Ciente de que o destino para onde partiria envolvia riscos consideráveis, Irene optou por realizar o funeral da avó antes de qualquer outra coisa.
Ela encomendou um relicário em forma de pingente, onde guardou com cuidado uma pequena mecha dos cabelos prateados da avó e uma porção das cinzas, depositando o restante na urna que foi levada ao cemitério.
Ajoelhada diante da lápide fria, Irene segurou o pingente contra o peito, como se buscasse força naquele pequeno objeto.
— Vovó, pode descansar em paz. — Sussurrou ela, com a voz embargada, mas firme. — Vou fazer o que precisa ser feito e prometo que cuidarei de mim mesma.
Era fim de tarde quando Irene retornou à mansão. Assim que cruzou a soleira da porta, o som de risadas e conversas animadas invadiu seus ouvidos, fazendo seu estômago revirar. Antes que pudesse recuar, Adriano notou sua presença e caminhou apressado em sua direção, puxando-a para o centro da sala com uma falsa empolgação.
— Venha logo, quero te apresentar dois amigos.
No sofá, um homem e uma mulher se levantaram. Ao se virarem para encará-la, Irene viu o escárnio brilhando nos olhos de ambos. Eram Alana e Mário.
Um tremor percorreu o corpo de Irene, uma resposta visceral e incontrolável que sempre a acometia na presença daquela mulher. Ignorando ou fingindo não perceber a tensão dela, Adriano fez as apresentações com um tom jovial:
— A Alana é uma amiga de infância, crescemos juntos. E o Mário, bom, você já deve ter notado a semelhança, é meu irmão gêmeo. Os dois acabaram de voltar do exterior, chegaram bem a tempo para o nosso casamento.
Alana acenou com uma doçura enjoativa, abrindo um sorriso que não alcançava os olhos.
— Eu e a Irene já nos conhecemos. Éramos colegas de quarto na faculdade. — Enquanto falava, ela avançou e enganchou o braço no de Irene, inclinando-se para sussurrar em seu ouvido com veneno disfarçado de intimidade. — Não é verdade, Irene?
Naquele instante, um turbilhão de memórias traumáticas assaltou a mente de Irene. Ela se lembrou de cada vez que Alana a humilhava e a torturava, para logo em seguida sussurrar a mesma frase sádica: "É só uma brincadeira entre amigas de quarto, não é, Irene?"
Num reflexo defensivo movido pelo pânico, Irene a empurrou bruscamente para longe.
Alana caiu sentada no chão e, num segundo, sua expressão mudou para a de uma vítima desolada.
— Irene, você ainda não gosta de mim? — Choramingou ela, com a voz trêmula. — Eu só queria que a gente se desse bem...
A atmosfera na sala congelou. O rosto de Adriano escureceu de imediato e ele correu para ajudar Alana a se levantar, lançando um olhar sombrio para a noiva. Observando a cena com desprezo, Mário franziu a testa e provocou:
— Adriano, essa sua noiva tem um gênio insuportável. Nem virou sua esposa ainda e já age com essa arrogância toda?
Adriano colocou Alana atrás de si, protegendo-a como se ela fosse de vidro. Ele se virou para Irene com uma fúria gélida.
— Irene, peça desculpas agora!
Irene olhou para o trio diante dela. Suas mãos, caídas ao lado do corpo, fecharam-se em punhos apertados. Ao lembrar das conversas cruéis que ouvira no dia anterior, sentiu como se seu coração estivesse sendo rasgado ao meio por mãos invisíveis. Em vez de responder, ela girou nos calcanhares e caminhou em direção à saída, decidida a não participar daquele teatro.
Mas não conseguiu dar dois passos. Seu pulso foi agarrado com violência, e a força bruta a fez tropeçar para trás. Ao erguer o rosto, encontrou os olhos de Adriano transbordando raiva.
— Quem te deu permissão para sair? — Rosnou ele.
Mário cruzou os braços, assistindo à cena com satisfação sádica.
— A família Tavares é tradicional, prezamos pela educação acima de tudo. Adriano, sua noiva precisa ser domesticada, precisa aprender qual é o lugar dela.
— Você tem razão. — Concordou Adriano, com um tom que causou arrepios em Irene. — Irene, você está prestes a se tornar minha esposa. Precisa aprender a medir suas palavras e controlar suas ações. Vai ter que refletir muito sobre o que fez hoje.
Sem esperar resposta, ele a arrastou à força em direção ao porão. Irene tentou resistir, mas não era páreo para a força dele. Ele abriu a porta de um dos cômodos e a empurrou para dentro sem cerimônia. Antes que ela pudesse se orientar, a porta bateu com um estrondo e a tranca girou.
O silêncio e a escuridão absoluta a engoliram. A porta era maciça, vedada, e não havia janelas. Era um quarto escuro, feito para isolamento total.
Mergulhada naquele breu sufocante, a respiração de Irene acelerou, transformando-se em arfadas de pânico. Ela correu até a porta e esmurrou a madeira, gritando por socorro, mas ninguém respondeu. O terror começou a dominar sua mente.
Anos atrás, na época da faculdade, Alana a havia trancado em um cubículo semelhante por três dias. Sem luz, sem som, perdendo a noção do tempo e da realidade. Aquela tortura resultara em um colapso nervoso grave, deixando-a com claustrofobia severa e um medo paralisante do escuro. Desde então, Irene dormia com todas as luzes acesas.
Adriano sabia disso. No início do namoro, ele estranhou o hábito, mas, ao saber da história, a abraçou com ternura e prometeu proteção.
— Está tudo bem, meu amor. A partir de hoje, nossa casa vai dormir com as luzes acesas. Não tenha medo. — Ele havia dito.
Ele sofreu de insônia por semanas, virando-se na cama pela claridade. Mesmo quando Irene, culpada, sugeria tentar apagar as luzes, ele recusava com firmeza:
— Irene, não se force a nada. Me adapto por você.
Ele sabia. Todos eles sabiam.
No entanto, ele escolheu exatamente aquele trauma para puni-la, tudo porque ela empurrou a preciosa Alana.
O coração de Irene doía, uma dor surda e constante. Ela tateou até encontrar um canto e se encolheu ali, abraçando os próprios joelhos para tentar conter o tremor do corpo.
A verdade, agora inegável, era devastadora, pois todo aquele carinho do passado era falso, uma atuação digna de um prêmio. Até mesmo aquele quarto escuro no porão da casa dele... com certeza, era preparado sob medida para ela.