Amelie— Seus malditos!! — Albert mexeu na espingarda, ele estava recarregando. A faca ainda estava cravada em suas costas.Fui puxada com mais força, nós corremos e quando chegamos na porta dos fundos, fui jogada para o outro homem que me segurou pela cintura. Ouvimos os passos de Albert e antes da porta ser finalmente destrancada, Albert atirou de novo, dessa vez atingiu a parede. A chuva forte caiu sobre mim e corri sobre a lama, estava escuro, porém, quando o céu clareou mais uma vez, vi as suas costas. Um deles estava bem na frente. Eu não conseguia correr tão rápido, estava praticamente sendo arrastada, mas ele não me soltou em nenhum momento.Quando o céu clareou de novo, estava diante do pequeno abrigo dos cavalos. Eram apenas dois que guiavam a carruagem. Escureceu novamente e fui levada para dentro.— Fique aqui. — Ele me ergueu e fui colocada em cima dos fenos. — Não. — Segurei em seu braço antes que me soltasse.— Não vou deixá-la para trás. Confie em mim.— Willian, o q
Amelie— Ele foi tentar conseguir mais alimentos e roupas, por enquanto só temos uma abóbora, e não há temperos ou sal. — Olhou para a panela que parecia um caldeirão pequeno. — A sopa é só de abóbora. — Certo. Obrigada pelos cuidados, Willian. — Caminhei até a cadeira e peguei as roupas dobradas. Olhei primeiramente os bolsos da capa e senti o alívio pelas joias ainda estarem lá.A camisola estava amarelada, mas parecia que tinha sido lavada, ou pelo menos tentaram. Retornei para o outro cômodo e vigiando a entrada sem porta, vesti rapidamente, até mesmo minha calça íntima estava limpa, nem consigo imaginar um homem lavando essa peça, é vergonhoso demais.Mas não importava no momento. Eu consegui fugir, tinha que pensar no que fazer daqui para frente. A parte de cima da camisola estava rasgada, mas não mostrava os meus seios e apesar do tecido fino, era melhor que estar nua.Voltei para o outro cômodo e hesitei antes de me aproximar de Willian que mexia dentro daquela panela. A casa
AmelieAs pessoas de classes baixas viviam quase na miséria, eu conhecia a realidade pois me compadeci de muitas que conheci e eu não era alheia às notícias de política, creio que me adaptaria a qualquer vida que fosse.Eu até mesmo poderia viver em um casebre desses.Olhei para a porta fechada de maneira improvisada ao ouvir algo do lado de fora, Willian se apressou em abri-la e me levantei do chão.— Finalmente! — Willian recebeu Arthur que trazia um saco de pano cheio com entusiasmo. — Não demorei tanto assim. — Ele olhou-me de cima a baixo e puxei a parte rasgada da camisola para cima.Eles eram idênticos, agora de dia eu conseguia ver com mais clareza. Os mesmos olhos cor de mel, a mesma cor dos cabelos, mas Arthur tinha os cabelos um pouco mais ondulados que Willian.— E ela, como está? — Arthur perguntou para Willian um pouco baixo, mas não o suficiente para que eu não ouvisse.— Estou bem — respondi a ele e me aproximei.— Fico feliz que esteja. — Seu meio sorriso não era tím
Amelie— Eu vi uma outra casa abandonada aqui perto, está em melhor estado e não é tão exposta. — Arthur disse ao me encarar. — Eu sugiro irmos para lá e ficar um pouco mais, pelo menos até termos certeza de onde ir e como fazer isso. Eu não quero ser pego para ser jogado naquele lugar novamente, com certeza meu pai está nos procurando, não acho que tenha morrido.— Por que ele os prendeu? Eu não entendo. — Ele sempre foi um louco, se não fosse por nossa mãe, teríamos morrido de fome e de sede naquele lugar. — Arthur praticamente rosnou deixando transparecer sua raiva e mágoa. — Ela era boa, nos fazia companhia, nos ensinou a ler e a escrever, contava histórias. Mas ela também foi tirada de nós.— Nossa mãe morreu quando tínhamos quinze anos, depois que ela se foi, ele nos torturou e acorrentou nossos pés. — Willian completou com pesar.— Eu lamento.— Não lamente, está no passado. — Arthur disse ainda aborrecido.— Eu não sabia de nada até alguns dias atrás, mas eu ouvia as corrente
AmelieAlguns dias se passaram e me acostumei com a tranquilidade e o silêncio. Nós limpamos dois dos cômodos que era possível recuperar e ajeitamos as portas, nas janelas apenas pregamos algumas madeiras.Arthur e Willian se mostraram habilidosos, eles tinham bom raciocínio. Arthur conseguiu bastante coisa, inclusive ferramentas. Mesmo com o peso na consciência, não reclamei em momento algum.A convivência era boa, Arthur era o mais falante, diria atrevido, eles não seguiam tantas regras, suas educações eram limitadas, eram dois homens que seguiam instintos, mas acreditava que quando passassem a conviver em sociedade aprenderiam rapidamente.Passei o retalho de pano no rosto e enxuguei o suor. A lenha estava queimando dentro do forno formando a brasa para assar o pão. Sovei a massa uma última vez e moldei as bolas, não cresceria pois faltava a fermentação, mas ficaria bom. A mesa de madeira estava enfarinhada assim como minhas roupas, essa farinha era a última quantidade que tínhamo
AmelieAntes que o pão terminasse de assar, Willian chegou trazendo algumas maçãs. Suas bochechas e nariz estavam corados devido ao sol. Ele sorriu daquele jeito doce e tirou as maçãs de dentro da camisa e dos bolsos.— Tem uma macieira aqui perto e olha. — Tirou também do fundo do bolso da calça pequenas frutas vermelhas. — Essas frutinhas são bem docinhas, acho que são amoras, mas infelizmente, não tinha muito.— Não conseguiu pegar nenhum animal? — Arthur entrou na cozinha carregando mais alguns feixes de lenha.— Não. — Willian trocou olhares com o irmão por um momento.— Vamos caçar a noite? É noite de lua cheia, estará claro.Willian concordou com seu irmão sem fazer mais comentários. Apesar dos meus receios em ficar sozinha, confiava que eles não iriam para muito longe.— Experimente. — Willian chegou mais perto com uma amora na mão. Minha tentativa de pegá-la foi em vão, pois ele desviou e, por fim, precisei abrir a boca para receber a fruta, entretanto, senti-me envergonhada
Amelie— Parem! — consegui dizer finalmente em meio àquela euforia desconcertante, mas ao mesmo tempo, maravilhosa. Na tentativa de escapar, tropecei e apenas senti os braços agarrando-me e caímos emaranhados no chão. Olhei para o céu azul e minha risada foi diminuindo gradativamente. Eles estavam caídos ao meu lado e riam igualmente.Quando o silêncio prevaleceu, respirei profundamente ainda imersa naquela sensação aprazível. Até onde me lembrava, nunca aconteceu um momento assim. Eu fui privada até dessas brincadeiras bobas e infantis.Ainda buscando uma respiração regular, fechei os olhos. Coloquei as mãos na barriga que estava mais magra devido a escassez e alisei brevemente o tecido do vestido. Minhas carnes estavam doloridas e com um leve formigamento.— Eu não sabia que conseguia rir desse jeito, Amelie — Albert murmurou ao meu lado. — Foi inapropriado e confesso que me diverti. Mas não façam novamente.— Apenas nós vimos, então não se preocupe com isso. — Willian disse depoi
AmelieNão tinha água. O balde de madeira estava vazio e o chão ao seu ao redor, molhado. Suspirei longamente.A noite tinha sido sufocante, meus últimos dias naquela casa e aquela fuga voltaram a me assombrar durante o sono. Ainda assim, quando estava desperta, sons de animais noturnos deixavam-me com medo, com uma sensação estranha. Inquietante. Inclusive, escutei passos, barulhos do lado de fora. No fim, julguei ser apenas animais.Meu humor ruim era consequência disso, sentia-me esgotada, ansiosa e preocupada. Willian e Arthur não retornaram. O sol já havia aparecido e aquele sentimento agoniante crescia devido a ausência. O medo de que algo tivesse acontecido era latente.Prendi os cabelos no alto da cabeça, estavam embaraçados, secos devido ao tempo sem cuidados adequados, nem mesmo havia um pente para desmanchar os nós, tudo era feito com meus dedos. Empurrei o tronco pesado que mantinha a porta da cozinha fechada. Do lado de fora o silêncio só era interrompido pelos pássaros