Dois dias depois, Adriano apareceu à porta, ostentando um sorriso de satisfação nos lábios que parecia ignorar completamente a tensão dos dias anteriores.
— A Alana já superou o que aconteceu e não te culpa mais. — Disse ele, num tom leve, como se concedesse um perdão. — Vá se arrumar. Vamos sair para provar o seu vestido de noiva e escolher as alianças.
Sem contestar, Irene foi levada até a loja de noivas. No entanto, assim que desceu do carro e entrou no estabelecimento luxuoso, deparou-se com Alana e Mário, que já aguardavam confortavelmente instalados no local. Ao vê-la, Alana veio ao seu encontro com uma energia vibrante e um sorriso largo.
— Irene, você chegou! — Exclamou ela, com excessiva familiaridade. — Como não pude te parabenizar da última vez, e sendo eu a melhor amiga do Adriano, decidi que hoje vou te acompanhar para escolhermos o vestido perfeito.
Ela sustentava aquele sorriso no rosto, os olhos fixos em Irene, aguardando qualquer sinal de descontrole, pânico ou irritação. Contudo, contrariando as expectativas da rival, Irene não demonstrou nem um pingo de repulsa ou espanto. Manteve a postura ereta e respondeu com uma gentileza desarmante:
— Obrigada. Agradeço o seu esforço.
A expressão de Alana vacilou. Uma sombra de frustração cruzou seu rosto por um breve instante, mas ela logo recuperou a máscara de cordialidade. Enlaçou os braços, um em Adriano e o outro em Mário, e declarou com um tom carregado de segundas intenções:
— Então faço questão de provar com você. Afinal, Irene, eu também vou ser uma noiva muito em breve.
— Meus parabéns. — Respondeu Irene, mantendo um sorriso tênue e educado.
Dessa vez, o brilho no olhar de Alana escureceu de vez, revelando um aborrecimento genuíno diante daquela indiferença.
O que se seguiu foi uma disputa velada e infantil. Sempre que os olhos de Irene pousavam por mais de alguns segundos em algum vestido, Alana chamava uma das funcionárias e exigia experimentá-lo primeiro. A cada troca de roupa, ela saía do provador desfilando, indo direto até Adriano, ignorando a presença da verdadeira noiva.
— Adriano, o que achou? Ficou bonito em mim? — Perguntava ela, segurando as mãos dele e girando para exibir o modelo.
E Adriano, hipnotizado, não poupava elogios, o olhar preso nela como se fosse a única mulher no recinto. Mário também orbitava ao redor de Alana, e ambos agiam como se Irene tivesse deixado de existir, transformando-a em parte da mobília.
— Essa noiva é realmente muito afortunada... — Comentou uma das funcionárias em voz baixa, admirando a cena e confundindo os papéis.
Ouvindo isso, Alana soltou uma exclamação teatral e se virou para onde Irene estava, parada como uma espectadora da própria vida.
— Ai, meu Deus! Desculpe, Irene. — Disse ela, cobrindo a boca com a mão, fingindo constrangimento. — Você é que é a noiva, devia ter provado primeiro.
Em seguida, ela deu um soco leve e brincalhão no peito de Adriano, repreendendo-o com uma intimidade excessiva.
— Adriano, o que há com você? Como pode deixar sua própria noiva de lado desse jeito?
O clima pesou num instante. As funcionárias trocaram olhares embaraçados ao perceberem a gafe, enquanto Mário exibia um sorriso de escárnio no canto da boca. Só então Adriano pareceu recordar a presença da companheira e se virou para ela.
— Viu algum que gostou? — Indagou ele, sem muito entusiasmo.
Irene apontou aleatoriamente para uma peça qualquer e dirigiu-se ao provador. Quando saiu, vestida de branco, o salão estava vazio. Os três haviam desaparecido.
— Senhora... — A funcionária se aproximou, com o rosto transbordando uma compaixão humilhante. — A senhorita Alana disse que queria ver as alianças agora, e os dois cavalheiros foram acompanhá-la. Quanto à senhora...
— Não tem problema. — Cortou Irene, impassível.
Retirou o vestido, devolveu-o à arara e saiu da loja sem olhar para trás.
Não demorou muito para que o celular dela notificasse uma nova publicação de Alana nas redes sociais. A foto exibia um anel de diamante deslumbrante, cravejado de pedras preciosas, com a legenda: "O anel que o Adriano arrematou no leilão por uma fortuna."
Irene olhou para a tela apenas uma vez antes de bloqueá-la e continuar arrumando as malas.
Além das roupas e itens de higiene pessoal que levaria consigo, começou a separar tudo o que restava. Reuniu todos os presentes que havia dado a Adriano ao longo dos anos e os descartou, destruindo qualquer rastro de sua devoção passada. Quanto às coisas que ele havia dado para ela, não tocou em nada. Deixaria tudo exatamente onde estava, como parte de uma vida que não lhe pertencia mais.
Assim que fechou a mala e a guardou no armário, Adriano entrou no quarto, trazendo consigo uma pequena caixa de veludo azul.
— Comprei este anel para você no leilão. — Disse ele, estendendo o objeto.
Irene reconheceu a peça imediatamente. Era o brinde, a "sobra" do leilão que aparecia no canto da foto de Alana. Aceitou o gesto com calma e pousei a caixa sobre a mesa, sem sequer abri-la. A reação fria fez com que Adriano franzisse a testa, incomodado. Seus olhos percorreram o quarto e pararam na lixeira, onde repousava o par de canecas que usavam juntos, objetos que Irene costumava tratar com tanto zelo.
Uma inquietação súbita tomou conta dele.
— Por que jogou as canecas fora? Está brava? — Perguntou ele, arqueando uma sobrancelha, o tom tingido de desconfiança.
— Não estou. — Respondeu ela, comprimindo os lábios.
A negativa pareceu confirmar as suspeitas dele. Adriano suspirou, convencido de que havia desvendado o motivo daquele comportamento distante.
— É por causa da prova do vestido, não é? Olha, a Alana é apenas uma grande amiga. Ficamos anos sem nos ver, é natural que eu dedique um pouco mais de atenção a ela agora que voltou. — Ele se aproximou e passou o braço ao redor dela, num abraço que já não trazia conforto algum. — Não precisa ter ciúmes dela. Se tivéssemos que ter algo, já teríamos ficado juntos há muito tempo, não acha? Irene, você é a minha noiva. Será que ainda não entende o que sinto por você?
Ao ouvir aquelas palavras, Irene sentiu como se alguém tivesse apertado seu coração com força, provocando uma dor aguda e física. Seus olhos marejaram contra a própria vontade. Vendo aquela fragilidade, Adriano afagou a cabeça dela.
— Desculpe, Irene. Não quis fazer você se sentir deixada de lado.
Os dedos dela tremeram. Fechou as mãos em punhos cerrados, cravando as unhas na palma com tanta força que a pele quase rompeu. Naquele instante, uma vontade avassaladora de confrontá-lo subiu pela garganta. Ela queria gritar, exigir a verdade, saber se naqueles três anos houve um único segundo de sinceridade.
Mas as palavras morreram antes de sair. Irene as engoliu a seco, sentindo o gosto amargo do silêncio forçado.
O toque do celular de Adriano quebrou a tensão do ambiente. Ele atendeu prontamente, sem nem olhar para o visor.
— Alana... — Disse ele, a voz mudando de tom para uma suavidade imediata. — Sim, já estou indo.
Ao encerrar a chamada, ele bagunçou o cabelo de Irene num gesto apressado e paternalista, como quem afaga uma criança.
— Tenho um imprevisto. Descanse cedo, daqui a alguns dias você será a noiva mais linda desse mundo.
Sem esperar resposta, virou as costas e saiu do quarto, deixando para trás apenas o vácuo de sua presença.
Irene permaneceu sentada na cama, imóvel, forçando as lágrimas a recuarem. Decidiu que não choraria mais.
Duas horas se passaram. Após um banho quente para tentar lavar o cansaço daquele dia humilhante, ela se deitou, buscando refúgio no sono. Estava no limiar entre a vigília e a inconsciência quando ouviu o ruído da maçaneta girando.
A porta se abriu e passos pesados invadiram o quarto. Na penumbra, ela presumiu que Adriano, que deveria estar numa festa acompanhando Alana, havia retornado.
O cheiro acre de álcool impregnou o ar antes mesmo que ele se aproximasse da cama. De forma bruta, o homem rasgou a própria camisa, arrancou a coberta que protegia Irene e subiu sobre o corpo dela.
No entanto, no instante em que a pele dele tocou a dela, toda a sonolência de Irene se dissipou como fumaça. Uma repulsa gélida percorreu sua espinha. Ela soube, com uma clareza aterrorizante, que o homem arfando sobre ela não era o Adriano.
Era o Mário.