No caminho para o topo da montanha, o carro seguia em completo silêncio. A mão de Antônio repousava sobre a minha, aquecendo minha palma. A voz dele saía na medida certa de suavidade.
— Já contratei aquele chef cinco estrelas que você mais gosta. No seu jantar de aniversário, ele pode preparar tudo o que você quiser. — Ele fez uma pausa, o olhar tomando um ar mais terno. — Quando essa fase corrida passar, acho que já está na hora de termos um filho. Você sempre disse que gosta de crianças, não é?
Eu não respondi. Apenas fixei os olhos na paisagem que corria veloz do lado de fora da janela. Ele não sabia. Nós já poderíamos ter tido um filho há muito tempo. Mas aquele pequeno anjo tinha morrido por causa da ordem que ele mesmo dera ao hospital.
Pouco depois de sairmos da festa, o celular pessoal dele começou a tocar. Ele atendeu e respondeu algumas palavras em voz baixa. Em seguida virou-se para mim com uma expressão carregada de culpa.
— Aconteceu uma emergência na empresa. Eu preciso voltar e resolver isso pessoalmente.
— Vá. O trabalho é importante. — Assenti, mantendo a voz tranquila.
Ele pareceu surpreso, como se ainda quisesse se justificar.
— Tainá, eu…
— Tudo bem, vai lá. Eu espero você no topo. Afinal, você prometeu que veríamos o nascer do sol juntos.
Subi sozinha até o alto da montanha. O vento estava gelado, e a luz da tela do meu celular parecia ainda mais forte na escuridão da madrugada.
Bianca tinha acabado de postar uma nova atualização nas redes sociais.
A foto mostrava Bianca de avental de hospital, sentada no banco do corredor, acariciando a barriga com um ar frágil e lamentoso.
A legenda dizia: "A noite de hoje foi assustadora demais… Coitadinha de mim, uma grávida sendo empurrada na frente de todo mundo. Ainda bem que o bebê está bem! Mas alguém largou tudo no trabalho para vir correndo ficar comigo. Nem sei como agradecer…"
Eu reconheci de imediato a silhueta desfocada ao lado dela.
Era Antônio.
Liguei para ele. O toque se prolongou por muito tempo, mas quem atendeu foi Bianca.
— Alô? Tainá? O Antônio não pode falar com você agora. Ele está ocupado conversando com os médicos sobre o meu estado. Você não faz ideia do quanto ele se preocupa comigo. Teve uma vez que eu tropecei na rua e fingi que tinha sido atropelada. Em menos de dez minutos, ele colocou todos os especialistas do Grupo Rodrigues dentro da minha casa, e até o diretor do pronto-socorro teve que largar tudo para olhar o meu pé. E você acha mesmo que pode competir comigo?
O riso leve e cruel dela atravessava o telefone como uma lâmina fina. Meu sangue foi esfriando, gota a gota. Aquela noite que ela mencionou…
Como eu poderia não saber? Era a noite em que eu perdi meu filho. A cirurgia de emergência adiada era a minha. E a origem de toda aquela tragédia havia sido apenas uma mentira impulsiva de Bianca.
Com a mão tremendo, desliguei a chamada.
Esperei a noite inteira.
Esperei até a escuridão engolir as montanhas.
Esperei até o ponteiro das horas avançar meia volta no relógio.
Quando o sol estava prestes a nascer, Antônio ainda não tinha aparecido.
Virei-me para o motorista que me acompanhava.
— Pode voltar.
— Sra. Tainá, a senhora não vai descer? — Ele hesitou.
Balancei a cabeça e respondi num fio de voz:
— Quero ficar aqui sozinha por um tempo, respirar um pouco do ar fresco da montanha.
O motorista pareceu querer dizer algo, mas ao lembrar quem eu era, apenas assentiu e foi embora.
Caminhei devagar para a frente, olhando para o céu acinzentado com um vazio que ecoava dentro de mim. As juras dele, os abraços, as promessas…
Todos aqueles fragmentos de memória desfilaram pela minha mente sem provocar a menor ondulação. Comparadas ao "Prioridade absoluta. Acima de tudo." que ele dava à Bianca, todas pareciam ridículas.
Quando o primeiro raio de sol atravessou as nuvens, fiz a última ligação para ele.
Dessa vez, o telefone de Antônio já estava desligado.
Fiquei encarando a tela por alguns segundos. Depois programei um e-mail para ser enviado a ele.
Coloquei dentro três coisas: uma foto da ordem interna do hospital com a frase "Prioridade: salvar Bianca"; um relatório médico confirmando que minha perda gestacional fora causada pelo atraso no atendimento; e um áudio em que Bianca admitia, com a própria voz, que o atropelamento não passara de uma mentira.
Depois de terminar, ergui os olhos para o horizonte, onde o sol finalmente despontava.
E, sem a menor hesitação, me lancei para o vazio.
Do outro lado, Antônio se preparava para deixar o hospital. Bianca estendeu a mão para impedi-lo, a voz suave e frágil.
— Tonho… Fica mais um pouco comigo, por favor?
— Não posso. Hoje é o aniversário da Tainá, e eu prometi que veríamos o nascer do sol juntos. Preciso ir encontrá-la. — Antônio balançou a cabeça, firme.
Nesse momento, seu assistente entrou às pressas, o rosto completamente transtornado.
— Sr. Antônio, aconteceu uma tragédia. A Sra. Tainá… Ela se jogou do penhasco!