SEBASTIAN
Não era todo dia que alguém invadia o meu escritório.
Menos ainda se escondia debaixo da minha mesa.
No início, pensei que fosse uma assistente perdida ou alguma socialite bêbada tentando escapar de um escândalo. Mas os olhos que encontrei ali embaixo não pertenciam a nenhum desses clichês.
Eram grandes, escuros e intensos, com um brilho assombrado que sugeria terem acabado de testemunhar algo imperdoável.
Definitivamente, não era ninguém comum.
Era uma intrusa.
E, talvez, um problema.
— Quem é você? — perguntei, dessa vez mais baixo.
Ela não respondeu. Somente me encarou, como se soubesse que eu tinha poder sobre a situação — ou talvez sobre a vida dela. E sob aquela luz dourada que entrava pelas persianas, talvez eu realmente tivesse.
— Não costumo repetir ordens. Se não sair debaixo da minha mesa por conta própria, vou ter que arrastá-la — acrescentei, com a frieza suficiente para congelar o ar entre nós.
Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso teria obedecido. Mas ela não se moveu.
Primeiro, seus olhos se arregalaram, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.
Depois, os lábios se curvaram em um sorriso torto, e então ela riu.
Não era um riso nervoso.
Era deboche, puro e direto, como se eu fosse a piada mais engraçada da noite.
— Do que está rindo, garotinha? — perguntei, a acidez escorrendo da minha voz.
Foi aí que ela finalmente falou. A voz era firme, baixa e estranhamente provocante.
— De você.
Apenas isso. Simples. E irritante.
Ela saiu de debaixo da mesa, e por um instante eu me permiti observá-la. Talvez para analisá-la melhor. Talvez por pura curiosidade.
O vestido era elegante, moldava o corpo com precisão. Os cabelos escuros caíam soltos pelos ombros nus. E os olhos… agora brilhavam para mim com uma mistura perigosa de desafio e raiva.
Raiva?
Por quê?
Eu nem sequer a conhecia.
Ou será que conhecia?
— É claro que Sebastian Pierce iria usar sua influência para tirar uma pobre garota perdida que estava escondida debaixo da sua mesa — ela continuou, os lábios carnudos franzidos em desgosto. — Que previsível.
Inclinei a cabeça, intrigado com a ousadia. Ela sabia exatamente quem eu era. E, ainda assim, mantinha aquele tom de desprezo — como se não estivesse nem um pouco impressionada.
— E você, quem é? A heroína do dia? Ou só mais uma linguaruda metida a esperta que quer cinco minutos de fama? — Cruzei os braços, mantendo o olhar fixo no dela, testando seus limites.
Ela deu um passo à frente. O salto ecoou no piso como uma pequena explosão entre nós.
— Eu não preciso de cinco minutos de fama. Nem me importo com essas coisas.
— Ah, é mesmo? — perguntei, cínico.
— Sim. Sou alguém que conhece bem o tipo de homem que você é — sussurrou. — E que não tem medo de dizer que todo esse seu teatro de poder é só fachada.
Meu sorriso não se mexeu, mas meus olhos endureceram. Ninguém me enfrentava assim. Muito menos dentro do meu próprio território.
— Corajosa — murmurei. — Ou burra. A linha é tênue.
Ela se aproximou ainda mais. Agora estávamos perigosamente próximos. Perto demais para alguém que havia invadido meu escritório.
— Acha que me intimida, Pierce? — Ela disse meu sobrenome como se fosse veneno na língua. — Eu já vi homens bem piores do que você. E sabe o que todos eles tinham em comum?
— Ilumine-me — murmurei, encarando seus lábios, mesmo contra a minha vontade.
— Todos achavam que estavam no controle. Até perceberem, tarde demais, que não estavam.
Um silêncio denso caiu entre nós, carregado de eletricidade. Eu não sabia se queria mandá-la embora ou descobrir tudo sobre ela.
Mas havia uma certeza: ela não estava ali por acaso. E não era só uma garota perdida.
— Última chance — falei, dando um passo em sua direção. Minha voz soou mais baixa, quase rouca. — Quem mandou você aqui?
Por um segundo, algo brilhou em seu olhar. Medo? Não. Aquilo era algo mais profundo. Raiva misturada com dor.
— Ninguém me mandou — disse por fim. — Entrei por engano. Achei que fosse outra sala.
Eu a encarei, em silêncio.
Ela não piscava.
— Duvido.
A intrusa bufou e virou-se para sair.
— Acredite no que quiser — ela cuspiu praticamente as palavras. — E, por favor, volte à sua promiscuidade com aquela pobre mulher cujo nome você nem deve lembrar.
A segui enquanto ela abria a porta do meu escritório e saía para o corredor.
— Só para sua informação, eu lembro o nome dela — falei, caminhando calmamente atrás dela, enquanto a tolinha tentava me ignorar. — Agora eu adoraria saber o seu. Não precisa me dizer. Adoro um desafio.
Isso foi o suficiente para ela se virar de repente e cruzar os braços. O movimento destacou os seios sob o vestido justo. Foi impossível não olhar.
Ela percebeu. E revirou os olhos.
— Então tudo se resume a uma conquista para você? — disse, a voz carregada de acidez. — É por isso que adora essa imagem de libertino? Acredite, ela é uma porcaria.
— Acho que você deveria me tratar com um pouco mais de respeito. Se não por educação, ao menos pela minha idade — rebati.
Uma risada escapou dos seus lábios.
— E quantos anos você tem, exatamente?
— Trinta e três. A idade de Cristo — respondi, como se isso fosse um argumento irrefutável.
Mas ela somente ergueu as sobrancelhas, entediada.
— A única semelhança entre vocês dois é a idade. E, mesmo assim, não vejo motivo algum para respeitar você, Pierce — disse, com acidez.
Aproximei-me mais dela, cruzando os braços.
— É mesmo? Posso saber o motivo?
Ela suspirou, claramente entediada, e me lançou um olhar como se a resposta fosse óbvia.
— Porque você nunca morreria por mim. Cristo morreu — disse, simplesmente.
Antes que eu pudesse rebater, notei alguém se aproximando. Para minha surpresa, era Victor Moreau. Felizmente, nossos negócios relacionados ao casamento com a filha mais velha dele, Ava, estavam indo muito bem. Inclusive, ele prometera nos apresentar naquela noite.
Mas ele estava sozinho.
Onde estaria a filha dele?
— Ah, finalmente o encontrei, Sebastian — disse ele, aproximando-se. Então, seus olhos pousaram na mulher à minha frente. A expressão de ambos mudou, como se se reconhecessem. — Ava, querida, o que está fazendo aqui?
As palavras que saíram da boca de Victor foram como um soco no estômago.
Aquela mulher misteriosa e atrevida, com a língua afiada e cheia de opinião, era Ava Moreau?
Aquela diabinha seria minha futura esposa?