Dois anos se passaram desde aquela noite fatídica. Dois anos de resiliência e redescoberta. Eles voltaram a se reencontrar, mas agora Isabel estava preparada, sua armadura era blindada e apesar de presença em eventos formais, ela nunca mais dirigiu esperança alguma para seu marido. Adotou um protocolo rígido, um papel bem dramatizado,uma postura impecável e gélida. Seguia a risca as expectativas de sua sogra, sempre cumprindo seu papel. Naquela manhã em Porto Cristal, Isabel, com seus cabelos loiros que emolduravam um rosto mais sereno e olhos verdes vibrantes que brilhavam com uma nova intensidade, terminava de embalar cuidadosamente três de suas telas. Eram paisagens, cheias de cores e emoção, vendidas com sucesso. Ela recuou um passo, admirando o trabalho. Sentia um orgulho genuíno que a fazia sorrir. A arte havia sido seu refúgio, sua voz, e agora, sua fonte de renovação. Pegou o telefone, discando o número que sabia de cor.
_ Méli? As telas estão prontas para retirada!, anunciou Isabel, a voz cheia de entusiasmo. Do outro lado da linha, Amélia, a fiel amiga e agora sua dedicada merchant, riu. _ Ótimo! Que tal nos encontrarmos para almoçar? Tenho algumas novidades sobre mais encomendas. _ Perfeito! Me encontra no nosso lugar de sempre?, Isabel sugeriu, e Amélia prontamente concordou. A caminho do restaurante, o celular de Isabel tocou novamente. O nome "Lívia", sua madrasta, brilhava na tela. Um arrepio percorreu sua espinha. Lívia, a personificação daquele mundo de acordos e aparências que Isabel havia tentado deixar para trás. Isabel deixou o telefone tocar até a chamada cair, um pequeno ato de rebeldia que lhe trazia uma sensação agridoce de liberdade. Ao chegar, Amélia já a esperava, um sorriso caloroso no rosto. As duas se abraçaram, uma conexão profunda que o tempo e as adversidades só haviam fortalecido. _ Sério, as pessoas estão enlouquecendo pelas suas peças, Bel!, Amélia exclamou, sentando-se e folheando um bloco de notas. Ela estava eufórica, sempre animada com o universo da Arte, Amélia trabalhou duro para ajudar Isabel a conquistar espaço e ser reconhecida. _ Aquela série de murais que você fez para o consultório da Dra. Helena abriu muitas portas. Recebi vários pedidos ontem à noite e essa semana um retorno absurdo. Isabel sorriu, os olhos brilhando. _ É inacreditável, né? Lembro de quando você mal conseguia vender um cartão-postal com meus desenhos. Amélia riu, assentindo. Isabel não era a única artista que Amélia havia revelado, graças ao seu feeling, tinha alavancado a carreira de muitos. _ Sim! E olha que eu tentava desde antes do seu… uhm… casamento. Mas é agora, só neste último ano, que as coisas realmente deslancharam. Você está se encontrando, e as pessoas estão vendo isso na sua arte. É uma nova Isabel, e é lindo de ver! Isabel estava finalmente colhendo os frutos de sua paixão e do apoio de Amélia. Enquanto saboreavam o peixe fresco grelhado, especialidade do restaurante à beira-mar de Porto Cristal, o celular de Amélia tocou com uma vibração mais insistente. Ela pegou o aparelho, franzindo ligeiramente a testa ao ver o nome que piscava na tela: Connor Jared – Chamada de Vídeo. Um sorriso iluminou seu rosto imediatamente. _ É o Connor!, exclamou, atendendo a chamada e virando a tela para que Isabel também pudesse ver. A imagem que surgiu era um tanto granulada, mas inconfundivelmente Connor, com seu cabelo castanho despenteado pelo vento e um sorriso largo que parecia ocupar todo o seu rosto bronzeado. Ao fundo, via-se uma paisagem exótica, com construções coloridas e uma luz dourada indicando o fim da tarde em algum lugar distante. _ Minhas Garotas! Olhem só para vocês, aproveitando o almoço sem mim!, brincou Connor, com um sotaque americano carregado. _ Cony! Que surpresa! Onde você está dessa vez?, perguntou Amélia, animada. Isabel acenou com um sorriso para o amigo, feliz em vê-lo. _ Estou no Marrocos, cobrindo um festival incrível no deserto. As cores, a música… vocês precisavam ver!, ele respondeu, virando a câmera brevemente para mostrar um grupo de pessoas ricamente vestidas reunidas em torno de fogueiras, com o céu alaranjado ao fundo. _ Uau, parece mágico!, comentou Isabel, genuinamente impressionada pelas imagens fugazes. _ É! E olhem só quem me acompanha nesta aventura…, Connor piscou e virou a câmera novamente, revelando uma mulher de beleza exótica, com longos cabelos escuros e um sorriso encantador, que acenou timidamente para a tela. Amélia soltou uma exclamação divertida. _ Connor! Você sempre arranja companhia nas suas viagens! Ele riu. _ O que posso dizer? Boas fotos e boa companhia andam juntas, não é? Os três conversaram animadamente por alguns minutos. Isabel e Amélia contaram as novidades sobre o sucesso crescente da arte de Isabel, os novos pedidos e a empolgação dos clientes. Connor ouviu atentamente, parabenizando a amiga com entusiasmo. Em troca, ele compartilhou algumas histórias emocionantes de seu trabalho como fotojornalista, os desafios de capturar o momento perfeito e a beleza crua dos lugares que visitava. _ Ontem mesmo, escapei por pouco de uma tempestade de areia!, contou ele, com um brilho de aventura nos olhos. _ Mas consegui umas fotos incríveis dos nômades se abrigando. Vocês vão adorar! A ligação terminou com promessas de um reencontro em breve, quando Connor voltasse para Porto Cristal. Desligando o celular, Amélia e Isabel trocaram sorrisos. Mesmo à distância, a energia contagiante de Connor e suas aventuras traziam uma lufada de ar fresco para o dia delas. Enquanto a imagem de Connor desaparecia da tela do celular, Isabel o visualizava em sua mente com uma clareza vívida. Ele era, inegavelmente, um Hawksmoor, e não apenas pelo sobrenome, que ele abandonou. Seus olhos azuis, daquele mesmo tom gélido e penetrante que ela conhecia tão bem em Patrick, em Connor se transformavam, ganhando um brilho vibrante, quase elétrico, que irradiava curiosidade e um espírito aventureiro. Seu cabelo castanho, que ela vira despenteado pelo vento na chamada, era geralmente indomável, caindo em mechas sobre a testa, conferindo-lhe um charme descontraído e jovial. Ao contrário da postura rígida e impecável de Patrick, Connor tinha uma energia mais solta, um sorriso fácil que enrugava os cantos dos olhos e um bronzeado que denunciava as horas passadas sob o sol em algum canto remoto do mundo. Ele era a versão vibrante e espontânea da sobriedade Hawksmoor, um contraste gritante que fazia Isabel se perguntar como dois irmãos podiam ser tão diferentes. A elegância de Connor não vinha de um terno perfeitamente ajustado, mas sim da confiança e da paixão que ele exalava em cada aventura.