O trajeto até o imponente Edifício Ícaro, sede da HS Company em Porto Cristal, parecia mais longo e sinuoso do que de costume. Isabel dirigia, as mãos apertando o volante, os nós dos dedos brancos. A cada quarteirão que se aproximava, uma onda de nervosismo a invadia, apertando seu estômago.
Aquele prédio de vidro e aço, antes um símbolo de um futuro imposto, agora representava um confronto inevitável. Como ela poderia se apresentar a Patrick, o homem que a abandono e pedir sua ajuda? A vergonha daquela noite ainda queimava, uma brasa incandescente sob as cinzas da indiferença dele. Ela, a artista independente que finalmente estava encontrando seu próprio caminho, estava prestes a implorar ao marido de papel que mal a reconhecia. O motivo, porém, era maior do que seu orgulho ferido. A Rollsbrook S.A., a empresa de sua família, enfrentava uma crise inesperada e severa. Detalhes financeiros nebulosos, investimentos malfeitos por Fernando, seu meio irmão e a pressão de credores ameaçavam desmoronar o legado de gerações. O acordo com a HS Company, aquele mesmo que forçou seu casamento, agora parecia a única tábua de salvação. Patrick, com seu poder e influência no mundo dos negócios, era a chave para evitar a ruína. Isabel respirou fundo, tentando acalmar o coração que batia descompassadamente. Como convencer alguém tão frio e distante a se importar? Patrick sempre fora pragmático, focado em resultados. O apelo emocional seria inútil. Ela precisava de fatos, de uma lógica irrefutável. Em sua mente, ela ensaiava as palavras. Não era sobre sentimentos, mas sobre interesses. _ Patrick, a aquisição da Rollsbrook S.A. pela HS Company foi mais do que um contrato de papel. As estruturas estão interligadas. Se a Rollsbrook afunda, a aquisição se torna um fardo, não um ativo. É do interesse da HS que nossa empresa se mantenha estável, para que o valor do investimento seja preservado e, idealmente, ampliado. Talvez, se ela conseguisse fazê-lo ver a situação como um problema de negócios que afetava os interesses dele, e não como uma questão pessoal ou familiar, ele agiria. Mas a preocupação permanecia. Mesmo com uma lógica impecável, como despertar qualquer senso de responsabilidade ou até mesmo de parceria em alguém que demonstrara tanta indiferença? Seria apenas mais uma negociação fria, ou haveria alguma mínima brecha para que ele entendesse a gravidade do que estava em jogo para ela e sua família, além dos balancetes? O carro parou na garagem do Edifício Ícaro. Isabel desligou o motor, o silêncio preenchendo o pequeno espaço. Ela olhou para o arranha-céu imponente, sentindo o peso da decisão que a aguardava. Então enviou uma mensagem. As luzes de Porto Cristal continuavam a pontilhar a imensidão da noite, mas dentro do luxuoso escritório de Patrick Hawksmoor, a atmosfera era de introspecção. Uma garrafa e um copo de uísque com gelo repousava na mesa de mogno maciço, e o aroma amadeirado da bebida misturava-se ao cheiro de couro dos móveis caros. Patrick, com sua postura formal e controlada, revisava os relatórios que Gerald havia enviado – a autópsia financeira da Rollsbrook S.A. Seus olhos azuis, geralmente frios e calculistas, agora fixavam-se nas letras miúdas, absorvendo cada número que gritava a ruína. Um "ding" discreto do seu tablet, pousado ao lado do copo, anunciou uma nova mensagem. Ele pegou o aparelho, os dedos longos e elegantes passando pela tela. Era de Isabel. Uma mensagem curta, sem rodeios: "Estou na garagem do Edifício Ícaro. Preciso subir para conversar. Você pode autorizar por favor." Patrick ergueu uma sobrancelha. Isabel. Àquela hora da noite? A urgência no tom da mensagem era incomum, quase alarmante, vindo dela. Era de se esperar que a notícia da falência de Victor tivesse chegado aos seus ouvidos, mas vê-la agindo de forma tão direta era novidade. Ele digitou um "Pode subir" e voltou aos relatórios, o uísque parecendo ainda mais necessário. Ela provavelmente foi enviada pelo pai. Não demorou muito para que a porta do escritório se abrisse. Isabel entrou, e Patrick teve que admitir que, mesmo em uma situação tão caótica, ela estava impecável. Vestia um tailleur de corte perfeito, em um tom escuro que realçava a palidez de sua pele, e os cabelos castanhos estavam elegantemente presos. Ela personificava a esposa de CEO, com uma elegância que sempre a acompanhava. Contudo, havia algo em seus olhos verdes, um nervosismo mal disfarçado, que entregava sua fachada de controle. O silêncio do escritório de Patrick era quase tão opressor quanto a vista panorâmica de Porto Cristal. O espaço, moderno e minimalista, refletia a personalidade do seu ocupante: elegante, mas impessoal. Isabel sentiu um arrepio. Ali estava ele, Patrick Hawksmoor, exatamente como ela se lembrava: impecavelmente vestido, os olhos azuis fixos nela com uma frieza calculada. Ele não havia demonstrado surpresa ao vê-la, apenas um leve erguer de sobrancelha que podia significar qualquer coisa. _ Isabel, ele começou, a voz neutra, sem qualquer calor. _ A que devo a honra? Isabel engoliu em seco. _ Patrick. Eu… preciso conversar com você sobre um assunto urgente. Sobre a Rollsbrook S.A. Ele indicou a cadeira à sua frente com um gesto polido, mas seus olhos não demonstravam interesse genuíno. _ Estou ouvindo. Ela começou, tentando manter a voz firme, mas o nervosismo era palpável. _ A situação da Rollsbrook é crítica. Há problemas internos que estão se tornando insustentáveis. Você sabe que a HS Company tem uma parte significativa em nossos empreendimentos desde o nosso acordo. Patrick assentiu lentamente, sem desviar o olhar. _ Sim, estou ciente dos termos do contrato. _ Pois bem. O colapso da Rollsbrook não seria apenas um problema para minha família, mas também para os investimentos da HS. Isso poderia afetar a reputação e o valor da aquisição. Precisamos de um plano, e rápido, para reverter essa situação antes que seja tarde demais. Ela esperava que a menção a "interesses da HS" e "valor da aquisição" despertasse alguma reação. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, um gesto que Isabel interpretava como ceticismo. _ Isabel, entendo sua preocupação. Mas a HS fez sua parte no acordo. Adquirimos o que era de nosso interesse. Problemas internos da Rollsbrook são, bem, problemas da Rollsbrook. A voz dele era quase desdenhosa, como se ela estivesse apresentando um projeto escolar falho. _ Mas... mas está tudo conectado! Se a Rollsbrook falir, o que a HS comprou pode desvalorizar, causar uma crise de imagem... Patrick soltou um suspiro quase imperceptível. _ Nossos analistas monitoram todos os ativos. Se houver desvalorização, lidaremos com isso de acordo com as cláusulas contratuais. Não creio que seja uma situação que exija minha intervenção pessoal neste momento. Ele estava sendo ainda mais insensível do que ela esperava. Era como se ele estivesse analisando um gráfico, e não a ruína iminente de uma família e uma empresa. Isabel sentiu o rosto esquentar, não apenas pelo nervosismo, mas pela raiva contida. _ Patrick, por favor. É mais sério do que você pensa. Eu não viria aqui se não fosse uma questão de vida ou morte para a minha família. Ele a olhou fixamente, e um leve sorriso, quase um escárnio, apareceu em seus lábios. _ Vida ou morte, Isabel? Creio que você está sendo um pouco dramática. A família Rollsbrook sempre soube se virar. A cada palavra dele, Isabel se sentia menor, mais patética _ Patrick, ela começou a insistir, a voz um pouco embargada. _ Você... já sabe...bem... Ela parou no meio do caminho, as palavras parecendo presas na garganta. Seu olhar desviou para o copo de uísque na mesa de Patrick, uma centelha de determinação, ou desespero piscando em seus olhos. _ Posso?, ela perguntou, apontando para a garrafa. Patrick assentiu, um pouco surpreso. Isabel não era de beber. Ele pensou que ela pegaria apenas um pouco, com gelo. _ À vontade.