Meu Deus, cadê a droga desse salto? — murmurei, sozinha, enquanto revirava o quarto inteiro em busca do meu salto novo.
O dia da viagem finalmente havia chegado. Kevin tinha me avisado ontem o horário e o local do aeroporto particular dele, e agora eu estava aqui, minutos antes de sair, procurando feito uma maluca o maldito salto novo. O único salto bonito e confortável que combinava perfeitamente com o look. Mas, é claro, ele tinha resolvido desaparecer justo hoje. Vesti uma blusa preta de manga comprida, ombro a ombro, uma calça branca de cintura alta, cinto preto com fivela dourada e uma bolsinha preta que combinava com absolutamente tudo. Pobre? Sim. Deselegante? Jamais. Só faltava a porcaria dos saltos novos para completar o visual. Olhei o relógio. — Merda! Eu vou me atrasar! Meus olhos foram direto para os saltos velhos no canto do quarto. Eram os únicos que ainda combinavam minimamente com o look. — É… vai ser você mesmo — falei, pegando os saltos e calçando com raiva. Nada confortáveis, claro. Mas com o tempo apertado, não tinha mais o luxo de ficar revirando a casa atrás do outro par. Calcei os saltos apertados e saí às pressas. Ainda bem que o elevador já estava funcionando novamente — seria o fim descer tudo aquilo de escada nesse salto torturante. Ao chegar no térreo, passei pelo porteiro. — Bom dia, senhor Carlos — disse apressada, forçando um sorrisinho. — Bom dia, menina Sarah. Boa viagem! — ele respondeu, simpático como sempre. Sorri com um aceno e fui direto para o táxi que já me esperava na porta do prédio. Entrei no carro e informei o endereço. O trajeto até o aeroporto particular foi rápido, graças ao trânsito quase inexistente daquele horário. O motorista foi simpático, mas eu estava tão ansiosa que mal consegui prestar atenção nas conversas aleatórias que ele puxava. Assim que desci do táxi, lá estava ele. Uau. Avistei o jato particular de Kevin. Enorme. Impecável. E claro, com o sobrenome dele estampado em letras elegantes na lateral da aeronave. Arrogante até no transporte. Seria estranho se eu dissesse que o jato parecia com ele? Logo um funcionário de terno escuro veio até mim, educado e ágil, pegou minhas malas com gentileza e seguiu na frente. Subi os degraus da escada do avião com cuidado, tentando ao máximo não torcer o pé com esses saltos que agora pareciam ainda mais apertados. Assim que entrei na cabine luxuosa, meus olhos foram direto para ele. Kevin estava sentado como um CEO em um trono. Vestia um terno de três peças azul-escuro impecável, como se fosse para uma reunião com o presidente. Seu perfume amadeirado, marcante e inconfundível, já tomava conta do ambiente. Por mais que eu tentasse não notar, era impossível ignorar o quanto aquele homem exalava poder e controle. Ele estava concentrado no celular, como se o mundo ao redor não existisse. Ou como se eu não existisse. Também possível. Passei por ele com a cabeça erguida. — Bom dia — disse apenas para ele não poder alegar depois que sou mal-educada. Ele sequer levantou os olhos. Continuou ali, vidrado na tela. Nem um aceno. Aff, eu não suporto esse homem. Fui direto para um dos assentos do outro lado da cabine, bem longe dele. Mas, claro, a paz durou pouco. — Sente-se do meu lado — ordenou ele, sem sequer tirar os olhos do celular. Pisquei algumas vezes, confusa. — Eu? — perguntei, incrédula. Finalmente, ele levantou o olhar e me analisou de cima a baixo, lentamente, até seus olhos encontrarem os meus. — Está vendo outro passageiro aqui? — falou, me analisando. Um amor, ele, né? — Estou bem aqui — respondi, tentando manter a compostura. — Não estou pedindo, Miller. Revirei os olhos discretamente sem ele ver ate me virar de novo pra ele. — Desculpa, mas o senhor não pode me obrigar a sentar ao seu lado. Isso não faz parte do meu trabalho. Meu Deus. Eu realmente estou debatendo com esse homem? Anotem isso: Sarah Miller será demitida em breve. Ele inclinou levemente a cabeça. Por um segundo, juro que vi um sorrisinho, quase imperceptível, surgir no canto dos seus lábios. — Na verdade, faz.-faço uma expressão confusa O quê? — Tem documentos importantes sobre a viagem na minha pasta, e eu preciso que você revise tudo antes de chegarmos. Não posso ficar me esticando pra te entregar o que for necessário toda hora. Então, sente-se ao meu lado. Suspirei, derrotada. Eu não acredito que esse homem vai me colocar pra trabalhar até em pleno voo. Peguei minha bolsinha e caminhei até a poltrona ao lado dele. Me sentei com o maior cuidado do mundo, tentando manter o máximo de distância possível entre nossos corpos. Kevin pegou uma pasta de couro e a colocou no meu colo, como quem entrega um fardo. — Comece a ler. Temos muito para discutir. Apenas acenei com a cabeça. Sem vontade alguma. Eu odeio esse homem.