Era fim de tarde quando Mike invadiu o corredor da ala de tecnologia da base, assobiando como se a tensão daquela última missão não tivesse sido quase insuportável.
Ele parou na porta da sala onde Sophia digitava em silêncio, mergulhada em códigos e registros da operação.
— Sabe o que combina perfeitamente com um dia cheio de explosões, tensão emocional e olhares assassinos? — disse ele, encostado no batente, como um adolescente travesso.
Sophia levantou os olhos, já com um meio sorriso.
— Sorvete?
Mike arregalou os olhos, fingindo surpresa.
— Senhorita Scoot, está lendo minha mente? Isso é perigoso.
Ela soltou uma risada leve.
— Aceito. Preciso de um pouco de açúcar no sistema.
— E talvez um pouco de conversa também? — completou ele, estendendo a mão como um cavalheiro debochado. — Prometo que não vou fazer você chorar… muito.
A sorveteria era simples, escondida numa das ruas secundárias fora do perímetro da base. A escolha proposital: discreta, pacífica. Mike conhecia o lugar desde que se juntara à divisão tática e sempre vinha ali quando precisava pensar.
Sophia escolheu um sorvete de morango com flocos. Mike pegou chocolate com cobertura tripla de caramelo — algo que combinava com sua personalidade exagerada.
— Então — começou ele, com o tom casual de quem prepara o terreno para uma bomba —, tá gostando de estar de volta ao campo?
Ela hesitou por um instante antes de responder.
— É difícil… mas estou tentando.
Mike assentiu devagar, lambendo a colher.
— Imagino que não seja fácil estar perto dele de novo.
Ela travou por um segundo, a colher parada no ar.
— Não. Não é — confessou.
— Sabe, ele não parou de pensar em você — disse ele, como quem tira o curativo de um machucado antigo. — Nunca. Nem por um dia.
Sophia não respondeu. Apenas olhou para o sorvete como se ele fosse responsável por todas as dores do mundo.
— Eu sei que não é da minha conta, mas... — Mike continuou, mais sério do que o normal — eu estive lá quando ele desmoronou. Ele não deixou ninguém chegar perto. Sumiu por semanas. Quando voltou, era outro homem. Frio. Duro. Inflexível. Mas nunca deixou de ser seu.
Uma lágrima escapou antes que ela pudesse impedir. Sophia limpou rapidamente com o dorso da mão, respirando fundo.
— Você quer saber o que eu lembro daquele dia? — perguntou, a voz embargada.
Mike ficou em silêncio. Apenas assentiu.
— Eu fui encontrar a Kimberly. Ela me chamou pra conversar… disse que queria “tentar uma trégua”. — A voz dela tremia. — Ela pagou um suco pra mim, e... eu aceitei. Não devia, mas aceitei.
As mãos de Sophia apertavam o copinho de sorvete.
— Depois disso, tudo ficou... estranho. A memória vira um borrão. Fragmentos desconexos. Risos que não reconheço. Vozes. Uma sensação de que estavam me tocando, mas eu não conseguia me mover. Só lembro da dor.
Mike prendeu a respiração.
O ar ficou mais pesado.
— Quando acordei… estava nua. Numa cama. E tinha um homem do meu lado. Um estranho. Eu não conseguia me lembrar de como tinha chegado lá. Estava zonza, com dor, com medo. E então… — ela engoliu em seco — Adam entrou.
Mike murmurou:
— Filha da... Kimberly…
— Eu tentei falar. Tentei gritar, me explicar. Mas ele só me olhou como se eu fosse… lixo. Um golpe seco na parede, a porta se fechando com força… e então, nada. Nunca mais.
O silêncio reinou por um longo momento.
— Eu me culpei — disse ela, com a voz baixa. — Pensei que talvez tivesse feito algo errado. Que merecia aquilo. E depois… desenvolvi esse medo. Cada toque... cada aproximação... é como se eu estivesse de volta ali.
Mike tocou levemente a mão dela. Um gesto cuidadoso, fraterno.
— Sophia... você é a última pessoa que merecia passar por aquilo. E eu te juro... eu vou descobrir o que realmente aconteceu. Eu nunca confiei naquela cobra da Kimberly.
Ela assentiu, tentando conter o tremor nas mãos.
Do outro lado da rua, parado dentro do carro preto da base, Adam observava tudo.
Ele não sabia por que estava ali. Talvez porque Mike saíra com ela sem dizer onde iam. Ou talvez porque algo dentro dele o puxava para perto. Sempre puxava.
Quando viu os dois rindo — mesmo que fosse um riso tímido — o peito dele se apertou de um jeito que não acontecia desde o dia em que jurou enterrar o que sentia.
Mas quando viu a lágrima escorrer pelo rosto de Sophia… o mundo dele parou.
Ele queria descer do carro.
Queria entrar naquela sorveteria e dizer que sentia falta dela mais do que de si mesmo.
Mas tudo que fez foi fechar os olhos e encostar a cabeça no volante, sufocado pelo peso de uma culpa que talvez não fosse toda dela… e nem só dele.
Na volta, Mike entrou no carro com Sophia e lançou um olhar para Adam no banco do motorista.
— Tô começando a achar que você devia ter comido um sorvete também, grandão.
Adam não respondeu. Apenas ligou o carro e arrancou, o maxilar trincado.
E Sophia, sentada no banco de trás, fechou os olhos por um instante…
Sabendo que o passado estava voltando.
E que, dessa vez, ou enfrentariam juntos — Ou seriam destruídos por ele.