Capítulo 5

Antonella

A manhã começou diferente. O clima na mansão estava mais agitado do que o habitual, e os empregados pareciam andar em movimento controlado, como se algo importante estivesse para acontecer. Eu descia as escadas quando ouvi vozes vindas do hall de entrada.

Reconheci uma delas antes mesmo de ver o rosto.

Letícia.

A assistente pessoal de Alonzo estava ali, de salto alto e sorriso estudado, segurando uma pasta de couro e uma xícara de café que parecia ter sido feita especialmente para ele.

Ela falava com um tom leve demais, rindo de algo que Alonzo disse. Ele estava de costas para mim, com o blazer no braço e o celular na mão. Letícia, por outro lado, parecia totalmente focada em agradá-lo.

— Trouxe os relatórios do novo fornecedor de Toronto, senhor Karvell — ela disse, inclinando-se levemente para entregar os papéis. — E o café… como o senhor gosta.

Ele pegou os documentos sem sequer olhar para ela, mas o simples fato de ela saber o jeito exato que ele gostava do café me incomodou mais do que deveria.

— Obrigado, Letícia — ele respondeu, com a voz firme. — Deixe sobre a mesa do escritório. Vou revisar antes da reunião.

— Claro, senhor. — Ela sorriu, e por um instante, seu olhar passou por mim. Um sorriso discreto, quase provocador. — Bom dia, senhora… Karvell.

— Bom dia — respondi, forçando um tom neutro.

Ela se virou de volta para ele, tocando o ombro dele de leve, como quem faz um gesto banal, mas intencional o bastante para me ferir. Fingiu tirar um fiapo inexistente da roupa dele antes de sair da sala.

— Desculpe — disse ela em voz baixa, quase um sussurro. — Só um reflexo.

Alonzo nem percebeu o incômodo. Continuou olhando o celular, distraído, como se o mundo ao redor não existisse.

Eu quis dizer algo, qualquer coisa, mas me limitei a sorrir de leve e seguir para a cozinha. Peguei uma garrafa de água e voltei, como se nada tivesse acontecido. Letícia ainda estava ali, parada na porta, olhando ao redor com um ar de quem se sentia à vontade demais para ser apenas funcionária.

Quando ela passou por mim, inclinou-se próxima o suficiente para que só eu escutasse:

— Está desperdiçando juventude aqui… ele não vai ceder, sabe disso, né?

Por um segundo, o sangue ferveu nas minhas veias. Respirei fundo, segurei o impulso de responder com raiva e devolvi no mesmo tom frio que ela usou:

— E você está desperdiçando profissionalismo. Ele é meu marido.

Os olhos dela brilharam por um instante, como se tivesse adorado o confronto. Mas não disse nada. Apenas deu um pequeno sorriso, quase vitorioso, e saiu da mansão com o som dos saltos fazendo um som irritante.

Fiquei parada no meio da sala, com a garrafa de água ainda em mãos e o coração batendo rápido. Quando Alonzo passou por mim, já com o terno alinhado e o relógio no pulso, apenas disse:

— Preciso sair. Reunião às nove.

— Eu percebi — respondi, com um meio sorriso. — Sua assistente já trouxe o café.

Ele assentiu, distraído.

— Ela é eficiente. Não preciso repetir nada.

Assenti também, tentando parecer indiferente.

— Imagino que sim.

Ele me olhou por um breve segundo, talvez percebendo o tom contido. Mas não disse nada. Pegou as chaves do carro e saiu, deixando o som da porta preencher a casa.

O silêncio que ficou depois da saída dele me engoliu inteira.

Subi para o quarto antes que as lágrimas viessem. Fechei a porta, tirei os sapatos e joguei a almofada contra a parede. Depois o travesseiro. E outro. E outro.

— Maldita calma — murmurei. — Eu devia ter dito algo pior.

Mas dizer o quê? Que dói vê-lo ser gentil com todos menos comigo? Que dói ouvir outra mulher dizer que ele nunca vai me querer? Que cada vez que ele passa e não me olha, parece que uma parte de mim desaparece?

Deitei de bruços na cama, socando o travesseiro com força.

— Por que você não me enxerga, Alonzo? Por que é tão fácil pra você me ignorar?

A campainha do celular vibrou. Mensagem de Emily.

— “Acorda, prima. Vai deixar o gelo te engolir? Sai de casa. Faz algo por você.”

Sorri de leve. Emily sempre parecia saber quando eu estava prestes a desabar.

Sentei na cama e fiquei olhando para o guarda-roupa. Minhas roupas, todas impecáveis, alinhadas. Nenhuma vida fora dali. Nenhum propósito além de tentar agradar um homem que não quer ser agradado.

Levantei devagar e abri a pasta de relatórios que eu mesma tinha preparado para o conselho da empresa Bellini. Entre os papéis, havia um convite para a inauguração da nova filial de Montreal, programada para a próxima semana. Meu nome estava listado como “participação opcional”.

Fechei o envelope, respirei fundo e pensei alto:

— Opcional pra quem, né?

A ideia começou a se formar na minha cabeça ali mesmo. Se Alonzo não me quer como mulher, vai me ver como algo que ele entende, uma parceira de negócios, uma mulher capaz. Ele respeita o trabalho, respeita poder, respeita quem se impõe. E talvez, se eu entrar nesse jogo de igual pra igual, ele finalmente me olhe. Nem que seja com admiração.

Peguei o celular e liguei para Emily.

— “Oi, dorminhoca” — ela atendeu rindo. — “O que foi agora?”

— Preciso da sua ajuda. Quero viajar pra Montreal na semana que vem, pra acompanhar a inauguração da filial da Bellini.

— “Você? Pessoalmente?” — Ela riu, surpresa. — “Finalmente resolveu sair da toca?”

— Não é bem isso. Eu só quero… mostrar que sou útil. Que posso ser mais do que essa mulher que cozinha e espera.

Emily ficou calada por alguns segundos.

— “Ella, você não precisa provar nada pra ninguém. Mas se isso vai te fazer bem, vai lá. Mostra o que ele perdeu. Mostra o que ele tem e nem percebe.”

Sorri com um nó na garganta.

— Obrigada, Em. Acho que preciso mesmo disso.

— “E, por favor, se encontrar aquele homem frio antes de viajar… não briga. Faz o contrário. Dá um sorriso que ele não consiga esquecer.”

Ri.

— Você é impossível.

— “E você é teimosa” — respondeu. — “Me promete que vai cuidar de você?”

— Prometo.

Desliguei e olhei para a cama. O sol começava a atravessar a cortina, iluminando o travesseiro que eu havia socado minutos antes. Por algum motivo, aquilo me deu força.

Peguei meu tablet e comecei a revisar o itinerário da filial. Seria uma viagem curta, três dias. Mas o suficiente pra respirar longe dessa casa que mais parecia um museu de ausências.

Enquanto lia os documentos, ouvi o som do portão eletrônico se abrindo. Alonzo tinha voltado. Fechei o tablet rapidamente e respirei fundo.

Ouvi os passos dele subindo. Ele parou na porta, bateu de leve e abriu.

— Está tudo bem?

Fingi normalidade.

— Sim, só estava terminando umas leituras da Bellini. Pensei em ir a Montreal na próxima semana.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Sozinha?

— Sou Ceo da filial, Alonzo. Acredito que consigo pegar um voo sem babá.

Ele piscou, sem reação por alguns segundos.

— Não foi isso que quis dizer. Só… não sabia que você pretendia ir.

— Decidi agora — respondi, firme. — Acho que me fará bem.

Ele assentiu, mas o olhar demorou um pouco mais em mim. Como se estivesse tentando entender o que mudou. Talvez fosse a primeira vez em meses que me via com postura de quem não estava esperando aprovação.

— Faça o que achar melhor, Antonella — disse por fim, antes de seguir para o escritório.

Quando a porta se fechou, deixei escapar um sorriso discreto. Talvez fosse o primeiro passo. Talvez pequeno, mas meu.

E pela primeira vez em muito tempo, senti que tinha algo sob controle. Se ele não me vê como mulher, vai me ver como aquilo que ele mais respeita: poder.

E quando isso acontecer… vai ser impossível fingir que não sente nada.

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