele bolo que está famoso na internet. Você precisa provar.
Durante a refeição, Alana monopolizou a conversa, desenterrando memórias da infância do trio.
— O Adriano e o Mário sempre me mimaram demais. — Contava ela, rindo. — Lembram quando brincávamos de casinha? Eles brigavam para ver quem seria meu noivo! E aquela vez que subi na árvore e não conseguia descer? O Adriano deitou no chão para servir de colchão humano para mim. Sem falar no ensino fundamental, quando apanharam daqueles garotos para me proteger e foram parar no hospital...
Adriano e Mário riam e concordavam, completando as histórias com entusiasmo, enquanto Irene permanecia muda, sentindo-se uma intrusa na própria vida. De repente, Alana se virou para ela.
— Irene, por que está tão calada? Ainda está chateada comigo? — A voz dela se tornou doce e manipuladora. — Sei que tivemos nossos mal-entendidos na faculdade, mas agora que você vai se casar com o Adriano, espero de verdade que possamos ser melhores amigas.
Alana ergueu a taça de vinho, com um sorriso vitorioso nos lábios, esperando o brinde. Irene não se moveu, nem sequer olhou para ela.
De repente, Irene levou a mão ao peito, agarrando o tecido da blusa com força. Sua respiração se tornou sibilante, difícil, cada inalação soando como um esforço de guerra. Em seus braços, manchas vermelhas começaram a surgir e se alastrar com velocidade alarmante, formando placas de urticária nítidas e aterrorizantes.
— Você está tendo uma reação alérgica?! — Gritou Adriano, levantando-se de um salto e estendendo a mão para pegar a bolsa dela.
A alergia de Irene a amendoim era severa. Embora fosse cuidadosa, o risco de contaminação cruzada ou ingestão acidental a obrigava a carregar sempre uma caneta de adrenalina, o único recurso capaz de salvar sua vida num choque anafilático.
Com as mãos trêmulas, Irene conseguiu alcançar o dispositivo na bolsa.
No entanto, no exato momento em que ela segurou a caneta salvadora, a voz fraca de Alana ecoou pelo recinto:
— Adriano, não estou me sentindo bem...
Alana tombou para trás, pálida e frágil.