Capítulo 4

Sarah

Desço do táxi e faço o pagamento ao motorista.

- Obrigada - digo, e o taxista apenas acena, saindo logo em seguida.

Olho para frente, vendo a simples casa da minha avó. Suas paredes em um tom claro já desbotado pelo tempo, uma varanda charmosa com duas cadeiras de madeira e um jardim modesto com algumas flores que ela mesma cultiva com carinho. Tudo tem um ar de paz, aconchego e saudade.

- Bom, lá vamos nós - falo, suspirando e indo em direção à casa da minha avó, Miriam.

Subo as pequenas escadas da varanda e bato na porta.

- Saraaah! - ela aparece, abrindo os braços pra me abraçar.

Minha avó mora sozinha, e não se engane, ela se vira muito bem. Meu avô morreu há dez anos, vítima de um ataque cardíaco. Ele era maravilhoso, igual a ela. Desde que saí de casa, minha avó ficou sozinha. Até pedi pra ela morar comigo ou se mudar para um lugar mais perto, mas ela negou. Diz que aqui se sente mais próxima do meu avô e que quer morrer aqui, igual a ele. Acho isso muito fofo e emocionante, mas me preocupo com ela. Me preocupo de acontecer algo e eu não estar por perto para ajudá-la, já que meu apartamento é bem longe da casa dela. Desde então, dou meu máximo para visitá-la sempre que posso. Às vezes fica puxado por conta do meu trabalho, que exige muito.

- Oi, vovó - falo, abraçando ela.

Ela tem 64 anos, cabelos esbranquiçados cuidados e presos num coque. está sempre com roupas floridas e chinelos confortáveis. Seu sorriso é uma mistura de doçura e firmeza, típico das mulheres fortes da geração dela.

- Como a senhora está? - pergunto.

- Triste - ela responde, o que me faz juntar as sobrancelhas, preocupada.

- Por quê? Aconteceu algo? Alguma coisa com sua saúde? Voltou a sentir aquelas dores? - falo preocupada.

- Não, nada disso, garota - ela responde, me dando um tapinha no braço.

- Então o que houve? - pergunto.

- Você e seu irmão me abandonaram de vez! Quase não lembro o rosto de vocês, estou me sentindo uma velha abandonada! - ela fala, e eu reviro os olhos.

Juro, não conheço uma velha mais dramática do que minha avó.

- Vó, eu estava aqui semana passada - falo, cruzando os braços.

- E você acha isso pouco?

- Vó... peraí, que cheiro é esse? É bolo de milho? - falo, sentindo o cheiro maravilhoso do bolo de milho que minha avó faz como ninguém.

Até posso comer outros bolos de milho, mas nenhum é igual ao da minha avó. O dela é surreal.

Entro na casa e está tudo do jeito de sempre. O sofá com a manta azul que ela mesma tricotou, o tapete florido que quase nunca sai do lugar, e as paredes repletas de quadros: fotos minhas pequena, do meu irmão, da minha mãe da minha tia ... e claro, do meu avô.

Vou diretamente pra cozinha.

Avisto o bolo recém-saído do forno e vou direto a ele, pegando rapidamente um prato e uma faca.

- Aii, vó - resmungo, alisando a mão após levar um tapa dela.

- Lave as mãos primeiro - ela fala, apontando para a pia. - Só Deus sabe onde esses jovens colocam a mão...

Olho pra ela com as sobrancelhas juntas. O que ela quer dizer com isso? Misericórdia, quero nem saber...

Vou até a pia e lavo as mãos como ela mandou. Em seguida, sento à mesa da cozinha e ela me serve um pedaço do bolo. Pego uma colher e levo o pedaço à boca.

- Hummm - resmungo, fechando os olhos ao sentir o sabor maravilhoso daquele bolo.

Como esse bolo desde pequena, mas sempre que dou uma mordida, a sensação maravilhosa é a mesma.

- Vó, isso tá maravilhoso - falo, apontando para o bolo.

- Obrigada, querida - ela diz. - Agora me conta como estão as coisas. Está tudo bem com você? E com seus amigos?

Minha avó conhece meus dois amigos. Sempre que podem, eles também a visitam - e se amam. Minha família são eles.

- Estão todos bem, vó. Fique tranquila.

- E aquele seu chefe bonitão, como está?

Eu quase engasgo com o bolo.

Minha avó nunca viu Kevin pessoalmente, mas um dia me pegou vendo uma foto dele. Eu só estava vendo a foto dele para descontar minha raiva xingando a foto dele por ele ter me enchido de trabalho quando era pra ser minha folga. Desde que minha avó viu a foto, vive dizendo que ele é bonitão, gostoso, que eu deveria aproveitar... essas coisas.

- Vó, pelo amor de Deus, você ainda lembra desse homem?

- Querida, minha memória pode falhar em muitas coisas, mas esquecer o rosto de um deus grego como aquele, eu não esqueço.

- Para, vó! Que deus grego o quê. Aquele homem tá mais pra robô sem sentimento.

- Na minha época não tinha chefes bonitos como esses...

Reviro os olhos.

- Vó, por favor, vamos mudar de assunto - Já não basta trabalhar todos os dias com aquele homem, ainda tenho que ouvir meus amigos e minha vó elogiando ele sempre que podem. Misericórdia, esse homem me persegue!

Ela dá um sorriso e se senta à mesa.

- Você vai ao casamento do seu irmão? - ela pergunta, e meu corpo automaticamente fica tenso.

Que merda! Hoje minha vó tá com a língua afiada pra falar dos assuntos que eu menos gosto.

Eu e meu irmão nunca fomos amigos. Ele sempre teve uma personalidade diferente da minha cruel e ruim. Na infância, quebrava todos os meus brinquedos e vivia inventando mentiras sobre mim para minha avó. Eu sempre tentei ser amiga dele, mas ele nunca permitiu. Achava que era coisa de criança, mas na adolescência só piorou. Ele ficou mais rebelde, não respeitava minha avó, bebia, usava drogas e até começou a me culpar pela morte da nossa mãe mesmo sem eu ter culpa nenhuma. (Demorei pra aceitar isso.)

Quando ele completou 17 anos, fez uma das piores coisas: roubou todas as economias da minha avó e as minhas pra farrear e comprar drogas. Minha avó o repreendeu, e ele não gostou nem um pouco. Resolveu abandonar minha avó e foi morar com o pai dele que também não é uma boa pessoa. Desde então, mora com o pai, é bem-sucedido e agora, com 23 anos, vai casar. Não soube disso pela boca dele, claro. Quase não nos falamos. Fiquei sabendo pelas notícias.

- Ele não me convidou. E se convidasse, eu não iria de qualquer forma - respondo sem emoção, levando um pedaço de bolo à boca.

Minha avó me observa em silêncio por alguns segundos. Eu já sei o que vem a seguir.

- Ele poderia ter te convidado...

Dou de ombros.

- Podia, mas não falou. E eu não faço questão.

Ela solta um suspiro cansado e passa a mão pelo rosto.

- Sarah...

- Vó, por favor, não começa.

- Mas, minha querida, vocês são irmãos.

Cruzo os braços, já esperando.

- Você já perdoou, vó, e eu fico feliz por isso. Mas eu não consigo. Eu não tenho essa capacidade de perdoar e esquecer tudo que ele fez.

- Não, querida, não estou pedindo pra você esquecer... só pra tentar pelo menos conversar com ele.

Sinto uma irritação crescendo dentro de mim, mas tento me manter calma. Já tivemos essa conversa umas mil vezes, mas minha vó parece que não entende.

- Ele te convidou, pelo menos? - pergunto.

- Sim - o mínimo, né.

- Pelo menos isso - falo.

- Ele era só um garoto com problemas, Sarah.

- Ele já é um homem feito agora, vó. E continua agindo como um idiota.

Ela balança a cabeça, derrotada. Ficamos em silêncio por alguns instantes. O bolo na minha frente já não parece tão apetitoso.

- E você? Vai ao casamento?

- Claro que vou. Ele é meu neto. E você também deveria ir.

A forma como ela fala isso me faz sentir um aperto no peito. Minha avó sempre amou todos nós incondicionalmente mesmo quando não merecemos.

- Nem morta.

Minha avó suspira, mas não insiste. Em vez disso, pega minha mão e a aperta de leve.

- Eu só quero ver vocês felizes e juntos, querida.

Sorrio de lado.

- Bom, não vim aqui pra falar do Liam - falo, mudando o assunto.

Ela me encara.

- Tenho uma notícia um pouco triste pra te dar.

Ela me olha assustada.

- O quê? Não me diga que o Brad Pitt morreu! - ela fala, super assustada.

Reviro os olhos. Minha avó é fanática pelo Brad Pitt.

- Não, vó, meu Deus...

- Ah, sim. Que bom - ela fala, suspirando e colocando a mão no peito.

- Eu vou para a Itália.

Ela me olha com tédio.

- É essa a notícia triste? Depois a dramática sou eu...

Sorrio e dou de ombros.

- Vai fazer o quê na Itália, garota? Não me diga que encontrou um italiano gostoso lá e tá indo ao encontro dele - ela fala, entusiasmada.

- A senhora tem que parar de falar com meus amigos.

- Nunca - ela responde.

- Vou viajar a trabalho - digo, e a expressão dela muda.

- Agora entendi por que a notícia é triste - ela diz, me fazendo sorrir.

- Pois é. E ainda tem mais: vou viajar com meu chefe arrogante - digo, e assim o brilho volta aos olhos da minha avó.

- Agora voltei a não entender - olho pra ela com tédio.

- Humm... viagem para a Itália com seu chefe bonitão - ela fala num tom malicioso.

- Vó, por favor. Eu não suporto ele. E tenho certeza que ele também não me suporta.

- Eu e seu avô também não nos suportávamos na juventude. E tive dois filhos e hoje tenho três netos - ela fala, tocando meu queixo.

Balanço a cabeça, sorrindo de lado.

Além da minha mãe, minha avó tem outra filha que foi morar no Brasil e tem uma filha quase da minha idade. Às vezes elas visitam minha avó, mas não com muita frequência.

- Esse casamento do seu irmão pode não me dar um bisneto... mas essa viagem vai.

- EU VOU EMBORA!

Ela ri, e eu só consigo revirar os olhos.

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