Sarah
Estava sentada na cama, pijama velho, coque bagunçado e um restinho de dignidade tentando sobreviver. Com o notebook apoiado entre as cobertas, os fones de ouvido enfiados até a alma e eu pronta para começar minha maratona: "Italiano básico em 7 dias". Sete dias. Sete. O homem me mandou para a forca com um leve movimento de sobrancelha e agora eu tô aqui, tentando aprender uma nova língua com uma professora digital que fala como se tivesse engolido um acordeão. - "Buongiorno!" - a mulher do vídeo disse com uma animação que me irritou instantaneamente. - Tá, tá. Buongiorno também, fia. Vai devagar - resmunguei, apertando o botão de voltar três vezes porque já tinha perdido metade da explicação. A lição dizia que era só repetir, imitar, praticar. Fácil. Como se meu cérebro fosse uma esponja e não uma massa gelatinosa em pânico. - Certo, vamos lá. É só repetir, imitar e praticar. Não deve é difícil - falei, me ajeitando na cama com as pernas entrelaçadas. - "Come stai?" - Come estái... - tentei repetir. - "Come stai?" - Comi style? - "Co-me stai." - Ah, pronto. Agora parece que ela tá brigando comigo! Pausei o vídeo e afundei a cara nas mãos. Suspirei. Alto. Sozinha. Meu Deus... Eu vou ser desmascarada no primeiro dia de viagem. O Kevin vai olhar pra minha cara e perceber que eu não entendo nem o que significa "ciao". E ele vai dizer com aquela voz arrogante: "No seu currículo dizia que você falava italiano, Miller", e aí vai me demitir no aeroporto, na frente de todo mundo... e eu vou ter que voltar pra casa de carona com o piloto. Cliquei no vídeo novamente, determinada. Respira, Sarah. Respira. Apertei o play de novo. - "Mi chiamo..." - Mi... chamo? Chamado? Meu nome? Tá. Essa eu entendi. Tô ficando boa nisso! - "Mi chiamo Laura." - Mi chiamo Sarah! - disse em voz alta, me sentindo minimamente vitoriosa. Cinco segundos depois, ela começou a falar frases maiores e mais rápidas, tipo: - "Vorrei un caffè senza zucchero, per favore." - ... - ... - ...Per quê?! - EU SÓ QUERO DIZER "MEU NOME É SARAH" E "ONDE FICA O BANHEIRO", NÃO PEDIR UM CAFÉ ESPECÍFICO COMO SE EU FOSSE UMA ESPIÃ INTERNACIONAL! Desliguei o vídeo e fechei o notebook com um suspiro. Respirei fundo. - Ok. Planos alternativos: adoecer subitamente antes da viagem. Cair e bater a cabeça. Me esconder dentro da minha própria mala e fingir que me perdi no aeroporto. Me joguei para trás, deitando na cama com um drama digno de novela mexicana. - Eu vou morrer... mas pelo menos vou morrer bilíngue. Ou tentando. Peguei meu celular em cima da bancada e desbloqueei a tela. No grupo que tenho com os meus dois amigos - vi as mensagens deles chegando como tiros de salvação: Justin: "amores já vou pegar o táxi" Mia:"Baby, chicletinha já estou saindo " Sorri sozinha. Mia me chamava de chicletinha desde os tempos de escola. Por causa de uma história que depois eu conto Eu: "só vou tomar um banho e já saio" Fechei o celular, me levantei com um pouco mais de ânimo e fui direto para o banheiro me preparar. Já se passaram alguns dias desde aquela ordem que recebi do Kevin, e agora finalmente era final de semana. Sim, final de semana. Descanso daquele homem insuportável e arrogante. A semana até que foi normal depois da bomba que ele jogou - ou melhor, ordenou - mas o ritmo continuou o mesmo: trabalho, café, reuniões, planilhas e, claro, intervalos de desespero estudando italiano. Porque, meu Deus... que idioma complicado. •• ( ) •• - Pense pelo lado bom: quem sabe lá você não encontre um italiano rico e gostoso que te tire da pobreza - Mia fala, piscando pra mim com um sorriso malicioso. Olho pra minha amiga e reviro os olhos, balançando a cabeça em negação. Estávamos na lanchonete onde costumamos vir há uns quinze minutos, nosso ponto de encontro sagrado. E, como de costume, eu estava me lamentando novamente sobre ter que viajar com aquele babaca arrogante e, pra piorar, não saber falar italiano. Eu estava sentada à mesa, ao lado da Mia. Usava uma roupa básica: uma blusa branca de algodão com a gola um pouco amassada, calça jeans escura e um tênis velho que já pedia aposentadoria. O cabelo estava solto, meio desajeitado ainda do banho, e minha cara de cansaço era praticamente um acessório. Mia, por outro lado, parecia saída de um editorial de moda. Os cabelos curtos castanhos escuros estavam soltos, volumosos e brilhantes, caindo como uma moldura em seu rosto. Usava uma blusa vermelha de alcinhas justinha, uma calça jeans de cintura alta que valorizava o corpo e um salto grosso nude - porque, segundo ela, "confortável sim, mas com classe". Justin estava sentado de frente pra gente, com um milkshake de morango nas mãos e um brilho natural no rosto. Negro, com a pele impecável, o cabelo cacheado bem definido, e vestia uma camiseta preta estilosa com estampa de banda, uma jaqueta jeans larga e calça skinny rasgada nos joelhos. Meus amigos eram lindos, e sabiam disso. - Não acredito que vou ter que viajar com aquele robô que só sabe dar ordens - falo, me lamentando enquanto apoio o cotovelo na mesa e afundo o queixo na mão. - Já imaginou vocês se apaixonam nessa viagem, voltam casados e você grávida? Aii, seria incrível! - Justin fala, encostando o braço sobre a mesa, a mão segurando o queixo, o olhar subindo dramaticamente como se estivesse vivendo um filme de romance. Eu e Mia olhamos pra ele com a mesma expressão de tédio. Um misto de "lá vem ele" e "você precisa de ajuda". Justin e Mia eram opostos completos. Justin é um cara meigo, todo apaixonado, vive criando histórias românticas até pro entregador do aplicativo. É emocional, doce e vê beleza até em briga de novela mexicana. Já Mia é o oposto. Desapegada, sincera até demais, prefere momentos a promessas e acha que flores são inúteis porque morrem rápido demais. São muito diferentes... mas juntos, funcionam perfeitamente. Uma dupla imbatível. Conheço Mia desde pequena, e o Justin conheci em uma das lojas onde trabalhei - e desde então, não nos largamos mais. - Que foi? - Justin pergunta, olhando a gente com cara de ofendido. - Não podemos negar que o homem é um gato... e tudo pode acontecer numa viagem. - Concordo com você, ele é um gostoso - Mia diz com a maior naturalidade do mundo, bebendo seu refrigerante com um sorrisinho no canto da boca. - Miaaaa! - chamo sua atenção, indignada. - Ué? Vai dizer que você não acha? Eu suspiro. É, eu não posso negar. Kevin é lindo. Um dos homens mais bonitos que eu conheço,na verdade. Mas eu trabalho com ele. E sei que a personalidade dele estraga tudo. - Bem... feio ele não é. Porém, a personalidade dele estraga tudo - digo, dando de ombros. - Eu acho que esse estresse todo dele é muito tesão acumulado - Mia fala - Também acho - Justin concorda, balançando a cabeça e franzindo os lábios. - Bem, eu não sei... nunca vi Kevin com nenhuma mulher, mas não acho que ele seja o tipo de homem que fique sozinho - digo, lembrando que, em dois anos, nunca o vi com nenhuma mulher - Realmente, ele é muito bonito pra ficar sozinho - Justin comenta Kevin era reservado demais, sempre sério, focado. Um verdadeiro robô de terno. Era difícil imaginar ele sorrindo por vontade própria, quem dirá numa relação. - Queria eu ter um chefe bonitão... o meu é um velhote barrigudo - Mia reclama, virando os olhos. - Bom... pelo menos o seu chefe é legal - falo, tentando consolar. - Mas é feio! E não me paga tão bem quanto o seu chefe - ela rebate, cruzando os braços. - Mulher, você é muito profissional mesmo. Trabalha há dois anos com ele e nunca tentou nada. Se fosse eu, já tinha tentado tirar uma casquinha - Justin diz, apontando pra mim com o canudo ainda na boca. - Justin! Você tá ficando pior que a Mia - falo, fingindo indignação enquanto jogo um guardanapo nele. Ele ri, mostrando as covinhas, e Mia me encara com os braços cruzados e um olhar debochado. - Foi mal! Mas quem sabe assim o humor dele não melhorava - Justin fala, dando de ombros. - Mudando o assunto sobre o gostoso - reviro os olhos, arrancando risadas dos dois - já falou com sua avó sobre essa viagem? - Mia pergunta, se recostando na cadeira - Ainda não, vou falar amanhã - respondo, já imaginando a cena. - Conhecendo sua avó, certeza que ela vai surtar com a ideia - Justin diz, fazendo um gesto dramático com as mãos. - Já até imagino - digoSarahDesço do táxi e faço o pagamento ao motorista.- Obrigada - digo, e o taxista apenas acena, saindo logo em seguida.Olho para frente, vendo a simples casa da minha avó. Suas paredes em um tom claro já desbotado pelo tempo, uma varanda charmosa com duas cadeiras de madeira e um jardim modesto com algumas flores que ela mesma cultiva com carinho. Tudo tem um ar de paz, aconchego e saudade.- Bom, lá vamos nós - falo, suspirando e indo em direção à casa da minha avó, Miriam.Subo as pequenas escadas da varanda e bato na porta.- Saraaah! - ela aparece, abrindo os braços pra me abraçar.Minha avó mora sozinha, e não se engane, ela se vira muito bem. Meu avô morreu há dez anos, vítima de um ataque cardíaco. Ele era maravilhoso, igual a ela. Desde que saí de casa, minha avó ficou sozinha. Até pedi pra ela morar comigo ou se mudar para um lugar mais perto, mas ela negou. Diz que aqui se sente mais próxima do meu avô e que quer morrer aqui, igual a ele. Acho isso muito fofo e emocionant
Sarah Tento ignorar, mas o barulho insuportável do meu celular continua tocando sem parar. Mexo o braço, tateando até encontrar o celular ao meu lado na cama. Dormi com ele ali mesmo, depois de passar boa parte da noite jogando e assistindo série. — Meu Deus, quem é que tá me ligando a essa hora? — resmungo, pegando o celular ainda sonolenta, os olhos quase sem abrir. — Chicletinha… — escuto a voz da minha amiga Mia do outro lado da linha. — Por que você tá me ligando agora? — resmungo, ainda com a voz arrastada de sono. — Liguei pra avisar que vou me atrasar um tiquinho pra gente se encontrar depois do trabalho… Minha tia me chamou e eu vou ter que dar uma passadinha lá rapidinho. Eu sei, eu sei que você odeia quando eu faço isso — mas juro que é coisa de 20 minutinhos! Não me mata, tá? Te compenso com fofoca, docinho ou um elogio bem exagerado, do jeitinho que você gosta. — Tudo bem… mas precisava me ligar agora? — resmungo, passando a mão no rosto. — Peraí… você ain
Sarah Olho para aquele homem arrogante que estava parado na porta do escritório dele, imponente, com os cabelos castanhos escuros perfeitamente penteados, e a barba muito bem aparada, como se cada fio estivesse no lugar certo. A expressão no rosto dele era impossível de decifrar, neutra, séria, como sempre mas os olhos escuros estavam fixos em mim, intensos, cortantes.Ele usava um terno azul-marinho de três peças que parecia recém-saído da passarela. O tecido era visivelmente caro, ajustado ao corpo com perfeição, como se tivesse sido feito sob medida e, provavelmente, tinha sido.Arrogante? Demais. Feio? Nunca. Nunca na galáxia esse homem é feio.A beleza dele era surreal. Coisa de outro mundo. Mas o que ele tem de lindo, tem de frio e arrogante. E isso é algo que eu não suporto nem um pouco.— Senhorita Miller? — Ele me tira dos meus pensamentos, com as sobrancelhas levemente erguidas e aquele olhar impassível.— sim, senhor. Já estou indo — respondo, com a voz um pouco trêmula.E