STELLA HARPER
Eu deveria ter aprendido a sussurrar.
Ou melhor, a calar a boca de vez. Mas às vezes a frustração escapava antes que eu conseguisse engolir.
— Você me chamou de robô?
Congelou tudo em mim. Músculos, garganta, respiração.
Meu estômago virou um nó. Cada célula do meu corpo parecia gritar para que eu fugisse, mas tudo o que consegui fazer foi me virar devagar, como se pudesse adiar o inevitável.
— E-eu… não, senhor. Claro que não. — tentei sorrir. A tentativa morreu no meio do caminho. — Eu estava falando de… de outra coisa. Uma impressora. Antiga. Da sala de arquivos. Ela vive travando, faz uns barulhos horríveis… Parece um robô velho. Foi isso.
Ficou um silêncio.
Damian Winter era o mestre do silêncio. Mestre em olhar sem expressão, sem raiva visível, mas ainda assim conseguir me fazer sentir como se eu estivesse sendo julgada por um tribunal inteiro.
Ele não respondeu. Só me encarou com aqueles olhos de vidro, frios, claros e impossíveis de decifrar. Como se estivesse vasculhando minha alma, esperando o menor sinal de tremor para me destruir.
Odiava aquele olhar. Odiava como ele me fazia sentir... pequena.
— Entendo. — ele disse por fim. Andou até sua mesa como se nada tivesse acontecido. — Eu tinha acabado de entrar, então compreendi errado. Bom saber que está preocupada com a manutenção dos equipamentos. Avise o setor de TI para providenciar a substituição.
A forma como ele falou me fez tremer mais do que se tivesse gritado comigo. A falta de qualquer traço de emoção me fazia temer uma vingança mais tarde.
Damian era um homem que não se podia decifrar, talvez, porque ele mesmo já tivesse apagado qualquer humanidade em nome da eficiência.
Ajeitei a saia e me levantei, pronta para sair da sala e esquecer aquele momento vergonhoso.
Já estava com a mão na maçaneta quando ouvi sua voz novamente.
— Stella.
Parei. Fechei os olhos por um instante e inspirei.
— Sim, senhor?
— Prepare-se para viajar. Amanhã. Vou para a Suíça, e quero você comigo.
Virei lentamente. Franzi as sobrancelhas, surpresa.
— Eu… me desculpe, pensei que só o senhor fosse. Não houve essa inclusão no sistema do RH...
— Foi uma decisão de última hora. — sua voz não deixava espaço para argumentação. — E prefiro ter alguém que saiba ler entrelinhas nos contratos, em vez de bajuladores que mal sabem diferenciar um orçamento de um relatório anual.
Fiquei em silêncio por alguns segundos antes de assentir.
— Entendido, senhor Winter.
Ele não respondeu. Só voltou os olhos para a tela do computador, como se eu já não estivesse mais ali.
[...]
A viagem para Zurique era longa, e o silêncio dele era uma constante. Dessa forma eu também me sentia desconfortável em falar e incomodá-lo, então permaneci quieta.
Sentei ao lado dele com o tablet em mãos, tentando manter a concentração nos contratos. Já era a terceira vez que revisava os mesmos documentos, mas não conseguia parar. Parte por responsabilidade, outra parte porque, sinceramente, não sabia o que fazer com minhas mãos tendo meu chefe tão perto.
— Sabe, Stella... — ele começou, me tirando de pensamentos. — você deveria aprender a relaxar um pouco. Passar horas grudada nesses contratos não é exatamente o melhor remédio contra o estresse.
Ergui os olhos brevemente, só o suficiente para encará-lo. Eu ouvi direito? Será que é uma pegadinha? Ele é a última pessoa que eu esperaria dizer que preciso relaxar. Olhei para a sua mão e notei que segurava um copo de uísque. Não sei quantos já bebeu, mas acho que já estava no estágio "alegrinho". Quase sorri ao pensar nisso.
Voltei a olhar para a tela do tablet antes que minha expressão entregasse mais do que deveria.
— Trabalho é trabalho, senhor Winter. — respondi.
— Então me diga, Stella — continuou, com aquele tom quase entediado — qual é o seu jeito de relaxar? Um bom livro? Uma taça de vinho? Ou talvez uma noite quente?
Minhas mãos se moveram mais rápido na tela, embora meus olhos não estivessem mais absorvendo nada. Aquilo só podia ser provocação. Tento pensar em outra coisa para acalmar minhas bochechas quentes.
— Eu prefiro manter o foco no que importa, senhor.
— Interessante... — vejo pelo canto do olho ele tomar um gole da bebida. — No meu caso, sexo sempre me relaxa.
Deus, o que deu nele?
— É mesmo? — É mesmo o quê Stella? Volta a raciocinar mulher!
— Eu me pergunto… — disse ele, com as sobrancelhas franzidas — Se uma boa noite de sexo te deixaria menos rigida comigo.
Engoli em seco. Sexo com quem? Com ele? Vamos ficar calma, qualquer demonstração de nervosismo seria um presente para ele.
— Essa conversa está me deixando desconfortável, senhor Winter.
— Mas eu não estou. E você deve falar do que eu quiser, já que quem paga seu salário sou eu. — Maluco psicopata.
— Tudo bem, senhor. O que mais gostaria de falar?
— Esqueça. Você me entediou ainda mais. — Sério isso?
O avião aterrissou horas depois. O carro nos aguardava na pista, claro. Ninguém se atreveria a deixar Damian Winter esperando.
No trajeto até a casa dele em Zurique, me mantive em silêncio. Havia neve caindo lá fora e o farfalhar dos pneus na pista úmida. Eu olhava para a janela, tentando manter os pensamentos longe. Mas falhava. Porque eu o sentia me olhando.
Quando entramos na casa, o calor do aquecedor me envolveu de imediato. Tirei o casaco devagar, meus dedos ainda se adaptavam a mudança de temperatura.
— Vou tomar um banho antes do jantar. — ele anunciou, já subindo as escadas.
Claro que não esperou resposta. Já era surpreendente o fato dele ter avisado.
Fiquei ali por alguns instantes, parada no meio da sala de estar elegante e minimalista. Sem excessos. Nem alma. Acho que ele não se daria o trabalho de decorar cada casa que lhe pertence em paises diferentes. De repente, me sinto curiosa sobre a casa dele na Califórnia.
Subo para deixar minhas coisas no quarto de hóspedes e tentar me recompor.
Mas não tive nem cinco minutos de pausa.
— Stella! — ouvi a voz do meu chefe ecoando pelo andar superior. Me levantei e fui em direção ao quarto dele. Parei no corredor. Meus pés hesitaram antes de seguir. Ele estava no banheiro.
— Precisa de algo senhor?
— Me traga uma toalha. — A voz dele veio abafada através da porta.
Fui até a porta do closet e tirei a primeira que encontrei. Me aproximei novamente e estendi a toalha pela fresta, mantendo o olhar firmemente voltado para o lado oposto.
— Aqui está, senhor. — Ele pegou a toalha e, por algum motivo, não fechou a porta.
— Stella. — chamou novamente.
Virei lentamente. E dei de cara com ele. Ou melhor, com o seu peito nu, com gotas de água ainda escorrendo pela pele e a toalha presa na cintura.
Tive que me obrigar a olhar para cima. Para o rosto dele. Mas até isso era difícil.
Meu rosto queimava e o sangue estava correndo acelerado pelas veias.
— Precisa de mais alguma coisa? — perguntei rápido, desejando desaparecer.
— Ainda não sei. — ele respondeu, dando um passo em minha direção. — Você acha que preciso de alguma coisa?
Recuar foi instintivo. E quando dei por mim, minhas costas bateram na parede. As mãos dele vieram em seguida, uma de cada lado do meu rosto. Meu corpo inteiro entrou em alerta.
— Está vermelha, senhorita Harper. — ele murmurou, como se aquilo fosse um dado a ser registrado. — Por quê?
— Não estou. — sussurrei, desviando o olhar.
— Essa boquinha bonita conta muitas mentiras... — Seu polegar roçou meu lábio inferior e minha respiração ficou presa. — Mas admiro sua coragem de negar o que está bem diante dos meus olhos.
— Eu jamais me atreveria...
— Shhh... — seu indicador pousou nos próprios lábios. — Você fica bem mais atraente quando está calada. Bem, acho que isso vale para todas as mulheres. — sua mão encostou-se do outro lado da parede novamente, trancando minha possível rota de fuga. Ele se inclinou. Perto demais. — Diga-me, senhorita Harper... — sussurrou, com a voz baixa e calculadamente provocativa — você tem pensamentos impróprios comigo?
Engoli o ar. Meus pulmões pareciam ter encolhido.
Entrei em pânico, eu poderia mentir mas não sei até onde ele vai com isso. Então me abaixei, passando por baixo do braço dele e escapei. Quase tropeço, mas não paro. Entro no quarto de hóspedes e fecho a porta com força.
Apoiei as costas na madeira, tentando recuperar o fôlego.
Damian estava se tornando muito perigoso.