Laura retornava do almoço com passos rápidos e um aperto no estômago que nada tinha a ver com a comida. Havia se demorado cinco minutos a mais do que o previsto, e, mesmo que fosse algo banal em qualquer outro ambiente de trabalho, ela sabia que não podia cometer erros diante de Heitor Arantes. O homem era conhecido por sua intolerância a falhas — especialmente às de tempo.
Assim que entrou na recepção do último andar, seu celular vibrou. Uma notificação. 13h05. Maldição. Sem o blazer, graças ao calor absurdo de São Paulo , sua blusa de alças deixava seus ombros e o contorno dos seios mais evidentes do que gostaria em um ambiente tão formal. Ela apertava a pasta contra o peito numa tentativa quase inconsciente de disfarçar, mas já era tarde demais. Quando atravessou a porta de vidro do escritório de Heitor, ele já estava ali, de pé, à frente da mesa, com os olhos fixos nela como se a esperasse. O maxilar estava travado, os olhos escuros ainda mais intensos do que na manhã anterior. — A senhorita demorou mais do que devia. — A voz dele cortou o ar como uma lâmina fria. — Se isso se repetir, será sumariamente demitida. Laura parou, o coração batendo forte. Engoliu o orgulho e assentiu, tentando manter a compostura. — Me desculpe, senhor. Não vai acontecer de novo. Mas o olhar dele não desgrudava do seu corpo. Discreto, mas presente. Pesado. Percorreu seus ombros nus, depois desceu até os seios, demorando um segundo a mais do que o aceitável. Os olhos de Heitor se estreitaram ligeiramente antes de desviar o olhar, voltando à impassibilidade costumeira. Foi coisa da minha cabeça, pensou Laura, tentando convencer a si mesma enquanto sentava-se em frente ao computador. — Vamos ao que interessa, digite esse e-mail que vou ditar. Ele se aproximou e começou a ditar. — "Prezado senhor Delgado, conforme combinado na última reunião de conselho, os valores serão atualizados segundo os novos parâmetros estabelecidos pela auditoria fiscal, com vigência a partir do próximo trimestre..." Ele falava rápido. Rápido demais. Palavras misturadas, ideias em cascata. Laura digitava o máximo que podia, mas as frases se atropelavam, os dedos falhavam. — Espere... — ela disse, erguendo os olhos. — Pode repetir, por favor? Me perdi na parte dos parâmetros estabelecidos... A pausa foi longa. Ele a encarou. — Essa será a primeira e a última vez que me pedirá para repetir algo. — A voz agora era baixa, firme, controlada. — Se não tem competência ou agilidade para fazer seu serviço como se deve, sugiro que peça demissão e dê lugar para alguém mais competente que você. A vontade de mandá-lo para o inferno foi quase incontrolável. Laura respirou fundo, lutando contra a explosão interna. Aos 26 anos, já tinha passado por humilhações suficientes — inclusive piores —, mas ouvir isso justo agora, depois de tanto esforço para reconstruir a própria vida e ser uma ótima profissional, doía. O gosto da humilhação subiu à garganta como fel. Por um instante, imaginou duas coisas: mostrar a língua como uma criança birrenta, ou mostrar o dedo do meio como uma adulta bem malcriada. Mas, infelizmente, não podia fazer nenhuma das duas. Precisava do emprego. Para pagar as parcelas do novo apartamento. Da chance de provar para si mesma que ainda podia se reerguer, sozinha. Ela olhou para ele, séria, com uma expressão que misturava raiva, dignidade ferida e um orgulho teimoso que nem ela mesma sabia de onde vinha. Mas então, o inesperado aconteceu. Heitor desviou o olhar, caminhou até a janela, ficou em silêncio por alguns segundos. Os ombros largos se moveram devagar. Quando voltou a falar, sua voz era outra. — Eu recebi uma notícia muito ruim há poucos minutos — disse sem se virar — Acabei descontando em você. Isso não foi justo. Me desculpe, você não é a responsável pelos meus problemas. Laura piscou, surpresa. Aquilo... não era o que ela esperava ouvir. Heitor Arantes pedindo desculpas? O conhecia há menos de 24 horas e sabia que aquela atitude não combinava com ele. — Tudo bem.— respondeu baixinho. Ele se virou para encará-la. E, por um instante, o silêncio entre eles era tão denso quanto o ar antes de uma tempestade. Os olhos de Heitor estavam diferentes. Ainda escuros, ainda firmes, mas havia algo a mais ali agora. Um tipo de intensidade que fazia a pele de Laura arrepiar. Ele deu um passo na direção dela. Depois outro. — Você é a primeira mulher em anos que eu peço desculpas, sabia? Ele disse, a voz rouca, baixa, como se nem ele mesmo entendesse sua atitude. Laura ficou sem palavras. O corpo congelado. O coração acelerado como se tivesse acabado de correr uma maratona. — O que você disse? — sussurrou, quase sem ar. Ele piscou, como se voltasse à realidade, e balançou a cabeça. — Esqueça — murmurou, recuando. — Foi um dia difícil. Volte ao trabalho. Laura continuou olhando para ele, sentindo o calor subir do pescoço ao rosto, o corpo vibrando com a tensão do momento. — Claro, senhor Arantes. Mas enquanto voltava a digitar, seus dedos ainda tremiam. O ambiente inteiro parecia eletrificado. O perfume dele, a firmeza da voz, o olhar que percorreu seu corpo, o pedido de desculpas inesperado... tudo aquilo a deixava fora de órbita. Sentia-se como se estivesse caminhando na beirada de um precipício. E o pior? Parte dela queria pular. Era difícil acreditar que aquele homem não sentisse a mesma atração que ela. A tensão entre eles era quase palpável, carregada de olhares silenciosos e uma eletricidade invisível que percorria o ar. E, embora ela não tivesse qualquer julgamento sobre sua orientação, custava a acreditar que um homem como ele, com aquela voz grave, aquele olhar que queimava e a presença marcante que parecia dominar cada espaço que ocupava , não sentia desejo por mulheres. Heitor Arantes exalava uma energia intensa, quase selvagem, impossível de ignorar. E mesmo sendo um tanto bipolar, na opinião dela, ele era um homem que qualquer mulher gostaria de ter ao seu lado, principalmente em sua cama.