Após a morte de seus pais Elisa foi obrigada a se casar para pagar uma dívida com os Valença. O então marido, Manuel, não consegue disfarçar nem um pouco seu asco por ela e nem por qualquer outra mulher, a tratando mal, de forma violenta e agressiva. Quando tudo parecia perdido, Elisa, se apaixona perdidamente pelo Valença errado, Fernando, um homem completamente oposto do irmão, cavalheiro, doce e gentil. Nascendo assim um sentimento puro e perfeito, porém extremamente proibido. Quando há razões para não se amar, entretanto, a paixão é mais forte.
Ler maisPOR VOLTA DE 1810...
— Preciso... falar com... minha filha... — lamentou João Alvares Carvalho com bastante dificuldade. O homem estava num estágio avançado de uma doença desconhecida e misteriosa. — Sua filha não pode se aproximar, ninguém de sua família, senhor João, pode ser muito perigoso — afirmou o doutor, pela quarta ou quinta vez naquele dia, desde que João insistira em falar com a filha. Ele parecia pressentir que estava morrendo, pois a aflição do homem tão fraco e esquelético sobre a cama era intensa. A filha, que aguardava ao lado de fora nos braços de sua mãe, estava muito angustiada. Elisa temia que aqueles fossem os últimos minutos de vida de seu pai e desejava ansiosamente estar ao seu lado. O vento balançava as frestas das janelas, anunciando uma forte tempestade. Era uma noite assustadora, e toda a angústia presenciada naquela casa anunciava que o pior estava por vir. Após momentos terríveis de espera, Elisa e a mãe ouviram gritos vindo de dentro do quarto. A dor que queimava ambas era muito grande, ouvir a voz de João junto à voz do médico que tentava inutilmente acalmá-lo não as deixava pensar com clareza. — Senhor João, não pode ficar agitado desta forma. E o homem doente tossia por várias vezes e praticamente sem ar, ele se esforçava de uma forma descomunal, chamando pela filha. — Pelo amor... de Deus... Preciso... Falar... Com ela... Elisa!... De dentro, a porta se abriu de repente e com força, o som do rangido da madeira soou forte. Uma jovem de cabelos castanhos, pele clara e bem vestida entrou no quarto seguida pelos gritos da mãe, Teresa, que implorava para que a menina não se aproximasse do pai. Porém, a falta de coragem da mulher mais velha ou talvez a forte emoção por ver o estado do marido, a fez ficar paralisada no mesmo lugar. — Elisa, minha filha, pelo amor de Deus, a doença de seu pai pode ser contagiosa – gritou de onde estava em lágrimas. Mas a jovem não se importava. Seu sofrimento com a possibilidade de nunca mais ver o pai era maior naquele momento. Havia ficado três meses impedida de vê-lo desde que os primeiros sintomas da doença surgiram. Ela sentia muita falta do pai. João sempre fora um homem carinhoso, dedicado, e mesmo depois da falência da família, das perdas financeiras, ele nunca deixou de lhes dar a devida atenção. Então, Teresa respirou fundo e se aproximou também. De perto, as duas ficaram em choque ao ver o quanto ele estava magro e fraco, nem de longe se parecia com o homem forte que andava para todos os lados, administrando as coisas da casa e da família. Elisa e sua mãe caíram em lágrimas no quarto. O doutor parecia insatisfeito com a presença de ambas por causa do perigo da contaminação, lhes havia comunicado por diversas vezes, ele usava algum tipo de roupa especial que lhe cobria o corpo. A mulher mais velha, de cabelos negros em um penteado simples, ficou parada mais uma vez, quase sem forças. Já a moça se ajoelhou aos pés da cama em soluços e mais lágrimas. Devagar, ela segurou a mão do pai e deixou ali um beijo carinhoso, pois, no fundo, Elisa sabia que seria o último. — Papai, estou aqui. Não se esforce. João a olhou aflito, talvez por temer que a filha estivesse exposta à doença, ou talvez o único motivo de tratar da necessidade que ele tinha em dizer algo à moça. Com sua voz ainda mais fraca do que antes, João balbuciou: — Ah... Elisa...— mas o restante da frase simplesmente não saiu. O homem virou para o lado a fim de tossir. Elisa chorou com mais força, era muito triste ver seu pai terminar assim. Logo ele, sempre tão forte, andando pela fazenda, dando ordens aos criados, resolvendo tantos assuntos administrativos e que sempre sobrava tempo e amor para cuidar da esposa e dos filhos, ela e Joaquim, seu irmão que servia no exército e do qual não tinham notícias há mais de seis meses, outra angústia que os assolava, uma possível morte em combate do rapaz. Talvez esse também fosse um outro motivo aparentemente que tenha deixado João tão frágil a ponto de a doença lhe tomar tão depressa. — Papai... Eu te amo tanto... Quando a crise de tosse cessou por um instante. João se virou para a filha com os olhos semicerrados pela fraqueza. Sua pele pálida estava mais branca que o normal, em torno de seus olhos uma grande marca escura demonstrava seu cansaço por tanto esforço. — Filha minha... Me perdoe... Os olhos de pai e filha derramaram lágrimas de dor. — Não tenho que lhe perdoar, papai, você foi o melhor pai que qualquer filha poderia ter. Ele se agitou e, por isso, a tosse lhe acometia com mais violência, sendo necessária a intervenção do doutor. — João, chega, pare de se esforçar. Mas João estava decidido, ainda precisava dizer algo à filha. Fez um gesto reprimindo o doutor e novamente se virou para Elisa. — Eu fiz algo... Para você... Elisa... pensei que fosse o melhor... Me perdoe... Elisa não fazia ideia do que fosse, mas conhecia bem o pai e sabia que ele não seria capaz de fazer mal a nenhuma mosca, principalmente se tratando dela, sua filha caçula. Então, a fim de deixá-lo mais calmo, se mostrou compreensiva: — Eu te perdoo, papai, agora fique calmo. Entretanto, o homem não se aquietou. João continuava insistindo nas mesmas palavras. — Me perdoe... Elisa… Teresa finalmente conseguiu forças e se aproximou. Os olhos do casal se encontraram de uma forma especial, diferente dos matrimônios da época, frios e convenientes. Ali havia amor verdadeiro e… dor… porque era nítido que se tratava do fim. A angústia do homem foi crescendo de tamanha forma que as palavras não saíam mais, ele não conseguia respirar. João agarrou a manga do vestido de renda que Tereza usava. A mulher já não se importava mais com a doença, deitou seu rosto sobre o dele e chorou com toda a sua força. — João… O vento soprou com mais força ao lado de fora, provocando um som assustador. O homem foi desfalecendo devagar sobre o pranto de sua família, o doutor já não conseguia conter nenhuma das duas. E lentamente o corpo de João foi perdendo completamente os movimentos, a tosse cessou, restando apenas um som angustiante de um pouco de ar restante saindo de sua boca. Devagar, seu corpo parou de se mover e um silêncio pairou sobre o quarto. Ele havia partido.O assunto principal de toda a cidade era a tragédia que assolou os Valença e os Antunes. Logo, o boato de que Manuel havia se matado por causa de Daniel estava na boca de todos. Felizmente, Elisa era vista como uma vítima naquilo tudo, recebia o consolo e conforto de todos. Manuel não teve um sepultamento digno dos Valênças, afinal tinha sido o causador de toda desgraça.Edna não se recuperou, a perda do filho a fez perder o juízo por completo. Não se arrumava mais, não saía de seu quarto, parecia ter voltado a ser uma criança, usava uma boneca de Joana nos braços o tempo todo, lhe chamando pelo nome do filho. O doutor Rodrigo e o senhor Menezes estavam ali na fazenda dos Valença para avaliar Fernando. Uma semana se passou após o acontecido e o ferimento da bala cicatrizava bem, ele fazia repouso absoluto como foi recomendado. - Muito bem, senhor Valença. Pode-se dizer que o senhor nasceu novamente - o médico falou.Fernando estava sentado com o abdômen enfaixado. Ainda sentia dores
Naquela mesma tarde, de repente, a luz do dia se foi à medida que uma tempestade se aproximava. Ventos fortes arrastavam a decoração de flores delicadas preparada no jardim para o cumprimento dos noivos. Os forros de cetim se erguiam, derrubando os talheres de prata. Com a chegada da polícia, Fernando foi socorrido e levado para um dos quartos, não o que fora dele durante sua estadia como hóspede, pois ali, o corpo de Daniel era coberto por lençóis por seus empregados enquanto a polícia analisava tudo que tinha acontecido. Antonia conseguiu que um servo a levasse atrás do médico. Rodrigo Maia era um dos convidados que já tinha ido embora. A caminho da cidade, foi interceptado pelos servos dos Antunes e Antônia com a notícia da grande tragédia. Conhecia bem os Valenças, ele próprio cuidou de Jorge Valença quando caiu de seu cavalo num acidente. O senhor Menezes estava logo à frente em sua carruagem com sua família, e viu quando Antônia abordou o médico em desespero, saltando da carru
- Eu vi alguém ali na entrada da porta! - Alberto argumentou, apavorado.Edna saiu rapidamente e foi conferir, não havia ninguém.Ela retornou e Manuel estava revirando as gavetas do escritório.- Não há ninguém.Manuel continuava a procurar por algo.Alberto indagou:- Preciso ir embora, vou providenciar minha viagem à Europa ainda hoje, não quero que nada faça ligação entre mim e o que houve hoje.Então, Manuel encontrou o que procurava.- Eu sabia que Daniel a guardava em algum lugar - falou, apreciando uma arma de fogo em suas mãos. - Manuel, o que você pretende? - Edna perguntou, aflita.- Ainda hoje eu acabo com aquele maldito - ele falou, ainda admirando a arma em suas mãos de forma lunática.Edna levou as mãos à boca. Percebia que seu filho estava fora do juízo. Manuel guardou a arma na cintura e saiu da sala, passando por sua mãe, lhe ignorando.Manuel saiu do escritório batendo a porta, estava cego pela raiva que sentia. Para ele, Fernando era o único responsável por toda
Após sair do quarto de Valentina e ser consolado com algumas palavras pela dama de companhia da jovem. Fernando se deparou com Elisa no corredor. Ficaram de frente um para o outro, se entregando carregados de palavras que desejavam dizer, mas não podiam. A beleza dela o deixara mais uma vez sem fôlego, desejava, mais do que tudo, que pudessem ter uma chance juntos. Como era possível duas pessoas se amarem tanto e ser-lhes negada a felicidade? Aquilo chegava a queimar seu peito.— Senhor, Fernando... — ela falou quase sem voz.Era nítido que se controlava, afinal, algum convidado poderia vê-los ali naquele corredor a sós. Mas Elisa precisou apertar os lábios para conter o desejo de se lançar sobre ele. Agora que sabia sobre sua fidelidade, ficava ainda mais difícil controlar o que sentia.Então, foram interrompidos por gritos estéricos vindo do final do corredor. Era o quarto em que Fernando estava hospedado. Uma das servas gritava em pânico por um pedido de socorro. Elisa encarou F
Chegaram à casa dos Antunes e, assim que Manuel desapareceu de seu campo de visão, Elisa decidiu acabar com sua angústia e ir até o quarto de Valentina. Não suportava mais aquela dúvida, afinal, na casa todos pareciam esperar pela noiva de forma natural.Quando chegou no corredor principal, Elisa notou um movimento estranho, as servas pareciam tensas, uma delas até chorava. Ao vê-la, se recomporam e ficou nítido que estavam tentando esconder algo. Então, Elisa soube que Valentina havia cumprido com sua palavra.- A senhorita Valentina não está, não é mesmo? - Elisa falou, se dirigindo às servas que caíram em desespero.- Ah, senhora Valença, não sabemos o que fazer. Isto será um escândalo. O senhor Antunes vai ficar louco!Então, Elisa abriu a porta e viu que tudo estava intocável, o vestido de noiva sob a cama e todos os outros adereços nupciais. Provavelmente, Valentina teria ido pela madrugada, como dissera. Uma mistura de ansiedade e alívio por Fernando não se casar lhe invadiu. N
A semana passou rápido. Poucos dias depois, todos foram surpreendidos com a chegada dos convites do casamento entre Fernando Valença e Valentina Antunes. A cidade estava em euforia, todos falavam acerca deste evento. Manuel colocou fogo no que estava à sua mão e assistiu ao envelope de papel caro escrito com letras douradas bordadas se tornar em cinzas. Irritado, Manuel jogou a pilha de papéis que tinha em sua mesa no chão. Elisa respirou fundo, contendo a lágrima, enquanto analisava o convite sozinha em seu quarto. Havia liberado Fernando a ir até o fim com o casamento, mas o amava e aquilo doía. Saber que o homem a quem pertencia seu coração se casaria com outra e bem à sua frente. Felizmente para Antônia, Manuel mal parou em casa naqueles dias, assim ela recebia as visitas constantes de Elisa e Joana, já que era a senhora Mazé quem estava o tempo todo fazendo sua guarda. Naquela manhã, Elisa lhe entregou uma carta enviada por Joaquim que a deixou com o coração aquecido. — Ah, El
Último capítulo