Irene não soube dizer ao certo como conseguiu arrastar o próprio corpo para fora do clube.
A chuva caía pesada, grossa como granizo, golpeando sua pele sem piedade, mas ela não sentia frio nem dor física. Seus sentidos estavam entorpecidos, sequestrados pelo eco das conversas cruéis que havia ouvido no camarote e que agora se repetiam em um loop infinito em sua mente.
Alana... Bastava que esse nome surgisse em seus pensamentos para um tremor incontrolável percorrer sua espinha. Irene jamais compreendeu por que, mesmo após ter se mudado para o exterior, Alana se recusava a deixá-la em paz, mantendo aquela obsessão doentia em destruí-la.
Tudo começava por uma futilidade, o título de "musa da universidade", que Irene venceu com uma foto espontânea e sem maquiagem, superando a produção profissional e editada de Alana. A retaliação foi desproporcional e sádica. Alana liderou um grupo que encurralou Irene no banheiro, submetendo-a a torturas humilhantes antes de afundar sua cabeça na água suja do vaso sanitário.
Como Irene se recusou a se ajoelhar e pedir perdão por algo que não fez, seus três anos seguintes se tornaram um inferno na terra. Ela sofreu agressões físicas coletivas, encontrou agulhas e tachinhas escondidas dentro de seus sapatos e viu seus empregos de meio período serem sabotados um após o outro. Alana manipulou a turma inteira para isolá-la e espalhou boatos sórdidos de cunho sexual, destruindo sua reputação. Houve até a ocasião em que Irene ouviu Alana conspirando com herdeiros ricos para que a seduzissem e a corrompessem com dinheiro, apenas para descartá-la cruelmente depois.
Apesar de tudo, Alana nunca obteve sucesso total. Mesmo quando foi estudar no exterior no terceiro ano, Irene ainda não havia sido completamente quebrada. Mas ela já enfrentava uma depressão severa e apresentava sinais graves de automutilação.
Foi exatamente naquele momento de fragilidade que Adriano entrou em sua vida.
Ele era diferente dos outros playboys que a cercavam com olhares lascivos, tratando-a como uma mercadoria que podia ser comprada. O olhar de Adriano era límpido, respeitoso. Ele se dedicou a entender as dificuldades dela, ouviu seus desabafos. Ao descobrir que Irene sustentava uma avó doente que precisava de medicação contínua, não a menosprezou. Pelo contrário, ele ajudou a melhorar a vida delas de forma discreta, dentro do que o orgulho de Irene permitia aceitar. Ele lhe indicava estágios, acompanhava seus jantares rápidos em lojas de conveniência entre um turno e outro de trabalho, e acariciava seus cabelos com ternura, dizendo:
— Irene, você trabalha tanto... você é incrível.
Irene se lembrou de quando sua avó adoeceu e ela estava presa em outra cidade, foi Adriano quem a socorreu, levando a idosa ao hospital e passando a noite inteira como acompanhante.
Quando Irene chegou na manhã seguinte, encontrou-o exausto, mas ele sorriu para confortá-la:
— A vovó está bem, fique tranquila. Não se esforce demais.
Naquele instante, uma voz interna sussurrou ao coração de Irene: "É ele. Tente confiar. Não importa o final, valorize o agora."
E ele manteve aquela fachada de perfeição, chegando a encenar brigas homéricas com a própria família para poder ficar com ela.
Agora, a voz debochada de Mário cortava suas memórias como uma lâmina: "Que idiota. Como se a família Tavares fosse permitir que uma órfã entrasse para a linhagem. Bastou contratar dois atores para fingir serem nossos pais e encenar uma briga, e ela ficou tão comovida que se entregou de vez."
"Que idiota, três anos e não desconfiou de nada."
"Que idiota, ainda acha que o Adriano morre de amores por ela."
"Idiota, idiota, idiota..."
As pernas de Irene cederam e ela desabou na calçada molhada, as lágrimas quentes se misturando à chuva torrencial.
— Fui muito estúpida... — Sussurrou ela para o asfalto, antes de erguer o rosto para o céu e soltar uma gargalhada insana, permitindo que a tempestade a castigasse.
O toque estridente do celular rompeu seu surto. Era a cuidadora de sua avó.
— Irene, venha rápido! Sua avó... ela está piorando muito, acho que não vai resistir!
Um zumbido ensurdecedor preencheu a cabeça de Irene, deixando sua mente em branco e seus membros frouxos. Movida apenas pelo instinto, ela se levantou e correu para a beira da estrada, acenando desesperadamente. Mas os carros passavam velozes, piscando faróis e buzinando, ignorando a mulher encharcada no meio do temporal.
Quando ela já se preparava para correr até o hospital, um carro freou bruscamente ao seu lado. Um homem de traços rígidos baixou o vidro e perguntou o destino. Sem se importar com a própria segurança, Irene entrou no veículo imediatamente.
Ao chegar ao hospital, no entanto, o médico já a aguardava com a expressão grave de quem trazia más notícias.
— Falência respiratória. A reanimação não surtiu efeito e, neste ponto, não há mais sentido em insistir. — Disse ele, com pesar profissional. — Vá, faça companhia a ela nos últimos momentos.
Irene caiu de joelhos ao lado do leito, o som seco do impacto ecoando no quarto, e segurou a mão frágil da avó, tremendo violentamente.
A idosa forçou um sorriso, a voz saindo como um sopro falho:
— Irene... não chore... Me perdoe, minha querida... a vovó não conseguiu aguentar até o seu casamento...
Irene negou com a cabeça freneticamente, incapaz de formar palavras, apenas soluçando sua dor. Os olhos da avó vagaram pelo quarto, procurando alguém.
— E o Adriano? Eu queria vê-lo...
— Tudo bem, vou chamar ele. — A voz de Irene era um fiapo rouco.
Com as mãos trêmulas e molhadas, ela tirou o celular e ligou para Adriano. Uma, duas, três vezes. Todas as chamadas foram rejeitadas. O pânico tomou conta dela, e ela começou a digitar mensagens com urgência, as lágrimas pingando na tela iluminada.
[Adriano, o coração da vovó está falhando, ela não vai aguentar. Por favor, venha ao hospital, ela quer te ver uma última vez.]
[Adriano, ela está esperando, é só para te ver. Você pode vir, por favor?]
[Adriano, eu te imploro...]
Naquele momento, as mentiras, a traição e a humilhação não importavam. Se ele aparecesse, apenas para que sua avó partisse em paz, Irene perdoaria qualquer coisa. Mas o celular permaneceu mudo. Adriano não respondeu.
Percebendo que ele não viria, Irene engoliu o choro e forçou o sorriso mais doloroso de sua vida. Apertou a mão da avó, tentando transmitir um conforto que ela mesma não tinha.
— Vovó, o Adriano deve ter ficado preso em alguma reunião importante. Mas não se preocupe, estamos ótimos, nos amamos muito. Semana que vem é o casamento e vou ser a mulher mais feliz do mundo. Pode ir tranquila...
A mão da idosa apertou a dela com uma força surpreendente para quem estava partindo, e seus olhos se fixaram em Irene com intensidade.
— Irene... viva bem... seja feliz...
A mão relaxou, perdendo a força, e a luz nos olhos da avó se apagou. O último olhar que ela lançou à neta não foi de paz, mas de uma preocupação profunda e persistente.
Irene encarou a própria mão vazia, atordoada, antes de desabar sobre o peito da avó, uivando uma dor que parecia rasgar sua alma.
A noite seguiu fria e burocrática. Irene lidou com os trâmites do funeral de forma mecânica, checando o celular a cada minuto, esperando uma resposta de Adriano que nunca chegou.
Em um momento de pausa mórbida, ela tirou o número de Alana da lista de bloqueio e abriu o WhatsApp. Havia uma atualização recente no status.
[Planejei voltar mais cedo para fazer uma surpresa, mas quem ganhou o presente fui eu!]
A foto era tirada no aeroporto. Adriano estava usando uma fantasia de mascote, segurando um buquê enorme. Ele havia tirado a cabeça de pelúcia, revelando os cabelos suados e um sorriso radiante, olhando para a câmera com um carinho genuíno. Havia também uma selfie dos dois. Alana sorria docemente, e Adriano a observava de lado, com um olhar apaixonado e devoto.
Irene soltou um riso curto e sem vida, e bloqueou a tela.
No dia seguinte, ao meio-dia, ela saiu do hospital carregando a urna funerária da avó e tomou duas decisões irrevogáveis.
Primeiro, agendou um procedimento para interromper a gravidez para dali a três dias. Segundo, enviou sua inscrição final para o programa dos Médicos Sem Fronteiras.
O diretor do hospital, ao receber o formulário, olhou para ela com surpresa.
— Irene, você não ia se casar na semana que vem?
Houve um breve silêncio antes de Irene responder, sua voz soando estranhamente firme apesar da devastação estampada em seu rosto:
— Não há mais casamento. Diretor, preciso partir. Quero ir para longe, o mais rápido possível.
Ao notar a vermelhidão intensa nos olhos dela e a urgência desesperada em sua postura, o médico optou por não fazer perguntas indiscretas. Ele apenas acenou, com um olhar compreensivo, e checou o calendário em sua mesa.
— Você teve sorte, chegou exatamente no limite do prazo de inscrição. — Informou ele, em tom profissional. — Vou te conceder uma licença nestes próximos dias para poder organizar seus pertences e resolver suas pendências. Daqui a uma semana, nos encontre aqui no hospital para a partida.
— Combinado. — Concordou ela, com uma determinação fria.
Uma semana. O prazo coincidia exatamente com a data e a hora marcadas para a cerimônia de seu casamento com Adriano.
Um sorriso amargo, quase imperceptível, curvou os lábios de Irene. A ironia do destino era perfeita. Ela não apenas partiria naquele dia, desaparecendo da vida deles para sempre, mas também aproveitaria a ocasião para entregar um último presente. Seria uma surpresa grandiosa, algo que garantiria que Adriano, Mário e Alana jamais a esquecessem.