Mundo ficciónIniciar sesiónQuando Lucas me chamou para sair foi no mesmo dia que
ele recebeu a nota do primeiro semestre. Foi no ano de 2016. Ele estava radiante de felicidade porque tirou 9,5. Lembro-me da alegria na voz dele. Marcamos de ir ao cinema, era um sábado de primavera, uma noite fria. Fomos ver um filme de dinossauro que havia acabado de estrear. Depois, comemos hambúrguer com batatas fritas. Ele disse que tinha reparado que eu lia bastante e me convidou para darmos uma volta na livraria. Claro que aceitei de imediato. Fiquei muito feliz por ele ter notado isso. Percebi que ele também gostava de ler. Enquanto eu preferia romances, biografias, ele se interessava mais por guerras medievais ehistórias de heróis. Ficamos mais de uma hora na livraria, até nos
darmos conta de que já era hora de ir. Quando chamamos o Uber, descobri que ele morava perto de mim, na mesma rua, apenas três quadras à frente. Marcamos de ir para a aula juntos na semana seguinte. Nossa amizade foi se tornando cada vez mais próxima. Começamos a fazer tudo juntos: trabalhos, passeios ao shopping e ao parque. Fomos pegando o gosto um do outro, e sempre dávamos um jeito de ficarmos próximos. Nossos amigos começaram a perceber que estavam ficando de lado. ― Então, Iara, o trabalho de português vai fazer com o Lucas? ― perguntou Isa. ― Hum, esse é individual, né? Mas acho que vou ajudar ele, que está com dificuldades nos pronomes ― respondi no automático, enquanto mandava mensagem para ele no meu smartphone. ― Pois é, ultimamente você não tem muito tempo para as amizades. Eu também estou com dificuldades em pronomes. ― Percebi a alfinetada na voz de Bia. Éramos amigas desde o primário. Bia era magra e alta, com lindos olhos verdes e os cabelos quase brancos de tão loiros. Isa era o oposto: morena encorpada, parecia uma atriz, com olhos bem pretos e sempre pronta para te defender.Sinto muita falta dela quando não está aqui, já que é
aeromoça e quase sempre está em outro país. E a Bia é modelo, também viaja bastante, mas fica aqui sempre que tem folga entre um desfile e outro. ― Podemos fazer um grupo de estudos, não precisa ser isolado com um ou outro. Vamos marcar hoje à tarde na biblioteca, o que acham? ― Enquanto falava com elas, mandei a ideia para o Lucas, que aceitou e disse que ia falar com o Marcelo e Igor, seus amigos. ― Pode ser ― responderam elas. Olhando para trás, acho que ele queria aproximar os amigos dele das minhas amigas. Na hora combinada, estávamos na sala de estudos da biblioteca. Os amigos dele não eram muito de estudar e logo pegaram o celular. Marcelo era alto, encorpado, de olhos verdes e cabelo estilo militar, além do corpo atlético. Ele ficou ao lado da Bia, tentando chamar sua atenção, mas ele não fazia o estilo dela, que preferia os playboys arrumadinhos. Já o Igor e a Isa se encontraram; ele era bem do estilo que chamava a atenção dela: cabelo desalinhado, olhos meio puxados, parecia filho de oriental com brasileiro. Usava roupas de skatista e carregava o skate embaixo do braço. De altura mediana, sempre deixava uma perna da calça erguida até a panturrilha. Fiquei observando os três quando chegaram, cada um com um estilo diferente.Lucas, com os cabelos arrumados atrás das orelhas, vestia
uma bermuda jeans, All Star e uma camiseta de banda. Seus olhos sorriam quando ele tentava disfarçar ao me cumprimentar com um discreto beijo no canto da boca. Marcelo usava bermuda de tactel, camiseta de time de futebol, tênis esportivo. Igor vestia uma calça de skatista e regata. Nos cumprimentamos e nos sentamos para estudar. Eu e o Lucas lado a lado. Ele absorvia tudo que eu falava. ― Não sei pra que temos que aprender a conjugar “vós” e “convosco”, nem falamos assim. Acho que nunca vamos usar ― disse Igor, que claramente não pretendia fazer uma faculdade. ― Tudo depende do curso que pretende fazer na faculdade. Nós usamos esse formato para fazer relatórios, falar de forma culta... ― respondeu Bia, com um suspiro bem longo. Foi aí que percebi que ela não gostou do estilo deles. ― Desculpe pelos meus amigos ― cochichou Lucas, bem próximo do meu ouvido, me causando um arrepio. ― Não tem porquê... ― respondi com um suspiro, tentando segurar um sorriso, sem sucesso. Por que ele sentou com a cadeira tão próxima à minha? Fiquei com o coração tão disparado que tinha certeza de que dava para ver minha blusa subindo com as batidas. Quando chegou o horário de irmos embora, fomos andando em grupo até a esquina do meu prédio. Isa morava nomesmo prédio que eu, Lucas em um sobrado três quadras abaixo,
e Bia três quadras depois. Os dois meninos moravam mais longe. ― Então, nos falamos depois... ― disse Lucas, quando chegamos ao prédio. Isa acenou, se despedindo, e entrou. Eu fiquei ali com ele, sem saber o que dizer. Lucas deu um sorriso, ajeitando a mochila no ombro. ― Passo aqui amanhã às 6h30, pode ser? Quero falar com você sem ninguém por perto, ou podemos tomar um sorvete mais tarde. Senti uma palpitação, e não pude segurar o sorriso. Olhei o relógio; faltavam 15 minutos para as 17h. ― Vou arrumar umas coisas, passa aqui então às 18h, pode ser? Ele deu um sorriso e disse o.k. Entrei correndo no prédio e fui para o elevador. Levei um susto ao ver Isa ainda ali. ― O que tá rolando? ― perguntou ela, com um sorriso de canto. ― Nada, só vamos tomar um sorvete depois. ― Dei de ombros. ― Somos amigos. ― Sei. Eu vi o jeito de vocês. Só precisa oficializar ou dar nomes aos bois, mas eu dou todo apoio. São lindos juntos, masnão me coloque mais numa mesa com aqueles dois, muito menos
o Marcelo perto de mim. Dei risada, enquanto apertava os botões dos andares. Isa desceu no três e eu no cinco. Quando entrei em casa, minha mãe estava ao telefone. Ela me deu uma olhada e sorriu. ― Que sorriso é esse? Está muito animada para quem estava estudando pronomes na biblioteca da escola. Dei uma levantada de ombros e fui para o quarto. Naquela época, minha cama era de solteiro, e eu tinha uma gata toda mesclada chamada Lúcia, que vivia deitada lá. Além disso, eu era fã de As Crônicas de Nárnia, e tinha todos os livros e filmes nas prateleiras da estante que havia lá. Quando entrei e fechei a porta, Lúcia me olhou como se reclamasse por ter feito barulho ao bater a porta. Sentei-me à escrivaninha e liguei o computador, para colocar uma playlist para tocar. Vasculhei meus streamings e coloquei Ariana Grande, enquanto pensava no que estava acontecendo... Resolvi tomar um banho rápido e vesti um jeans e uma blusinha preta. Calcei meu All Star, passei perfume e prendi o cabelo, pois era uma tarde de verão e ainda estava quente. Quando saí para a sala, minha mãe perguntou: ― Iara, o que está havendo com você?Eu não poderia esconder por muito tempo e contei tudo
para ela, que me ouviu com atenção. ― Entendo que está em idade de namorar e apoio, mas se realmente vão ter alguma coisa, quero que ele venha aqui para que seu pai e eu o conheçamos, entendido? ― Tá bem, conto tudo para vocês depois, mas dá para você preparar o papai? Minha mãe deu um lindo sorriso e me mandou encontrar com ele. Quando saí do prédio, ele estava me esperando na calçada, olhando para o celular. Acho que pensou que eu tinha desistido. Cheguei perto e disse “oi”. Lucas me respondeu com um sorriso aliviado. Ele estava de bermuda, All Star branco, camiseta do Star Wars e os cabelos penteados para trás, ainda úmidos. Estendeu a mão e me chamou para irmos. A algumas quadras, havia um bosque, onde ficava uma cafeteria, iluminada com pisca-piscas nos troncos das árvores e com calçadas de paralelepípedo. No centro do bosque, havia alguns bancos, uma fonte e mesas com cadeiras para sentar. Nos sentamos, e fiquei apreensiva. Já tínhamos ficado antes e até nos beijado, mas por algum motivo, que me fugia à razão, ele me deixava nervosa. ― Iara, é o seguinte: desde o começo do ano eu tento chamar sua atenção, mas por algum motivo você me evitava. Agora sei que era timidez. Eu sou muito a fim de você.Fiquei sem palavras e só consegui olhar para ele. Lucas
tomou meu rosto nas mãos e me beijou de forma lenta e leve, sem afobação. Sua língua se movia de forma tímida. Quando se afastou, sorriu. ― É sim? ― Claro! ― respondi, também rindo. Ali virou nosso lugar. Meus pais também o adoraram, pois além de ser de ótima família, era educado, respeitador e gentil.






