CamilleO cheiro forte de antisséptico impregnava o ar, misturando-se à claridade fria do quarto de hospital.Deitada na cama, ainda me sentia fragilizada, mas, ao mesmo tempo, uma urgência crescente me corroía por dentro. O médico, um homem de expressão séria e olhar analítico, estava terminando de examinar meu braço.— Está tudo bem por enquanto — ele disse, a voz calma. — Só mais alguns cuidados e repouso absoluto pelos próximos dias.Fechei os olhos por um momento, tentando absorver as palavras dele, mas minha mente estava em outro lugar, girando em torno de um único pensamento.— Eu ainda estou grávida? — minha voz saiu baixa, quase num sussurro.O médico parou, erguendo o olhar para mim. Parecia medir as palavras antes de responder.— Sim, senhora Herrera. Ainda está grávida. Felizmente, os ferimentos não afetaram os bebês.O alívio tomou conta de mim como uma onda, mas logo foi substituído por outro sentimento: preocupação. Segurei o braço do médico com firmeza, ignorando a dor
JavierO quarto do hospital estava mergulhado em silêncio, exceto pelo som constante e rítmico do monitor cardíaco ao lado da cama de Camille. Ela dormia profundamente, o rosto sereno, mas marcado por pequenos hematomas que pareciam ainda mais visíveis sob a luz fria.Sentado na poltrona ao lado da cama, eu a observava, cada detalhe dela gravado em minha mente. A respiração dela era lenta e estável, o que deveria ser um alívio, mas eu não conseguia afastar a angústia que apertava meu peito.Minha esposa tinha sido espancada.O pensamento era uma faca cortando fundo, me fazendo apertar os punhos. Ainda podia sentir a raiva fervendo sob a superfície, mas era contida pela necessidade de estar ali, ao lado dela, garantindo que estivesse segura.Ela mexeu a cabeça ligeiramente, murmurando algo incompreensível, mas não acordou. Aproximando-me mais, toquei a mão dela com cuidado, como se temesse que pudesse quebrá-la com um simples gesto.— Não vou deixar que nada te aconteça de novo — murmu
CamilleA luz fluorescente no teto zumbia suavemente, mas em minha mente, o som era abafado pelo turbilhão de pensamentos que não me deixavam descansar.Meu corpo ainda doía, cada músculo, cada osso, como se um peso invisível tivesse se instalado sobre mim. O cheiro do hospital, misturado com o odor pungente do álcool e dos desinfetantes, me fazia sentir uma ansiedade que não conseguia controlar.A enfermeira tinha vindo várias vezes, mas suas palavras não passavam de uma bruma distante, algo que eu já não conseguia entender muito bem. O que me restava era o silêncio constante que me apertava o peito e a lembrança dos acontecimentos que me trouxeram até aqui.Javier… ele ainda estava em algum lugar, provavelmente em uma sala distante, talvez em uma cirurgia ou em algum processo de recuperação que eu não queria saber mais. Fui eu quem o arrastou para esse inferno.Eu, Camille, a mulher que ele dizia amar e que, no fim, só sabia se colocar em risco com suas decisões impulsivas.Suzu es
JavierO som das vozes ao fundo se tornou um zumbido insuportável enquanto eu atravessava o corredor. Cada passo era um golpe seco contra o chão, ecoando pela minha mente como uma contagem regressiva.A fúria que pulsava dentro de mim era um animal selvagem, feroz e indomável. Camille estava no hospital, lutando pela vida, e alguém nesta maldita sala era o responsável.A porta se abriu com um estrondo quando entrei. O ar carregado de cigarros e álcool não mascarava o cheiro mais forte de todos: o medo. Os homens ao redor da mesa ficaram tensos, seus olhares se encontraram brevemente antes de se voltarem para mim. Eles sabiam que algo estava por vir.— Quero saber quem foi. — Minha voz cortou o ar como uma lâmina, fria e cheia de veneno.Silêncio.Olhei para cada um deles, demorando-me em seus rostos. Homens que já tinham enfrentado guerras, acordos sombrios, traições e crimes. Homens que, em qualquer outra situação, seriam incapazes de demonstrar fraqueza. Mas naquele momento, eles sa
CamilleO som insistente do monitor cardíaco preenchia o quarto vazio, quase como uma companhia sarcástica para o que eu sentia.A cada bip, parecia que ele ria de mim, zombando da minha situação, do peso que me prendia à cama. Meu corpo ainda doía, mas não era só físico. A pior dor era a do medo constante, das perguntas sem respostas, da sensação de que eu estava cercada por inimigos invisíveis.A porta se abriu sem cerimônia, o ranger das dobradiças ecoando pelo quarto. Instintivamente, meus músculos se retesaram. Mas quando ergui os olhos, reconheci as duas figuras que entraram.Minha mãe, Roberta, com seus saltos altos que ressoavam contra o piso como tiros, atravessou o quarto com a elegância forçada de sempre. Seu perfume inconfundível dominou o espaço em segundos, doce e enjoativo, como uma máscara que ela nunca tirava.Atrás dela, meu padrasto, Juan Carlos, seguia com passos firmes e calculados. Ele vestia um terno impecável, como sempre, com aquele sorriso que nunca chegava a
JavierA cidade parecia silenciosa demais para o que eu sentia.Cada rua vazia, cada esquina, cada sombra parecia esconder algo, uma peça do quebra-cabeça que ainda não estava montado. Os fogos da minha raiva queimavam dentro de mim, e o ar ao meu redor, em vez de aliviar, parecia só alimentar a chama. Eu sentia o calor no peito, uma pressão que me fazia acreditar que eu estava prestes a explodir.Olhei pela janela do meu carro enquanto dirigia pelas ruas desertas. As luzes da cidade eram apenas manchas distantes, como uma promessa de algo que eu não conseguia alcançar. Mas eu não estava mais atrás de respostas tranquilas. Eu não queria mais saber quem era o culpado. Eu queria que o culpado sentisse o que eu estava sentindo. Eu queria que essa cidade, inteira, fosse um reflexo da dor que eu carregava.Queimar era a única forma de me livrar disso, e eu estava disposto a fazer isso.A decisão foi simples. Eu não tinha mais paciência, não tinha mais compaixão. Eles queriam respostas? Eu
CamilleO quarto do hospital parecia mais apertado com Javier ali dentro. A energia que ele trazia era tão intensa, tão avassaladora, que parecia sufocar o pouco ar que me restava.Eu havia acabado de acordar, ainda tentando entender onde estava, mas sua presença era impossível de ignorar. Ele estava sentado na beirada da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos entrelaçadas e o olhar fixo no chão. Era o tipo de postura que ele adotava quando estava tentando conter a raiva.— Javier, o que você está fazendo aqui? — Minha voz soou fraca, mas carregada de irritação.Ele ergueu os olhos para mim, aqueles olhos que podiam tanto me aquecer quanto me congelar. Dessa vez, eles estavam sombrios, carregados de algo que eu não conseguia decifrar.— Eu tinha que vir aqui, Camille. — Sua voz era rouca, quase um sussurro. — Você é minha.Aquelas palavras deveriam me confortar, mas ao invés disso, me irritaram. Tudo nele parecia ser sobre posse, sobre controle. Eu não era um objeto para
JavierA noite parecia mais longa do que qualquer outra que eu já havia vivido.Sentado na poltrona ao lado da cama de Camille, minha mente trabalhava sem parar. A notícia de que ela estava grávida mexia comigo de um jeito que eu não sabia explicar. Era como se, por um breve instante, o peso de tudo o que eu carregava tivesse ficado mais leve. Mas ao mesmo tempo, isso trazia uma responsabilidade que eu nunca imaginei que teria.Eu a observava enquanto ela dormia. Seu rosto, mesmo pálido e cansado, ainda era o mais bonito que eu já tinha visto. Cada respiração lenta e profunda era um lembrete de que ela estava aqui, viva, comigo, e agora carregava algo muito maior. Algo que nos ligava de forma indissolúvel.Levantei-me da poltrona e fui até a janela do quarto. A cidade ainda estava em chamas, pelo menos na minha mente. Eu sabia que lá fora meus homens estavam apagando rastros, controlando a situação que eu mesmo comecei. Mas aqui dentro, tudo parecia calmo.Camille era o centro do meu