Ela...
A luz do novo dia me acordou, e, por um segundo, desejei que tudo não passasse de um maldito sonho ou de um pesadelo bem elaborado. Mas não. A realidade me atingiu como um tapa na cara — rápido, humilhante e impossível de ignorar. O travesseiro ao meu lado estava desarrumado, ainda com o cheiro dele. Os lençois amassados, testemunhas silenciosas do que fizemos. E, claro, ele não estava mais aqui. Não sei por que, mas uma parte estúpida de mim esperou, mesmo que por um segundo, que Gregori Klaus seria diferente. Que talvez houvesse, sei lá, um "bom dia", ou pelo menos um olhar. — Não seja idiota, Hayla. Fechei os olhos, pressionando as têmporas, tentando expulsar as lembranças da noite anterior, sem sucesso. Meu corpo ainda carregava cada toque, cada marca, cada gemido sufocado contra a pele dele. Foi só sexo. Um erro. Um maldito e maravilhoso erro. E, agora, tínhamos que fingir que nada disso aconteceu. Levantei, sentindo o corpo dolorido, como se cada músculo carregasse um lembrete explícito do que fizemos. Caminhei até o banheiro, encarei meu reflexo no espelho e, por um instante, me odiei. Lábios inchados. Pele marcada. Olhos que denunciavam exatamente tudo que eu queria esconder. Respirei fundo. — Chega, Hayla. — Disse para mim mesma, encarando meu reflexo com mais firmeza. — Você é profissional. Sorria. Finja até que isso deixe de importar. Me arrumei com a mesma precisão de sempre. Cabelos presos, maquiagem impecável, postura intacta. Por fora? Profissional exemplar. Por dentro? Uma bagunça ambulante. E lá fui eu. Preparada para encarar Klaus. Preparada para agir como se a noite passada não tivesse passado de um erro isolado entre dois adultos bêbados e impulsivos. Cheguei à sala da reunião antes dele. Organizei os materiais, revisei os arquivos, preparei os dados. Se ele queria excelência, era isso que ele teria. Quando Klaus chegou, percebi de longe seu olhar fechado. Seu queixo tenso. Seu andar, ainda mais dominante do que o normal. Como se tentasse, a todo custo, provar, para mim e para ele mesmo, que nada tinha mudado. — Senhorita Baker — cumprimentou secamente, passando direto, sem sequer me olhar nos olhos. Perfeito. Que assim seja. Tudo ia bem, até não ir. Quando ele abriu o e-mail com a pauta que eu preparei, percebi imediatamente a tensão no corpo dele. Os olhos dele percorreram o documento, e, no segundo seguinte, ele me lançou aquele olhar. O olhar que poderia derrubar qualquer pessoa. — Que merda é essa? — disparou, baixo, só pra mim. — Isso não é o que eu te pedi. Respirei fundo, mantendo a postura. — É sim. Eu apenas organizei de uma forma mais clara. Adicionei informações relevantes. — Eu não te pedi para redesenhar o projeto. Eu pedi para transcrever, Baker! TRANS-CRE-VER! — A pauta original estava inconsistente. Imprópria para uma reunião desse nível. — Você... — Ele respirou fundo, fechou os olhos, apertou o maxilar como se lutasse contra a vontade de me estrangular ali mesmo. — Onde estão meus rascunhos? Revirei discretamente minha bolsa, apenas para descobrir que os rascunhos estavam no quarto. Ótimo, Hayla. Que dia maravilhoso. E antes que pudesse responder, o diretor da Meridien se adiantou: — Podemos começar? Klaus lançou um olhar mortal na minha direção e caminhou até a mesa de reuniões, nitidamente furioso. Mas, naquele instante, eu soube que se não fizesse algo, aquela reunião ia desmoronar. E, sinceramente? Nem por um segundo aceitei que o fracasso fosse opção — para ele, tão pouco para mim. Me levantei. Ajustei o blazer. Caminhei até a mesa. — Bom dia, senhores. — Minha voz saiu firme, clara, precisa. — O doutor Klaus havia comentado comigo sobre a grandiosidade da empresa de vocês no mercado hospitalar, e fiz questão de analisar alguns dados para termos uma visão ainda mais clara. Todos se ajeitaram, atentos. Continuei: — Percebi que os números que constam no relatório não refletem exatamente a performance real da empresa nos últimos trimestres. Trouxe, aqui, uma projeção mais precisa, considerando o mercado atual e as tendências dos próximos meses. Distribuí os relatórios, sem olhar para Klaus. Não porque estava desconfortável. Mas porque sabia exatamente que aquilo o deixava mais irritado. Enquanto eles analisavam, continuei: — Observando esses dados, percebem que há riscos importantes no horizonte. Porém, com a parceria com o Grupo GK, esses riscos não só podem ser minimizados, como transformados em crescimento sólido e sustentável. O silêncio na sala era absoluto. Eles estavam ouvindo. Atentos. Interessados. Quando finalizei minha fala, Klaus assumiu. E, mesmo surpreso, conduziu o restante da reunião com maestria. No final, o contrato estava assinado. Negócio fechado. Era o mínimo que eu esperava. Nada fora disso Saímos da sala. Mantive distância. Silêncio absoluto. Nada de elogios. Nada de “parabéns, doutor Klaus”. Fiz meu trabalho. Apenas isso. E foi aí que ele parou, bem no meio do corredor. Se virou pra mim, ajeitando o terno, o olhar mais arrogante do que nunca. — Senhorita... — fingiu pensar, arqueando uma sobrancelha. — Qual mesmo é seu nome? Cruzei os braços, mantendo o rosto impassível. — Baker. Hayla Baker. — Claro, claro... senhorita Baker. — Ele deu aquele meio sorriso convencido. — Já que estamos nos aproximando do horário de almoço, achei que poderíamos, almoçar juntos. Como uma forma de agradecimento pela manhã. Sério isso? Pisquei, absorvendo aquilo. Ele realmente achou que, depois de tudo, eu aceitaria? Que um almoço seria, o quê? Um prêmio? Sorri. Pequeno. Controlado. — Infelizmente, irei recusar seu convite, doutor Klaus. O sorriso dele sumiu por um segundo. — Não entendi. Mantive a postura impecável. O olhar neutro, profissional, frio. — Fiz apenas meu trabalho, doutor. Se isso agregou valor à sua apresentação, ótimo. É para isso que estou aqui. Não há necessidade de almoçarmos — Respirei, mantendo o tom cortês. — Deixemos as coisas exatamente como estão. — É só um almoço. — rebateu, franzindo o cenho, nitidamente irritado com minha recusa. Inclinei ligeiramente a cabeça. — Agradeço, mas prefiro manter a linha profissional. E, bom almoço para o senhor. E, antes que ele pudesse abrir a boca para tentar qualquer outro argumento, simplesmente me virei e fui embora. Sem olhar para trás. Sem hesitar. Mas, enquanto me afastava, sabia. Sentia. Aquela recusa... Tinha acabado de acender um fogo que Gregori Klaus não deixaria apagar tão cedo. E, se Klaus achava que poderia me usar e depois agir como se eu fosse só mais uma, ele estava prestes a descobrir que eu não era uma mulher fácil de dobrar. E essa guerra, só estava começando.