Capítulo 1

P  I   E  M   O   N   T 

Shock

Dante vai até a frente de sua bancada, um sorriso pequeno tentava se despontar dos lábios finos do homem, o gosto de vitória era tão palatável quanto o de um Rivetto Barolo dançando em sua boca. Ele se lembra dela faltar em quase todas as suas aulas sobre vinhos, conseguir acertar a degustação de dois ou três era uma idealização. Degustar um vinho era muito mais do que beber, sentir o gosto ou a acidez.

Aurora se levanta de forma irreverente. Ela tinha certeza que seu visual despojado e a falta de seu dolma lhe dava mais ainda um ar de “Não ligar” para o que ia acontecer, visto que mal aparecia naquelas aulas. Com certeza seus colegas de sala, inclusive o professor, deveriam estar achando que ela não sabia nada sobre vinhos ou degustação daquelas beldades. Conseguia enxergar isso na expressão vitoriosa que ele tinha, o sorriso de lado e os olhos cinzentos frisados e brilhantes só comprovam isso.

A mulher tenta fazer a face mais inexpressiva que conseguia, com passos vagarosos vai até a frente da mesa de avaliação. Os olhos azuis analisaram o local, assim como uma águia visualiza seu local de pouso e a hora de descer para agarrar sua presa. A sala estava em um silêncio estarrecedor e ela conseguia sentir os olhares que queimavam as suas costas; uns estavam felizes por ela se dar mal, já outros, os que tinham empatia por ela, apenas estavam aflitos e amedrontados. Aurora coça a garganta e vai para detrás do mármore branco, local que o professor estava. Talvez ele fosse a águia e ela a presa.

Ficou em frente as taças, os vinhos que ainda não estavam no objeto iriam ser colocados um por um. Viu que Dante saiu de sua dianteira e foi para uma garrafa que estava sem lacre, com certeza havia tirado para que ninguém soubesse qual é. Isso era algo que eles teriam que descobrir, esse era o teste. O professor agarra a garrafa de vinho e despeja o líquido até o meio da taça, e em seguida agarra outra garrafa.

“Você coloca o vinho, apenas se for tomá-lo” escuta um sussurro em sua mente, assim como a memória de uma mão calejada apoiada na garrafa de um “Great Wall”. Pisca desnorteada com isso e interfere antes que ele coloque o líquido em outra taça.

— Acho que o senhor como professor de degustação, sabe muito que a temperatura pode afetar o gosto dos vinhos. — Ela olha no fundo dos olhos cinzentos e vê uma pontada de raiva no fundo deles, era uma pegadinha — Coloque apenas os que eu vou beber no momento, por favor. — Abre um sorriso sarcástico. Ele a encara com raiva, quase conseguia ver faíscas saindo dos olhos conflitantes, mas assim é feito.

Ela nem vacilou, nem titubeou em segurar corretamente nas hastes da taça quando Dante posicionou-a em sua frente, seu aperto ao redor da taça era leve e ao olhar avaliativo do Martinelli, um tanto quanto gracioso. Aurora evita tocar na borda ou no bojo do copo, tais toques poderiam acabar afetando o gosto do vinho. Avalia se o líquido está límpido e brilhante, coisa que é essencial antes de qualquer outra análise, visto que partículas flutuando na taça ou turbidez podem indicar algum defeito na bebida; exceto em vinhos que não foram filtrados na vinícola. 

Após analisar esses detalhes, ela avalia a cor e a viscosidade.

Degustadores profissionais conseguem identificar postas da idade e as uvas que o compõe apenas observando a cor, por um momento Dante se perguntou se ela estaria fazendo tal avaliação minuciosa. Aurora inclinou a taça sobre uma folha de papel branco, como o vinho estava ocupando menos da metade da taça não haveria problemas durante a inclinação.

— “Há três tipos de cores que são observadas com mais frequência. Vinhos brancos podem apresentar diversas tonalidades de amarelo, como por exemplo, o amarelo palha. Vinhos rosés variam no tom de rosa, como o rosé-cereja, e para finalizar, o tinto que apresenta um vermelho-rubi. — O homem explica devagar para a garota sentada na mesa, ela o olhava curiosa. Conseguia ver paixão naqueles olhos, uma paixão que ela não conseguia nem descrever.  — Vinhos com um brilho mais intenso podem indicar acidez elevada e quanto maior for a intensidade da cor, mais estrutura (corpo) tem a bebida.”

“Depois que se inclina a taça e volta para a posição normal — a mão grande faz a movimentação com graça e uma agilidade completamente encantadora para a menina — é possível notar as gotas escorrendo pela parede da taça, isso se chama “Lágrimas do vinho" — ele aponta com o dedo para o líquido espesso — Isso se dá por causa do álcool, não é indicativo de qualidade — ele a olha com advertência — Quanto mais lentas elas escorrerem, mais alcoólico o vinho pode ser”

Aurora de acordo com que vai se lembrando, vai fazendo os passos certos de forma minuciosa, o silêncio na sala era assustador. Alguns olhavam para o que Aurora fazia de forma perplexa, o professor apenas avaliava de forma silenciosa, tentando captar algum erro da aluna, mas nada era visto, ela estava fazendo tudo de forma impecável.

Levando a taça rente ao nariz, mas não tão perto, ela aspira o ar sem força. Primeiro, tentando notar se o vinho está com um aroma limpo e agradável, qualquer tipo de cheiro que lembrasse um esmalte de unha, vinagre ou papelão molhado, seria um indício no defeito da bebida. Depois disso, Aurora gira o vinho na taça para oxigena-lo, para liberar os compostos aromáticos para que fiquem mais intensos e agradáveis.

“Quando você fizer isso, notará diferentes tipos de aromas, eles são chamados de primários, secundários e terciários. Os primários são aromas que vêm das uvas (frutas, flores e ervas), já os secundários surgem no processo de produção, ou seja, geralmente são lácteos, fermentados ou tostados; os terciários são feitos no processo de envelhecimento, aromas de especiarias, couro ou frutas secas."

A mulher de cabelos ruivos sente a garganta se fechar, navalhas se prenderam no fundo do seu âmago e por mais que aquelas lembranças a ajudassem e estivessem lhe trazendo uma paz momentânea e um sentimento de nostalgia, elas ainda machucavam como pequenas agulhas enfiadas em algumas partes vitais do seu corpo. Abaixa a taça e apenas faz uma afirmativa em direção ao professor, esse que apenas continua lhe encarando, uma venda estava presente em sua mão esquerda.

“ O homem sai de trás do mármore da cozinha e vai para trás da menina de cabelos loiros. Ele puxa uma venda que tinha ali perto e coloca sobre os olhos verdes — Agora está na hora de ver como é o seu paladar. — Aurora encara a escuridão na sua frente. Ela conseguia identificar a luz tentando alcançar sua visão, assim como seu instinto também procurava por alguma claridade, entretanto ela só conseguia enxergar o preto. Assim que a venda é firmada, ela sente uma carícia carinhosa em seus cabelos — Sabe que pode confiar em mim, Cherry.”

Ela quase conseguia escutar a forma como o homem de suas lembranças a chamava.

— Molto bene, signorina Bernardi (muito bem, senhorita Bernardi). — Um sotaque italiano e muito sedutor a tira de seu torpor, era Dante. Aurora dá algumas piscadas e tenta focar novamente no teste que estava passando, respira de forma longínqua. 

“Sempre que se sentir distraída respire profundamente, isso irá oxigenar seu cérebro e você se sentirá melhor, Cherry.” —  A voz do homem ecoa novamente em seus pensamentos e sua respiração é dificultosa. Por que aquelas lembranças tinham que vir atormentá-la agora? Aurora sente uma necessidade de se abraçar, mas ignora seus sentidos e continua olhando para Dante, o homem desafiador a sua frente.

O professor nota o lapso de mudança no comportamento da mulher, porém da mesma forma que esse intervalo veio ele se foi. Ele caminha para trás de Aurora, essa que sente um arrepio subir pela espinha ao identificar a mesma cena de suas lembranças. O corpo acaba se desequilibrando um pouco para frente. Seu reflexo é rápido, então ela finge que havia se abaixado para colocar o cristal de vidro em cima do pano branco, o cansaço se apoderando dela novamente.

— Chiedo la tua licenza (Eu peço sua licença). — Sente o hálito quente dele em sua nuca e a voz de sotaque impecável que estava a se pronunciar quase em um sussurro. As mãos ficam trêmulas e o corpo feminino reage à voz, seu senso não impede sua mente de imaginar essa mesma voz em um gemido com uma respirada profunda. 

Imediatamente a mulher balança a cabeça, deveria estar ficando insana ao pensar nisso, aquele professor era “Dante Martinelli”, um dos que ela mais odiava, da onde surgiram essas ideias? Talvez fosse a falta de noites bem dormidas, era a desculpa que sua mente encontrou para se justificar.

— Colocarei uma venda em seus olhos para cada análise gustativa. — A venda preta é levantada rente os olhos de Aurora. Daquele ângulo era possível notar os cabelos ruivos desordenados e embaraçados, mesmo no coque. Algumas madeixas pareciam sem vida, e ele pode ver que houve uma tentativa de mudança de cor, ele não conseguia definir bem qual a coloração,  mas ele pode constatar que de nada afetava na beleza do cabelo, mesmo ele aparentando estar um pouco seco e opaco.   

Por mais que tivesse essas características, aquela cor e o penteado despojado ainda combinavam muito com a mulher a sua frente, ela ficava “una grazia” (uma graça), pensava Dante.

Na gola da blusa era possível notar que uma parte da pele branca continha marcas vermelhas que subiam pelo pescoço, marcas essas que ninguém repararia se não analisasse a aluna tão minuciosamente, como ele o fazia.

Tais machucados fazem Dante se questionar se algo está acontecendo, ou se aquela aparência era por conta de alguma noite de arruaça; a mente dele vaga para uma Aurora mais solta, com a taça de vinho na mão o olhando da mesma forma que o encarava na sala. Não como uma gatinha, e sim como uma leoa. Sentiu uma grande vontade de tocar na pele leitosa, de acariciar os fios soltos, porém uma segunda parte o acorda, seu lado racional ainda estava ali. O professor coça a garganta e coloca o pano sobre os olhos azuis.

— Irei entregar a taça em sua mano (mão). — Diz desviando os pensamentos e o foco de cima da aluna, agarra a taça pela haste e leva o cristal até os dedos finos de Aurora, que a agarra com firmeza.

Ali de perto ele conseguia ver que as unhas curtas tinham uma aparência de roídas, desregulares. Não que se importasse com isso, na verdade estava curioso, pois há alguns meses elas eram primorosas, e sim, ele as havia notado. Ele sempre notava.

Aurora sempre andou de forma impecável e então tinha momentos que parecia ir para a faculdade da mesma forma que havia acordado, isso não se tratava de dias ou semanas, e sim meses. Como ele sabia de tudo isso? As pessoas diziam. E não, ele nunca admitiria seu interesse sobre a vida dela e suas muitas buscas frustradas por informações. 

O Martinelli já havia perdido as contas de quantas vezes repreendeu alguns alunos por a rotularem de doida e exibida. Muitas vezes diziam que ela queria chamar atenção, apenas por ter mais condições que outros alunos. No caso de Dante, ele não a achava esnobe ou nada do tipo, a achava misteriosa e de fato intrigante, inconstante, arisca, em muitas das vezes "agressiva". Até demais, ele diria.

Estranhamente ele gostava disso nela.

Aurora sente o gelado da haste da taça em seus dedos, quase dá um pulo quando sente uma mão quente e forte apoiar sob seu braço, era uma sensação desconhecida e gostosa para ambos, um formigamento estranho entre professor e aluna, uma conexão magnética e quase palpável. 

Entretanto, a futura cozinheira decide ignorar isso; ela eleva a taça até a boca, sente o gelado em seus lábios, sorve um gole minucioso sob o olhar introspectivo e conflitante do professor atrás de si, além do silêncio dos alunos.

O líquido dança uma valsa calma e badalada pela sua boca, a mulher até poderia afirmar qual tipo de aroma era apenas pela intensificação do sabor identificado pelas papilas gustativas de sua língua. Essa era uma das análises mais importantes, onde se confirmaria ou não, se todas as outras ponderações anteriores estavam certas. Aurora fez uma nota mental e simples sobre o que sente, após isso bebe pequenos goles do vinho para identificar aspectos como: Doçura, Acidez, Taninos, corpo, álcool e final da boca. Cada característica com sua função.

“Com a doçura você poderá classificá-lo como seco, meio seco ou doce. — O homem diz por detrás da menina, o corpo dela estava tenso, e apesar de vendada ele sabia que ela prestava atenção em cada explicação sua. Ela sempre prestava e aquilo só lhe deixava com mais orgulho. — A acidez você identifica através da salivação e sensação de frescor, desses a classificação é mais simples, pode ser leve, média ou alta. Falta de acidez é denominado flácido e muita é azedo. — O homem eleva a taça até o rosto da jovem novamente”

“Tanino é o responsável pela sensação de secura na boca, deixa os dentes, a língua e a gengiva ásperos — ele continua explicando — São classificados iguais a acidez. Já o corpo, é definido pelo peso que ele faz na boca; é muito difícil de se avaliar este ponto, mas fica mais fácil se compararmos com os três tipos de leite: Desnatado, Semidesnatado e integral.— O homem leva a taça para a boca da menina novamente, essa apenas permanecia em silêncio.— Para finalizar, o álcool você já sabe, quanto mais corpo e quentura no paladar, mais alcoólico ele é. — Afasta a taça da mão da menina e retira a venda das pestanas. — O “Final da boca” é definido pelo tempo que o gosto fica em seu paladar e se ele é agradável ou não.

Aurora avalia cada ponto que lhe foi ensinado, todos os pequenos detalhes em sua lembrança, mesmo que elas fossem doloridas. Quase conseguia ouvir a voz dele lhe dizendo “Muito bem, Cherry. Você realmente aprendeu.” 

Assim que termina a degustação, a mulher de cabelos ruivos arranca a venda dos olhos com força, novamente o amargor tomando sua garganta. Queria acabar com aquilo o mais rápido possível. Queria sua cama, seus cobertores, o travesseiro confortável e queria, principalmente, ficar longe de Dante. Ela queria guardar todas aquelas lembranças que estavam voltando e lhe atormentando. Não que não fossem boas, Aurora só não estava preparada para lidar com elas. 

A futura cozinheira sai da frente do professor e encara os olhos cinzentos, suas mãos ainda estavam trêmulas e o tempo parecia passar cada vez mais devagar, empurrou a venda com força no peito do professor, que dá um passo para trás assustado com os olhos azuis dela ariscos sobre si, além da boca fechando e abrindo, mas nenhum som audível estava sendo pronunciado pelos lábios secos e trêmulos dela. 

Naquele momento Dante pensou que a mulher estava nervosa pela prova, na verdade, ele estava achando que ela confessaria que não sabia tudo sobre degustação, e talvez por isso que estivesse tão sem palavras. O homem de cabelos negros não conseguiu segurar o sorriso lateral, porém antes que pudesse concluir uma frase a porta da sala se abre, e uma cabeleira escura e familiar irrompe através da porta.

— Mi scusi insegnante di Martinelli (Com licença professor Martinelli ), desculpe atrapalhar a aula, mas vim para entregar pessoalmente o documento que lhe dá autorização para a excursão aos vinhedos de Piemont. — A diretora Vicenza Ricci falava de maneira animada. Aos olhos do professor sua animação excedia os limites, Dante diria até que a mulher estava em estado buliçoso.

— Che grande notizia (Que ótima notícia). — Se recompôs, um pouco tonto ainda pela reação inesperada de Aurora, na verdade, todas as reações dela eram uma surpresa.

Limpou a garganta e focou sua atenção na mulher animada que estendia um envelope pardo, o segurou entre os dedos e o abriu, lendo as linhas que o autorizava a dar início ao seu projeto de fim de semestre. O professor queria surpreender com algo novo e nada melhor do que uma viagem para uma das regiões mais fascinantes da Itália, a não tão famosa, mas prestigiada para os que a conhecem, cidade de Piemont.

— Como vocês sabem, estamos próximos do final do ano. — Usou a língua inglesa habitual e rotineira, para informar aos alunos o memorando. — Logo todos vocês estarão formados, e para isso eu preparei um teste diferente, uma viagem…

— Estive a ponto de lamentar o fato de que diante de tanta variedade, a grande maioria dos turistas que viajam à Itália se limite a visitar o trio Roma, Toscana e Veneza. — Interrompeu a diretora de maneira inconveniente. — Piemont é linda, vocês irão adorar.

— Obrigado diretora Vicenza  — Agradeceu tentando não alfinetar a mulher pela interrupção, continuando em seguida. —  A viagem irá valer como a nota final, não teremos teste, e sim um tour exclusivo onde mostrarei a vocês as coisas mais impressionantes que a humanidade já produziu em termos de arte, arquitetura, moda, design, culinária, vinho, principalmente o vinho. — Enfatizou.

A informação causou rebuliço, os alunos ficaram em êxtase, menos a criatura de cabelos ruivos de pé ao seu lado de cabeça baixa e ombros caídos. Será que nada que ele fizesse a deixaria satisfeita? Constatar isso o deixou cabisbaixo.

O sinal bate assim que a diretora sai do ambiente, o barulho de cadeiras se arrastando, passos e conversas sussurradas ficam mais evidentes. Aurora, aproveitando o momento de distração e finalização, vai até sua bancada. Sentiu um olhar sobre si e sabia exatamente de quem era. Entretanto ela não se importa. Apenas respira fundo, pega a bolsa e joga o material sem nenhuma paciência para arrumar. Agarra a alça e a joga pelos ombros, queria sair dali de forma rápida e segura, sem perguntas ou farpas, apenas queria ir para casa. Tinha mais aula naquele dia, mas não estava com saco para assisti-las ou prestar atenção nos conteúdos.

Seu professor estava em frente à mesa alta de mármore branco. Sua pose era um tanto quanto séria, as mangas da blusa social azul marinho estavam dobradas até o cotovelo, a calça preta e o sapato social lhe davam um aspecto respeitoso. Os cabelos negros despenteados davam uma estranha vontade de mexer e sentir a maciez dos fios grossos, assim como deixava o charme do homem mais evidente. “Exalando virilidade” pensou Aurora ao se lembrar das diversas garotas que se jogavam em cima do professor. 

Grande coisa. Reflete novamente. 

O plano da mulher de cabelos ruivos era sair da sala e deixar aquela “figura grega” para trás, para que todas as garotas que explodiam hormônio se aproveitarem. A bolsa no ombro se mexia com o movimento brusco e rápido, mas uma mão quente agarrou seu pulso a fazendo se virar e a alça da bolsa escorregar pelo ombro e cair em um baque surdo no chão. 

Um minuto de silêncio se passou, um minuto em uma guerra de olhares que deixaria qualquer um que tentasse interromper desconfortável.

Aurora engoliu a seco, a boca dela estava fechada em uma linha, e novamente Dante reparou nas bolsas roxas embaixo dos olhos, na aparência apática e pálida. Entretanto, por mais que no fundo do seu âmago ele quisesse perguntar o que estava acontecendo, ele sentia que não tinha esse direito. Não a conhecia e nem tinham nenhuma relação, nem amizade havia. Na verdade, os dois não sabiam nem ter uma conversa didática sem trocarem farpas ou comentários ácidos um para com o outro, imagina ter qualquer outro diálogo.

Aurora solta o braço e o encara em dúvida, as sobrancelhas franzidas e os lábios pálidos contorcidos só denotavam mais a sua falta de paciência. Dante sente as palavras pularem de sua boca.

— Porque você odeia tanto a minha aula? Qual o Problema na maneira que eu leciono? — Aurora suspirou, é claro que ele perguntaria, é claro que o que ela havia dito havia atingido-o diretamente em seu ego. Por instante ela se perguntou se sua franqueza havia o magoado de alguma forma, esse pensamento fez com que ela baixasse a guarda e procurasse a resposta para sua dúvida no fundo dos olhos cinzentos dele. Uma pequena mágoa foi captada por ela.

Os olhos azuis o prendem de uma forma inexplicável e sua mente fica nebulosa. Alguns segundos se passaram sem que ela o respondesse, ele coça a garganta e passa a mão pela nuca, nervoso. 

O que estava acontecendo, pensou.

— Talvez você deva pensar que o problema não é com sua aula, professore. — Ela responde vencida. Dante apenas contrai a boca em resignação; ela era confusa, contraditória e um enigma para a cabeça tão pragmática do Martinelli.

— O que isso quer dizer? — Indaga, sua confusão fica explícita nas notas graves de sua voz.

— Eu preciso ir embora. — Desconversou e ele não insistiu, pois sabia que com ela não adianta fazer. Aurora era assim, decidida e quando resolvia que não ia fazer, não fazia. Não era necessário ser muito inteligente para descobrir isso, a mulher era assim e aquilo só o deixava mais intrigado.

 — Pense sobre a excursão. — Se abaixa, pega a bolsa e estende para ela. — Sei o quanto ama gastronomia e estamos no final do último ano, você precisa dessa nota.  — Aurora agarrou a bolsa e virou de costas. 

Dante não pode evitar de soltar uma bufada, ela nunca o escutava, agora se fosse o “Senhor Molinari ” Aurora com certeza o ouviria. O som da porta se abrindo só deixava aquilo mais explícito, então sem mais insistir ele apenas virou de costas para pegar o seu material, talvez um pouco irritado e profundamente frustrado por não ter suas palavras levadas em consideração.

— Eu pensarei. —  Escuta a voz dela aumentar alguns tons. A porta estava aberta e ela estava de costas para si, o cabelo desgrenhado e completamente solto do coque. Um vento gelado passa pelo corpo dos dois, e assim que ela sai da sala Dante ainda consegue escutar um murmúrio que diminui toda e qualquer irritação sentida, o deixando perplexo. — A Propósito, o vinho era um San marzano.

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