O som ritmado dos saltos de Laura Dias ecoava suavemente pelos corredores luxuosos da Arantes Holdings, enquanto ela tentava controlar a tempestade que agitava seu interior. Era seu primeiro dia como secretária pessoal do CEO, e a simples ideia de trabalhar tão perto de um homem tão poderoso deixava seu coração acelerado e suas palmas suadas.
Carregando uma pasta contra o peito como se fosse um escudo, Laura atravessou a recepção impecável do último andar. O ambiente era moderno, sofisticado, decorado em tons escuros que transmitiam elegância e autoridade. O vidro panorâmico deixava a cidade de São Paulo exposta como um quadro urbano em constante movimento. Uma assistente simpática a guiou até a sala principal. Ela mal teve tempo de admirar a imensidão do espaço antes de vê-lo. Ele. Heitor Arantes. De costas para ela, observando a cidade com as mãos nos bolsos do terno sob medida. Alto, postura imponente, cabelos escuros levemente bagunçados de forma quase proposital. Mesmo sem ver seu rosto, Laura sentiu a presença dele como uma corrente elétrica atravessando o ar. Quando ele se virou, seus olhos negros a atingiram com a intensidade de um relâmpago. Eram frios, analíticos, penetrantes. Não havia um traço de sorriso em seu rosto firme e simetricamente perfeito. Laura ficou imóvel por um segundo. A tensão no ar era quase tátil. — Laura Dias? — ele perguntou com uma voz grave, limpa, sem pressa. — Sim, senhor. É um prazer... — ela respondeu, lutando para manter a voz firme. Heitor fez um gesto com a mão para que se calasse e a observou por alguns segundos, avaliando cada detalhe. Ela não sabia se ele estava aprovando ou julgando. Então, ele estendeu uma pasta. — Gosto de três coisas: organização, discrição e eficiência. Se você não tiver essas qualidades, esse será seu primeiro e último dia aqui. Laura engoliu em seco e assentiu. Não era uma surpresa — todos falavam sobre como Heitor Arantes era frio e exigente, um verdadeiro titã dos negócios e uma pedra de gelo como pessoa. Mas ouvi-lo assim, tão direto e frio, causava um impacto ainda maior. Sem mais, voltou-se para a janela, como se o mundo além daquele vidro fosse mais interessante que qualquer outra coisa. Laura sentiu o coração na garganta. Não podia errar. Aquela vaga era sua chance de recomeçar, de se levantar depois de tudo que passara. Logo nas primeiras horas, esforçou-se ao máximo para acompanhar o ritmo frenético. E-mails, memorandos, arquivos confidenciais, agendas alteradas de última hora. Heitor era detalhista, prático e impaciente. Suas instruções eram diretas, por vezes quase secas, e ele raramente repetia o que dizia. Mas não era isso que mais a desconcertava. Era ele. A forma como ele passava perto. O som controlado de seus passos. A maneira como seus olhos a observavam em silêncio, como se testassem seus limites. Havia algo ali que ia além da hierarquia profissional. Algo sutil, perigoso, inexplicável. Na hora do almoço, Laura desceu ao térreo com a sensação de estar anestesiada. Na recepção, Bianca, sua melhor amiga e funcionária da empresa, a esperava para almoçarem, encostada no balcão, com um sorriso brincalhão no rosto. As duas foram até o refeitório. — E então? Sobreviveu às primeiras horas com a fera? Laura soltou um suspiro e riu, exausta. — Sobrevivi. Mas por pouco. Achei que ele ia me mandar embora nos primeiros dez minutos. Bianca se aproximou com um brilho curioso no olhar. — E o que achou dele? Laura hesitou, depois balbuciou: — Bianca... por que você não me avisou que aquele homem, mesmo sendo intragável e exigente, é um colírio para os olhos, absurdamente... lindo? É como se um deus grego tivesse descido do Olimpo para me torturar emocionalmente. Bianca deu uma gargalhada. — Ah, então você também foi atingida pelo feitiço Arantes. Normal. — Sério. Ele tem aquele tipo de presença que faz o tempo desacelerar quando ele olha pra você. Bianca ergueu uma sobrancelha. — Então é melhor você sentar, porque eu esqueci de te contar um pequeno detalhe que vai te poupar uma grande decepção quando for fantasiar sobre nosso chefe gato e gostosão. Laura franziu o cenho. — Que detalhe? — Heitor Arantes é gay. O choque foi instantâneo. — O quê?! — Sério. Todo mundo aqui comenta isso. Nunca foi visto com nenhuma mulher. Não flerta, não toca, não sorri. Vai a eventos sozinho, mora sozinho, não tem escândalos, não tem histórico amoroso conhecido. Os funcionários até fizeram apostas que ele ainda vai acabar cantando um dos funcionários bonitões daqui e entregando o jogo. Laura piscou, atônita. — Mas... o jeito como ele me olhou hoje. Tinha alguma coisa ali, amiga. Uma tensão, uma energia estranha. Eu senti. Eu juro que senti. Bianca deu de ombros, compreensiva. — Talvez você esteja imaginando coisas... Você ficou muito tempo fechada para notar os homens à sua volta, depois que o canalha do Gustavo te feriu. Ao ouvir o nome, Laura baixou o olhar. A dor era antiga, mas ainda latejava. — Com razão... A gente ia se casar... — murmurou. — Juntamos dinheiro por dois anos, planejamos tudo. Eu confiava nele. E no fim, ele roubou cada centavo e fugiu com a secretária. Até hoje me culpo por ter sido tão cega e tão fraca para não ter denunciado aquele desgraçado por roubo. — Você o amava, Laura, e ele se aproveitou disso. Isso não te torna fraca. Mas também não pode passar a vida acreditando que todo homem é um Gustavo. Eu fico feliz que, depois de tanto tempo, você tenha se interessado por outro homem. Ela fez uma pausa e depois continuou: — Que, aliás, é um tremendo gostoso. Mas, infelizmente para você, para mim e para várias mulheres que vivem suspirando por ele… ele é gay. Laura soltou um suspiro pesado, cruzando os braços enquanto olhava para o chão. — É, você tem razão. E sobre eu ter amado o Gustavo, também. Acreditei em cada palavra dele, em cada promessa. E ele simplesmente… desapareceu. Levou meu dinheiro, meus sonhos e a minha capacidade de amar novamente. — Mas não pense mais naquele imbecil, porque ele não vale a pena. Que tal fazermos uma pipoca e assistir a uma comédia romântica, daquelas bem melosas que gostamos? — Fechado.— disse Laura, sorrindo.